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sábado, 30 de julho de 2022

cotidianas #763 - Cadáveres





Se o hábito de Nathan Bogarde já podia ser considerado repulsivo, agora aquilo passava de todos os limites. Nathan se aproveitava de sua função de assistente de legista para, digamos..., satisfazer seus anseios sexuais garotas bonitas, graciosas, formosas que fossem parar, por qualquer circunstância, no necrotério da cidade. Começou, mesmo, quando a Miss Vale da Serra, numa trágica fatalidade, morreu em um acidente automobilístico, quando retornava de uma seção de fotos na capital. Seria um desperdício um corpo daqueles ser, simplesmente, insensivelmente aberto para exames e investigações e depois dispensado para os procedimentos de sepultamento. Uma boa limpada aqui, uma ajeiradinha em alguma parte mais danificada ali e estaria tão maravilhosa quanto no dia em que recebera a faixa. Pronto: ali estava! Era madrugada. Ninguém no morgue àquela hora. Abria o jaleco, baixava a calça e... aaahhhh! Que mulher! Nem importava se estava morta. Na verdade era até melhor. Não precisava de preliminares longas e não teria que esperar que ela gozasse também.

As outras que a seguiram não eram tão incríveis. Não chegavam a ser misses, mas princesinha do crime, filhas de contraventores, jovens viúvas, donas de casa desvalorizadas pelos maridos, satisfazerem, por algum tempo, os desejos e antigas frustrações do jovem legista, no entanto, passado algum tempo, aquelas mulheres comuns, passaram a não ser suficiente para os anseios físico-estéticos do rapaz. Ele queria, precisava, de algo melhor! Mulheres mais fascinantes, incríveis, fora de série.
Foi então que se deu a grande tragédia na Universidade local. Centenas de jovens, garotos e garotas morreram, supostamente, por algum problema alimentar, depois de terem consumido a comida do refeitório da instituição.
Não foi encontrado nenhum traço de veneno ou de qualquer substância letal. Pelo menos, não na avaliação do Instituto Médico Legal, cuja atribuição da autópsia havia sido delegada pelo legista chefe a seu ajudante, Nathan, no qual a plena confiança que depositava, garantia com que assinasse, sem hesitação, o laudo final.
Nenhuma evidência de envenenamento, nenhum traço de qualquer sabotagem. Parecia mesmo ter se tratado de um grande acidente, uma enorme infelicidade. Tantos jovens, na flor da idade, deixavam a vida por uma fatalidade daquela. Uma bactéria, um alimento estragado... Nathan sabia bem como induzir essa conclusão. Conhecia todas as substâncias usadas que poderiam matar um ser humano e, de mais a mais, por mais que o Dr. Goetz assinasse, ele dava a palavra final.
E agora, todas aquelas universitárias, rainhas do baile, líderes de torcida, aspirantes a modelo, ali, nas macas, à sua disposição.
Crime limpo. Nenhum rastro. Nada mais a investigar.
Bem,... não na avaliação do inspetor Luccas Farini.
Farini não aceitou em momento algum a versão da infecção alimentar e, por conta própria, passou a investigar o caso. Não demorou muito para desmascarar o assassino e trazer à  tona a chocante verdade sobre os fatos.
O jovem ajudante de legista foi preso em sua casa, não oferecendo qualquer resistência ao ser levado. O inspetor Farini foi praticamente elevado à condição de herói, embora pairasse algum estranhamento sobre a rapidez com que ele chegara à solução e ao culpado. Chegou-se inclusive a cogitar se ele não teria algum envolvimento com o criminoso... No fim das contas  nenhuma evidência apontava para isso e as suspeitas acabaram se dissipando. Ninguém tu há a verdadeira noção de como ele havia chegado à solução do caso.

***

Aquele havia sido um dos crimes mais chocantes que já se havia tido notícia.
Marla Spencer, a estrela do povo, uma das atrizes mais queridas do país, que começava a de decolar numa carreira internacional, havia sido sequestrada e, depois de um cativeiro de treze dias, brutalmente morta. Seu corpo fora encontrado em um bosque nos arredores da cidade com marcas de violência sexual. Um telefonema anônimo indicara à polícia o local exato onde o cadáver da vítima se encontrava. A ligação partira de um rapaz local, um adolescente de 14 anos que, passando pelo bosque, dera com o corpo. E que corpo! Ficara maravilhado com a beleza daquela mulher, mesmo sem vida. Já a havia visto na TV. Sempre a desejara. E... por que não? Que mal faria? Afinal não fora ele o culpado. Não causara nada aquilo. Seus instintos de adolescente, seus hormônios de puberdade pediam. E, de mais a mais, ela estava ainda tão bela, tão maravilhosa. Devia fazer apenas algumas horas que estava ali... Aproximou-se do cadáver, desafivelou o cinto, abriu o zíper e deitou-se sobre o corpo.

***

Diante dos microfones, o inspetor Farini respondia às inúmeras perguntas dos jornalistas:
- Calma, calma. Um de cada vez. - tentava organizar a coletiva improvisada.
- Como o senhor conseguiu, em tão  pouco tempo, concluir que se tratava de um caso de necrofilia e chegar tão rapidamente ao criminoso? - antecipou-se uma repórter.
Mesmo que tivesse sido na juventude, mesmo que fosse na época só uma criança, mesmo que não  tivesse a menor culpa no assassinato de Marla Spencer, não poderia jamais revelar que seu trunfo devera-se exatamente a uma macabra experiência pessoal. No entanto não quis inventar uma mentira qualquer. Preferiu responder de forma vaga sem, contudo, faltar com a verdade
- Na nossa atividade, nós devemos sempre tentar pensar como se fôssemos o criminoso. Tentar nos colocar no lugar dele.



Cly Reis

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