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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

COTIDIANAS nº476 Especial Dia das Bruxas - A Pintinha da Marilyn


"Parecida com a da Marilyn". Até parece! A da Marilyn era bonitinha, sensual, discretinha ali logo acima do canto da boca, à esquerda, no início da bochecha. E além do mais acho que nem era de verdade, devia ser feita com lápis. A minha é um verruga mesmo. Agora vinha aquela dermatologistazinha tentar me convencer a deixar aquilo no meu rosto. Nem pensar.
- Não, pode tirar mesmo. - confirmei.
- Se é assim que você quer. - disse a médica sorrindo e já preparando os instrumentos.
Seria um procedimento rápido. Aquele tipo de remoção de sinais nos dias de hoje é um processo bastante simples e indolor. Seria feito ali rapidamente e nem necessitaria de recuperação ou convalescença posterior.
Enquanto a profissional habilmente executava a tarefa em seu rosto seu pensamento viajava até a escola onde as impiedosas colegas não hesitavam em apelidar maldosamente de bruxa por causa daquele maldito sinal proeminente. Ah, que ódio! E ainda mais no lugar onde viviam, uma antiga cidadezinha interiorana no sul da França cheia de lendas e de um passado cheio de histórias envolvendo comunidades secretas e inquisição, mais munição havia para que lhe importunassem. Por que não a deixavam em paz? Só porque era diferente? Por que se recusava a ser boba, estúpida e fútil como as outras. Ninguém tem o direito de querer ser do seu jeito? Vestir-se como quer? Ouvir as músicas que gosta? Mas que inferno! Mas agora não teria mais que aguentar as piadinhas das colegas. Não mais.
- Prontinho. - anunciou a dermatologista - Mas eu ainda preferia com a pintinha. - sorriu.
- Obrigado mas eu prefiro assim. - confirmou satisfeita olhando para o espelho em frente à cadeira.
Não havia mais pinta, não havia mais verruga, as piadinhas ainda persistiriam por algum tempo, é certo, porque, afinal de contas, não iriam dar-se por vencidas assim tão fácil, mas logo, sem aquela coisa horrorosa na cara, a deixariam em paz.
A clínica era perto de casa, como tudo naquela cidade minúscula e por isso voltou para casa caminhando. Carregava um discreto sorriso no rosto. As chatas até continuariam implicando com sua roupa preta, com sua música soturna, seus piercings mas a verruga era algo que a incomodara a vida inteira. Sua mãe tinha uma, sua avó também e agora se livrara daquela herança genética maldita.
Chegou em casa, dirigiu-se para seu quarto e foi imediatamente apreciar sua nova aparência no espelho. Mas... a verruga estava lá! Como? Saíra do consultório sem aquilo. Tinha certeza. Olhara-se no espelho. Como? Será que...? Seria verdade? As verrugas hereditárias, as lendas da cidade, os misteriosos jogos de bridge toda sexta-feira à noite com outras senhoras... Voltavam tarde, de madrugada, E o livro de "receitas" que elas nunca me deixaram sequer chegar perto... Seria possível? Então a semelhança de seu sobrenome com o daquela antiga família da região não era coincidência... Angier, Agger... E as meninas implicavam tanto com aquilo. Então tinha fundamento.
Foi tomada inicialmente por uma espécia de desespero, de angústia, de auto-repulsa mas as sensações foram se amenizando e aos poucos dando lugar a uma nova perspectiva. Se era o que agora achava que era, então finalmente não precisaria mais se preocupar com as piadinhas das colegas. Não mais.



Cly Reis

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