Muitos anos depois, diante daquele copo de chopp gelado, Tatjana Mavić se lembraria do distante dia em que sua mãe a levou para conhecer... o iogurte. Sim, o iogurte! Na época de sua infância, o pequeno país do leste europeu em que nascera, era, assim como outros na mesma região do continente, governado sob regime comunista totalitário, e por isso, fechado comercialmente para o mercado externo por conta de suas relações conturbadas com o bloco capitalista. Por consequência disso, todos os produtos básicos eram produzidos no próprio país e, por "básicos" deve-se entender rigorosamente o necessário à vida de uma família, o que não incluía supérfluos como iogurte, por exemplo. Os produtos, oriundos dos órgãos estatais, não tendo porquê apresentar algum apelo visual e devendo meramente informar ao consumidor o que ele estava adquirindo, apresentavam-se em embalagens completamente brancas, apenas com a informação do conteúdo e o selo estatal. Assim, a paisagem que se observava no interior dos pequenos supermercados, se é que se podia chamar assim aquelas precárias mercearias, era de grandes superfícies brancas formadas pelas caixas enfileiradas nas prateleiras.
Bem diferente daquele mundo de cores que Tatjana encontrava nas poucas vezes que cruzava a fronteira, com autorização do governo, para visitar os primos, em Corona, país vizinho que desfrutava do "sonho capitalista". Era como sair de um filme em preto e branco e entrar num filme a cores. Aquilo tudo era fascinante. Tinha vida. Tudo tinha vida. Para quem é familiarizado com as seduções do mundo capitalista pode parecer estranho e até ridículo, mas para a pequena Tatjana, naquelas viagens, ir ao supermercado era algo quase mágico. Todas aquelas cores, todas aquelas marcas, toda aquela variedade de coisas... Refrigerantes, chocolates, enfeites... Mas o que mais a fascinava era o iogurte. Ah, aquele rosado que se deixava descobrir sutilmente pelo pote leitoso semitransparente... Nunca vira nada igual: um líquido rosa! Era incrível. E os desenhos na tampa? Um morango sorridente, um solzinho feliz, um garotinho num balanço... As embalagens em seu país eram tão... tristes. Aliás, tudo era tão triste. Agora, muitos anos depois, diante daquele copo com aquele refrescante líquido dourado, Tatjana lembrava do branco das embalagens, do rosa do iogurte e anunciava para os amigos, na mesa sua decisão de voltar à pátria mãe. O país que a acolhera e lhe dera oportunidades era, hoje, diferente daquele promissor que se afigurava quando nele desembarcou. Parecia que aquele país caminhava para ser como era o seu, quando sairá de lá. Sombras se aproximavam. O horizonte era cinza. Ao mesmo tempo, do outro lado do oceano, sua terra natal, depois de todas as tensões políticas, conflitos internos e étnicos, parecia convidá-la a voltar. Se por um lado tinha um amor nascido na pátria adotiva, seu noivo e, com ele, o desejo de ser mãe, tinha, por outro lado, lá, a mãe doente e precisando de sua presença. A solução para o dilema maternal estava em outra mãe: a pátria. Voltaria! Levaria o noivo para o país onde nascera e teria a oportunidade de ficar junto da mãe.
Agora, muitos anos depois de ver-se hipnotizada pelo róseo do iogurte, Tatjana não percebia mas sorria distraída diante do amarelo do copo de chopp, distraída, lembrando exatamente daquele distante dia no supermercado, pensando que o filho que desejava ter, lá, conheceria um país muito mais colorido do que ela tivera em sua infância.
Como que despertada por alguma entidade, de repente, Tatjana sai do devaneio. Sorri e olha em volta, meio sem jeito, esperando que ninguém repare nos olhos começando a merejar. E então, numa ação decidida, apanha o copo da mesa e o ergue no ar. Um brinde!, propõe. Que sejamos felizes!
Cly Reis
para Maja
Nenhum comentário:
Postar um comentário