"Eu realmente jamais fui mais do que era
- um cantor de folk que fitava a névoa cinzenta
com os olhos cegos pelas lágrimas
e fazia canções que flutuavam
em uma neblina luminosa."
Bob Dylan em trecho do livro
Em "Crônicas: vol.1", Dylan narra seus primeiros passos em Nova York, os contatos, como o executivo e caça-talentos John Hammond da Columbia, o empresário Lou Levy; as pessoas interessantes que conheceu, como o cantor folk Dave Van Ronk, a assistente de palco Suze Rotolo, de quem foi namorado; os livros que teve acesso na casa do amigo Ray Gooch, como "A Pele de Onagro", "A Deusa Branca", "As Tentações de Santo Antão"; os autores que passou a admirar por conta disso, como Burroughs, Balzac, Faulkner; os discos com os quais teve contato a partir dessas amizades e as influências musicais que adquiriu a partir dessas audições; a admiração por Roy Orbison, Johnny Cash, a reverência a Robert Johnson, a devoção por Woody Guthrie; lugares onde começou a se apresentar; as sensações e sentimentos daquela época e daquele momento de sua vida; tudo isso descrito de maneira leve, poética e muito sincera. Dispostos em ordem aleatória cronologicamente, alguns capítulos dão um salto no tempo e tratam de dois álbuns não tão badalados do cantor, "New Morning", de 1970, e "No Mercy", de 1989, sendo que, deste último, chama atenção o tortuoso processo de construção e produção do álbum, ao lado do produtor Daniel Lanois, indicado por Bono Vox, do U2, com idas e vindas, altos e baixos, momentos de inspiração e desânimo, sessões de gravação cansativas, contrastando com outros tempos de sua carreira em que, a rigor, bastava que ele, Dylan, entrasse no estúdio com seu violão, seu suporte de harmônica, algumas páginas de anotações e tínhamos um disco pronto.
Se a música de Bob Dylan é capaz de nos proporcionar um prazer auditivo e sensorial, como um todo, único, seu texto não fica devendo e, inevitavelmente, se funde à sua atividade mais conhecida. Elas são tão gêmeas, tão ligadas que não seria nenhuma loucura dizer que a música de Dylan é luz para os ouvidos e sua escrita, música para os olhos.
Cly Reis
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