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domingo, 4 de abril de 2021

cotidianas #712 - Lázaro

 



Assim que viu o homem santo saindo da caverna onde seu irmão fora sepultado, Martha precipitou-se ansiosa em direção a ele. O Nazareno, cansado, desgastado, antecipou-se a qualquer questionamento e justificou-se, "Temo que as coisas não tenham corrido como eu esperava...". "O que quereis dizer, senhor?", quis saber a irmã do falecido. Antes que pudesse explicar, no entanto, da escuridão da abertura da cova surgiu um vulto. Não podia ser... Era Lázaro. Ressurgido, redivivo! Como era possível? Era um milagre. Um milagre! O mais impressionante de todos.

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"Chamaste-me, Mestre?", quis confirmar Judas. "Sim, te chamei". Passou o braço por sobre o ombro do fiel seguidor, começaram a caminhar e Jesus prosseguiu: "Preciso que faças uma coisa por mim...", falou. "Qualquer coisa", disse o outro. "Reúne teus companheiros hoje à noite. Quero cear com vós. Será minha despedida". O amigo pareceu não entender. "Quero que, em algum momento, quando eu te indicar, deixe nossa refeição e vá aos romanos, revelar onde estarei". "Mas Mestre, se assim o fizer, o levarão, o matarão!". "Assim deve ser, meu amigo. Não posso mais conviver com vós... nem com quaisquer outros". "O que estais a dizer? Precisamos de ti. Não posso fazer isso". "Deves", exaltou-se. Ficou em silêncio por um momento, retomou a calma retomou: "Lembra quando fui ver Lázaro?". "Como não? Aquele foi o mais belo de teus atos. Trouxeste-o de volta à vida. O que poderia ser maior que isso?". "Pois naquele dia, o que fiz para trazê-lo de volta à vida... não foi certo", "Como assim? Devolveste a vida àquele homem", "Mas o que fiz para revivê-lo...", interrompeu-se. Deu alguns passos adiante, parou e voltou-se novamente para Judas: "Senti muita culpa por não ter agido quando a irmã de Lázaro me avisara de que ele não estava bem. Que podia morrer. Então, quando fui vê-lo e já o encontrei morto, senti como se na obrigação de devolvê-lo a ela. No entanto, não sabia como fazê-lo... Então ele apareceu. Ele já havia aparecido para mim no deserto. Ele disse que sabia como trazer de volta... Perguntou-me se queria que me ensinasse. Eu, deixando o remorso pela morte do homem falar mais alto, disse que sim. Devo admitir que ele ainda me advertiu que aquele que volta não permanece como o era antes. Não sei se não entendi ou ignorei mas o fato é que deixei que Lúcifer me conduzisse a reviver o pobre Lázaro. No entanto, bastou que o homem voltasse do mundo dos mortos para que eu entendesse o que o Diabo quis dizer com "não ser o mesmo de antes". Lázaro tinha as íris brancas, espumava um líquido negro pela boca... Tão logo se ergueu, avançou em ataque a mim. Lutei contra ele, me defendi e consegui sair de seu sepulcro. Ele saiu logo atrás de mim, não deve te-me visto falando com sua irmã pois seguiu sem rumo em um passo cambaleante de quem não tem controle do próprio corpo vivo. Perdeu- se por aí. Dizem que andou atacando pescadores, pelos lados do rio, e que tentava mordê-los, como tentara comigo.Uma ameaça, como tornou-se, não tardou que os zelotes lhe dessem a morte definitiva. Foi melhor assim.", finalmente descansou da narrativa. "E por que deveis morrer por causa disso? Fizeste teu melhor. Tentaste devolvê-lo à irmã. É o que basta. Se usaste de um meio não apropriado, por certo, teu Pai, que dizes ser misericordioso, perdoará". "Não entendes, Judas? É coisa do Demônio! Contam que aqueles que Lázaro mordeu morreram e logo em seguida voltaram à vida mas, assim como ele, mudados, transtornados, como feras, como bestas. São criaturas das trevas, Judas!". "Mas não fostes mordido, contigo está tudo bem. Não precisas morrer por causa disso". O Nazareno baixou os olhos e ficou em silêncio por um instante. "Lembra que te disse que, ao despertar da morte, Lázaro tentou me atacar? Pois bem... Não conseguiu me morder mas fez isso", demonstrou levantando a manga da veste e mostrando um longo arranhão no braço ao apóstolo. "Creio que só não me tornei um deles ainda por não ter sofrido o contato de sua mordedura, mas, por certo, não tardarei a tornar-me um morto-vivo". "Ora, não! É somente um arranhão, meu mestre. Nada vai-lhe acontecer". "Te enganas, meu bom Judas, já começo a sentir os efeitos. Estou mudando. Mudarei mais em breve. Por isso urge que me entregues para os romanos. Deixe que eles me levem. É melhor que me levem daqui e eu não fique perto das pessoas. E, além do mais, se me matarem, e acredito que o farão, será mais proveitoso para os planos do meu pai.


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 A companheira, Maria Madalena e a mãe, Maria, foram ao túmulo, dias depois e, estranhamente o encontraram aberto e vazio. Testemunhos davam conta de que Jesus fora visto em Jerusalém, vagando, parecendo desnorteado. Parecia faminto mas evitava a todos. "Afastem-se de mim, afastem-se de mim...", era só o que dizia. Seus olhos estavam brancos, revirados, e sua boca manchada por uma escumilha turva. Depois de alguns dias não foi mais visto, no entanto houve relatos de outras pessoas com aquele mesmo aspecto, de ataques violentos a mordidas, em localidades próximas, e de mortos que se reerguiam de seus túmulos.
  





Cly Reis

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