"(...) O sol estava lindo e o ar tépido; acendi um charuto e fui muito talamente ao bulevar exterior. A seguir, como estivesse andando sem rumo, ocorreu-me a idéia de visitar o cemitério Montmartre.
Os cemitérios agradam-me muito; têm um efeito repousante e melancólico sobre mim; é uma necessidade que sinto. Ademais, temos ali dentro bons amigos, desses a quem não se vai mais visitar, mas eu ainda vou, de vez em quando.
Justamente nesse cemitério tenho uma história sentimental, uma amante que muito me cativara, uma encantadora mulher, cuja lembrança, ao mesmo tempo que me entristece mensamente, me dá saudades… saudades de tudo… e, então, vou sonhar sobre seu túmulo… Mas para ela está tudo acabado.
Além disso, gosto também dos cemitérios, por serem cidades monstruosas, prodigiosamente habitadas. Pensem no número de mortos que há naquele pequeno espaço, em todas as gerações parisienses que estão ali alojadas, para sempre, trogloditas presos nas suas pequenas catacumbas, nas suas pequenas covas, cobertas com uma pedra ou assinaladas por uma cruz, enquanto que os vivos ocupam tanto lugar, e fazem tanto barulho, esses imbecis!
E mais: há nos cemitérios monumentos quase tão interessantes como nos museus. O túmulo de Cavignac fez-me pensar, confesso-o, sem compará-lo, naquela obra prima de Jean Gonjon: o corpo de Louis Brézé, deitado, na capela subterrânea da catedral de Ruoen; toda a arte chamada moderna e realista ali se encontra, senhores. Esse morto, Louis de Brézé, é mais real, mais terrível, mais feito de carne inanimada, contraída ainda pela agonia, que todas as estátuas de expressão forçada que estão sobre os túmulos.
Mas no cemitério de Montmartre pode-se ainda admirar o monumento de Baudin, que tem grandeza; o de Gautier, o de Murger, onde vi, há uns dias, uma pobre coroa de perpétuas amarelas, isolada, trazida por quem? Pela última costureirinha, hoje muito velha e talvez porteira nas proximidades? É uma linda estatuazinha de Millet, que contudo o abandono e a sujeira vão destruindo. Canta a mocidade, o Murger!
Então, eis-me entrando no cemitério de Montmartre e subitamente imbuído de tristeza, de uma tristeza que afinal não doía muito, uma dessas tristezas que nos fazem pensar, quando nos sentimos bem de saúde: “Não é nada agradável esse lugar, mas para mim ainda não chegou a hora”.
A impressão do outono, dessa umidade morna que cheira a folhas secas e a sol enfraquecido, cansado, anêmico, agravava, poetizando, a sensação de solidão e de fim inexorável que paira naquele local em que a atmosfera tresanda a gente morta.
Caminhei lentamente por aquelas ruas e túmulos, onde os vizinhos não vizinhavam, não se deitam mais juntos e não lêem jornais. E passei a ler os epitáfios. Ah! meus amigos, isso é a coisa mais divertida do mundo. Nunca Labiche, nunca Meilhac me fizeram rir como o cômico da prosa tumbal. Ah! que livros superiores aos de Paul de Kock para desopilar o fígado são essas placas de mármore e essas cruzes, onde os parentes do morto espalham suas saudades, seus votos pela felicidade dos desaparecidos no outro mundo e suas esperanças de se unirem a eles. Farsantes!
Mas esse cemitério me encanta principalmente a parte abandonada, solitária, cheia de grandes teixos e ciprestes, velho bairro dos antigos mortos que logo voltará a ser um bairro novo, no qual serão derrubadas as árvores verdes, nutridas de cadáveres humanos, para se alinharem os recentes falecidos, sob pequenas lajes de mármores (...)".
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