Normalmente me interesso por adaptações em quadrinhos para clássicos da literatura e não foi diferente quando me deparei numa livraria dessas da vida com "Crime e Castigo" do escritor russo Fiódor Dostoiévski em versão HQ.
A publicação embora bem acabada e caprichada, não conta com uma arte notável. Rostos e movimentos do ilustrador Alain Korkos carecem em alguns momentos de uma expressividade maior mas talvez por isso mesmo, quando resolve enfatizar estas expressões, o faz de modo quase exagerado, o que poderia ser considerado defeito se não acabasse tendo o interessante efeito, combinada à opção pelo preto e branco, de dotar sua obra de uma identidade visual que remete muito ao expressionismo alemão de Murnau e Wiene.
Esse visual sombrio é pano de fundo mais que apropriado para a suplício psicológico do atormentado Roskólnikov que em meio a problemas cotidianos comuns como falta de dinheiro, família, desigualdade,, tem que conviver com a inquietação de um vazio interior que o leva a formular ideias pouco recomendáveis, digamos assim. E á na identificação desses elementos cotidianos que reside a grande sacada dos elaboradores da graphic novel. Por certo a abordagem de questões sociais e humanas ainda hoje tão relevantes e tão atuais foram por certo encorajadores para que os adaptadores audaciosamente ambientassem a obra aos dias atuais, confirmando que os tormentos, anseios, questionamentos do jovem Roskolnikóv permanecem tão pertinentes quanto na época em que o romance original fora escrito. Mas o maior mérito da adaptação é o de conseguir sintetizar uma obra tão extensa e complexa, como é o caso de "Crime e Castigo", e pinçar com grande sabedoria momentos-chave onde os questionamentos filosóficos propostos por Dostoiévski são mais significativos e urgentes. A riqueza da obra permanece intacta.
Cly Reis
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