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sexta-feira, 3 de maio de 2019

Matheus Aleluia - FestiPoa Literária - Agulha - Porto Alegre/RS



A palavra que reza

“Sapotizeiro
Que nos dá um doce fruto
Se sente altivo e impoluto
Pois a cor da pele
Do seu fruto é a cor da África”

O dia era abafado e morno. Havíamos caminhado pela cidade e o calor nos deixava na malemolência dos soteropolitanos. Ao entrar num dos acessos do Pelourinho já no final da tarde, onde estávamos hospedados, escutamos um som, vindo de longe. Era de uma das casas do largo Terreiro de Jesus ecoava uma música que não conhecíamos. Então Daniel e eu fomos levados para lá.

Chegando num lugar mais climatizado a música nos recebeu em meio a uma infinidade de CDs que vislumbramos em nossa frente. Era a loja de um apaixonado por música que tinha ali seu negócio e sua forma de viver em pleno centro histórico. Uma filial do Brasil e sua produção estava ali fixada no nascedouro do Pelourinho, local tão importante de resistência e arte. O dono do negócio chamado Ademar.

O que escutávamos naquele momento era morno, constante e suave, mas continha uma força que me arrebatou. Logo fui perguntando: quem é esse cantor? E logo soube o nome da voz que me encantava: Matheus, Matheus Aleluia. Pronto estava tudo resolvido.

Nos minutos seguintes soubemos que ele era um dos componentes do grupo Tincoãs que estava na cidade com seu trabalho solo no Teatro Castro Alves apresentando o CD "Cinco Sentidos". que logicamente levamos para casa. Infelizmente não conseguimos assistir. pois os ingressos estavam esgotados, com toda compreensão porque ele é um dos grandes talentos brasileiros.

Descobri dois músicos na loja de Ademar em pleno Terreiro de Jesus, o talentoso Tiganá Santana e o lendário Mateus Aleluia. A música de ambos arrepia e comove. Gosto muito de trazer das viagens sonoridades da região. Eles cantaram para mim, e eu os trouxe juntos. Falam com algo muito profundo da nossa essência negra. Falam com nossos mentores. Iluminam. Pretendo escrever sobre eles, aguardem.




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Aqui está o texto 4 anos depois dessa viagem de descobertas - antes tarde que nunca. Mas a emoção retornou motivada por saber que Matheus Aleluia estará em Porto Alegre, no Agulha cantando dentro de um Festival que cresce elogiosamente o “FestiPoa Literária”. Mais uma vez não irei vê-lo cantar ao vivo, quem sabe seja um convite a retornar a Salvador?

Matheus no grupo Tincoãs, anos 60/70
Matheus começou sua carreira ainda bem jovem, no grupo Tincoãs nos anos 60/70. Ele ingressou no trio após a saída de Erivaldo que fazia parte da formação original com Dadinho e Heraldo. Com a chegada dele o conjunto renovou seu repertório e revolucionou a música brasileira ao criar harmonias vocais para cantos de religiões afro e sambas de roda. Em 1986, Matheus se mudou para Angola para trabalhar com pesquisa e cultura. Em 2002, voltou ao Brasil já em carreira solo. Com apoio da Petrobras lançou, em 2010, o CD "Cinco Sentidos", produzido em altíssima qualidade pelo selo Garimpo.

"Cinco Sentidos" é para mim uma declaração de amor a espiritualidade que Matheus carrega e compartilha gentilmente conosco ouvintes. Já na primeira faixa escutamos, "Ogum Pa", numa forte referencia ao orixá Ogum e à mãe de todos os orixás, Yemonjá, conhecida como Iemanjá, muito cultuada em toda a Bahia.

Nas faixas que se seguem há composições suas, em duo com Dadinho, e três delas com a participação da voz encantadora de Fabiana Aleluia que dialoga com a força sonora de Matheus. Há espaço para uma poesia do político e escritor senegalês Léopold Sedar Senghor dedicado a Pablo Picasso, na versão musicada por Matheus. O poeta foi presidente do Senegal, de 1960 a 1980, e entre as duas Guerras Mundiais, juntamente ao poeta antilhano Aimé Césaire, foi um dos ideólogos do conceito de negritude. Além disso, podemos escutar a canção para mim clássica, "Cordeiro de Nanã". O CD traz a cada faixa uma nova sensação e conhecimento do homem, da natureza e dos preceitos de respeito, religiosidade e liberdade.

OUÇA
Matheus Aleluia - "Cinco Sentidos"
Leocádia Costa

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