David Cronenberg: 75 Anos
por Fernanda Calegaro
Ao acompanhar as entrevistas no festival South by Southwest (SXSW), deparo-me com uma conversa do Olivier Assayas, mediada pelo Richard Linklater, sobre a obra de David Cronenberg, sobretudo em “Demonlover” (2002). Para Assayas, “'Videodrome' é uma explosão mental, a maior e mais ousada influência”. A genialidade do inextricável explorador do corpo humano poderia apenas proporcionar alguns hematomas ou meras cicatrizes, no entanto, provoca reações que interferem intimamente na transformação humana.
O universo cronenberguiano pode ser caracterizado por um pout-pourri subversivo, orquestrado com muito cinema e inspirações literárias, como de Philip K. Dick (“Dead Ringers”, 1988), William S. Burroughs (ver “Mistérios e Paixões”, 1991, e a incrível produção de Jeremy Thomas) e Henry Miller (ver “Crash - Estranhos Prazeres”, 1996). O outsider canadense teve seu “despertar” para o cinema em uma sessão de "Winter Kept Us Warm" (1965) na magnífica Universidade de Toronto. Com uma abordagem peculiar, que transita entre o elegantemente escrachado e a assombrosa anormalidade, o inquieto apreciador de western transforma a desordem que domina corpos e mentes em uma perturbadora obra de insanidade e fantasia, tendo o caos como leitmotiv na forma mais genuína possível.
A emblemática cena da explosão da cabeça de "Scanners" |
Em “Os Filhos do Medo” (“The Brood”, 1979) ganhamos a ilustríssima cena em que a excelente Nola (Samantha Eggar) mostra seu segundo útero, isto é, com ele fora do corpo, dá luz a uma criatura, lambe a placenta e, ainda, pergunta para o marido se está bonita. Grosseiramente marcante, pavorosamente repugnante. (ver “O Retorno do Oprimido”, Freud, 1976). Cronenberg também possibilita prazerosos constrangimentos, como ao assistir o remake do filme B dos anos 1950, “A Mosca” (“The Fly”, 1986). A obsessão compulsiva de um homem esquizofrênico, o fantástico cientista Seth (Jeff Goldblum), dominado por um inseto e sua transformação desencadeia em uma das maiores experiências viscerais de desequilíbrio, amor e morte. Eterna salva de palmas para Stephan Dupuis que, segundo ele, bebeu da fonte de “The Creature from Black Lagoon” (1954) para realizar este trabalho.
Retomando a influência que originou esse texto, nos aproximamos do sempre atual “Videodrome - A Síndrome do Vídeo” (“Videodrome”, 1983). Crítica louvável ao controle da televisão e o poder na mídia, ou na relação do homem com o uso de máquinas. Cenas como a de uma arma que se reintegra ao corpo do diretor de televisão, Max (James Woods) ou a inesquecível aproximação dele na imagem da deslumbrante Nick (Debbie Harry), quando Max entra de cabeça na televisão e desencadeia um autêntico exercício de sexo oral com o espectador. Em “Videodrome”, o teórico das comunicações, Marshall McLuhan, foi base para a construção do filósofo, Dr. Brian O'Blivion. Os elementos de protesto como extensões do corpo geram desconforto e trazem a inquietação com o sistema, o consentimento e a alienação. Definitivamente, uma ousada obra-prima, como aponta Olivier Assayas.
cena da cabeça engolida pela tevê de "Videodrome"
A magnificência da obra de David Cronenberg permite usufruir de sessões de esquizoanálise, de aulas filosofia e medicina, possibilita castigos seguido de perfurações, mas basta uma amistosa aproximação e já fica decretado como um catártico felizardo que vislumbrou a obra de um gênio supremo.
Segue a lista dos favoritos em ordem de sentimentalismo.
1. "A Mosca" ("The Fly") - 1986\
3. "Scanners - Sua Mente Pode Destruir" ("Scanners") - 1981
4. "Crash - Estranhos Prazeres" ("Crash") - 1996
5. "Filhos do Medo" ("The Brood") - 1979
7. "Gêmeos - Mórbida Semelhança" ("Dead Ringers") - 1988
8. "Na Hora da Zona Morta" ("The Dead Zone") - 1983
9. "Crimes do Futuro" ("Crimes of the Future") - 1970
10. "EXistenZ" - 1999
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Fernanda Calegaro é jornalista, tenente Ripley com Amélie, atua há mais de dez anos na Comunicação. Trabalhou em veículos como TV Guaíba e TVE/RS e, em assessoria de imprensa e produção de conteúdo. Trabalha no segmento cultural e ambiental. Nota: Jeanne Moreau está para Liv Ullmann assim como Tura Satana está para Barbara Steele.
É interessante como Croneberg tem uma fase mais física, mais voltada para o corpo mostrando-o e utilizando-o sem barreiras, pudores ou limites e agora, nos últimos tempos uma fase mais mental, onde o psicológico, o exame humano parece ganhar seu maior interesse. Não que a parte "física" não fosse também muito profunda. Era, e muito! Mas visualmente ela era muito marcante com aquelas cabeças explodindo, armas saindo da barriga, corpos metamorfoseados, etc. Particularmente, prefiro a FASE CORPO do que a FASE MENTE, que como você bem salientou na resenha é tão reflexiva quanto a posterior. Ótima resenha.
ResponderExcluirMinha lista:
1. Videodrome
2. A Mosca
3. Scanners
4. eXistenZ
5. Enraivecida na Fúria do Sexo
6. Mistérios e Paixões
7. A Hora da Zona Morta
8. Crash - Estranhos Prazeres
9. Spider - Desafie sua Mente
10. Calafrios