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quarta-feira, 12 de outubro de 2022

"Os Inocentes", de Eskil Vogt (2021)

 




“Acho que as crianças estão além do bem e do mal. 
Ou, melhor dizendo, estão antes do bem e do mal. 
Mas não creio que as crianças sejam anjinhos, 
que as pessoas nasçam puras. 
Acho que as crianças nascem sem
 qualquer sentido de empatia ou princípios,
 nós temos de lhes ensinar isso. 
É por isso que acho interessante ver uma criança fazer algo 
que diríamos ser maléfico num adulto. 
O aspecto moral é mais complexo, uma vez que ainda 
não estão totalmente formadas (...)"

Eskil Vogt, diretor


Normalmente, no Dia das Crianças, apresentamos aqui, publicações fofas, adoráveis, exaltando a pureza das crianças e a beleza da infância, mas dessa vez a coisa será diferente. Vamos falar de crianças más. Crianças que você não gostaria que brincassem com o seu filho. Essas, definitivamente, não são "umas gracinhas".
"Os Inocentes", filme norueguês, de 2021, do diretor Eskil Vogt, é uma espécie de "Scanners - Sua Mente Pode Destruir" (1980), só que com pirralhos. Uma garotinha, Ida, de 7 anos, tem que cuidar, de vez em quando, de sua irmã mais velha, Anna, de 12, autista, com dificuldades motoras e de fala, e, quando a mãe está ausente ou atarefada, descer com ela no playground do condomínio para onde recentemente mudaram. Ida detesta a tarefa e se envergonha de aparecer em público com a irmã tão limitada. Isso, até o dia em que conhece uma "galerinha" interessante no play: um garoto, Ben, que descobre em si algumas propriedades telecinéticas e Aisha, uma outra menina que serve como uma espécie de catalisador, de meio para que a irmã de Ida consiga falar através dela. Ida passa então a querer descer sempre com a irmã, deixando-a, no entanto, mais com Aisha que é cuidadosa e atenciosa com Anna. Ida, num primeiro momento, simpatiza mais com Ben que, dono de uma natureza mais impura e maldosa, descobrindo a verdadeira amplitude de seus poderes mentais, começa a cometer atos bastante condenáveis e tornar-se perigoso e ameaçador.
Ben passa a se achar o "dono do campinho" e até mesmo Ida, que gostava de sua companhia e brincadeiras, começa a ter medo do menino. O que ele não contava, e muito menos Ida, é que a irmã, Anna, deficiente, muda, disforme, fosse tão poderosa quanto o amiguinho e começasse a tentar colocar ordem na brincadeira. O problema é que, Anna precisa de um médium, um intermediário para pôr em prática suas faculdades e Ben, percebendo isso, fica determinado a eliminar Aisha, a melhor 'ponte' da rival de modo a se estabelecer definitivamente como o dono do pedaço.
Batalha mental: Ben e Anna, frente a frente, Aisha, seu canal à direita, e Ida, a irmã, afastada (à esquerda), só observando.

Essa luta por hegemonia, já naturalmente presente no universo infantil, em determinado momento dessa fase, em "Os Inocentes", além de salientada pelos dotes psíquicos, é simbolizada, de certa forma, por questões sócio-etno-culturais. Aisha é uma afro-descendente, tem vitiligo e, dentro da proposição do filme, talvez por isso, num subconsiente, entendendo as dificuldades de segmentos mais fragilizados da sociedade, como os que se encontra, seja atenciosa e compreensiva com outros que apresentam alguma dificuldade, e almeje união de seus pares. Já Ben, embora também provindo de minorias, filho de imigrantes que é, vivendo em um ambiente familiar conturbado, desarmonioso e com sérias limitações financeiras, uma vez ciente de seu poder, tem uma resposta agressiva à sua condição, buscando uma espécie de vingança social, uma imposição à força, como aquele injustiçado que de repente se vê com uma arma na mão. Ida, de certa forma representa a maioria da população. Os que não se importam com os outros enquanto tudo está andando nos trilhos. Os que só enxergam os "diferentes" quando estes podem lhe proporcionar alguma coisa. Ela é a única que não tem poderes no grupo então é divertido, num primeiro momento, estar com Ben, ver o que ele faz, poder desfrutar uma experiência diferente, e é um alívio que alguém, no caso Aisha, faça com que a irmã se torne um fardo menor do que costuma ser.
E Anna, a autista.... Bem, Anna não é tão frágil quanto parece. Embora inserida no mesmo segmento de Ida, da classe média que acha que é grande coisa mas está na mesma merda que o restante, representa aquele indivíduo subestimado, aquele que sabe que com a união de minorias, com a força do outro, pode mudar as coisas. Enfim, "Os Inocentes" é uma bela figura de constituição social através da figura das crianças.
Um filme muito bem construído que começa lento, partindo de situações familiares, de construção de relações entre crianças, cresce em tensão, ganha contornos aterrorizantes e culmina num final de se segurar na poltrona.
O Poderoso Chefão, do parquinho, X-Men Primeiro Ano! Em "Os Inocentes", literalmente aquela frase deve ser levada ao pé da letra, "Não sabe brincar, não desce pro play".


"Os Inocentes" - trailer





Cly Reis

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