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domingo, 25 de dezembro de 2022

"De Olhos Bem Fechados", de Stanley Kubrick (1999)

 


Não é exatamente um filme de Natal mas "De Olhos Bem Fechados", último filme do saudoso Stanley Kubrick, se passa nos dias que antecedem a mais famosa data comemorativa de final de ano, com um clima meio natalino... só  que não. Um grilo, uma pulga atrás da orelha de um conceituado médico, fazem com que seus dias que antecedem o Natal, façam sua vida virar de cabeça para baixo.

Depois de ir, com sua atraente esposa a uma festa de um cliente, e serem assediados, ambos, por convivas do evento, ao voltar para casa, na cama, o não menos interessante Dr. William Harford, vivido por Tom Cruise, põe em dúvida o desejo e a capacidade de infidelidade das mulheres. Para sua surpresa, a esposa revela que não  o trará por muito, muito pouco e que tivera fantasias sexuais com um homem que conhecera em uma viagem. A revelação põe a cabeça do jovem médico em parafuso que, tendo que sai para atender um cliente, à  noite, desvia o caminho e, num clube encontra um pianista, ex-colega da faculdade da medicina que lhe revela, um tanto a contragosto, fazer um trabalho secreto onde toca em festas privadas com os olhos vendados de modo a não poder ver o que acontece, embora tenha conseguido espiar e saiba que tratam-se de orgias com belíssimas mulheres. Bill Harford, atormentado pela revelação e com um certo, íntimo, desejo de vingança pelo "pensamento" da esposa, praticamente obriga o pianista a lhe contar onde acontecerá a festa daquela noite. De posse da informação, o médico aluga uma fantasia para o propósito da festa, dirige-se ao local e lá, infiltra-se na reunião secreta. Fica fascinado pela beleza das mulheres, o mistério da cerimônia e pelo calor da orgia, entanto, estranho a tudo, deslocado, desentrosado, é facilmente descoberto como intruso. Exposto, é constrangido, humilhado, ameaçado e obrigado a deixar a festa sob fortes advertências de esquecer tudo o que virá naquela noite.

O Dr. Harford acuado, numa Nova York natalina,
(luzes ao fundo) mas nada festiva.

Bill não segue as orientações, faz perguntas, procura uma garota que o ajudara na festa, vai atrás do ex-colega, o pianista que lhe dera o endereço e a senha, e, decrescente sente-se acuado e vê sua vida e de sua família  em risco.

Último suspiro artístico de Stanley Kubrick, "De olhos bem fechados" é uma obra por vezes subestimada na qual o gênio do cinema parte de um drama conjugal, passeia pelo erótico, pelo mistério e culmina praticamente num suspense policial com possíveis assassinatos e uma ameaçadora organização onipresente disposta a qualquer coisa para manter seu sigilo. Tudo isso numa atmosfera sombria, intimista, numa Nova York invernal porém sem neve, escura, vista de baixo, vista de perto, com as tradicionais profundidades e perspectivas de Kubrick, e seus travelings longos e contínuos acompanhando os personagens.

Nessa estética muito própria e particular, Kubrick nos entregava mais algumas cenas e sequências memoráveis antes de seu adeus. A alternância de situações na festa, entre o médico sendo assediado por duas modelos e a esposa, por um coroa rico e charmoso, Bill sendo observado e perseguido pelas ruas de Nova York à noite, e, é claro, a já clássica cena da festa, desde o início quando chega na porta com a senha, os travelings pelos corredores e salas observando a suruba, o ritual erótico num macabro baile de máscaras emoldurado por uma música marcante e sinistra, o iminente risco, a tentativa de fuga coma modelo, o desmascaramento do disfarce e, por fim, a exposição diante de todos seguida das ameaças que, literalmente, viriam a tirar o sono do jovem médico.

"De Olhos Bem Fechados" - cena do ritual


A percepção de que o grupo, a organização com quem está lidando é muito mais perigosa e poderosa do que imaginava, também marca uma cena admirável do filme, quando Bill chega em casa, pela manhã e vê em sua cama, em seu travesseiro, a máscara que usara no culto sexual que presenciara. Ali percebe toda sua impotência diante daquelas pessoas e, num choro compulsivo, consolado pela esposa, renuncia a qualquer tipo de busca por explicações.

Já que estamos falando de Natal, na cena final, também uma das mais marcantes do filme e, por que não, da filmografia de Kubrick, devidamente conciliados, à salvo dos perseguidores, o casal vai às compras de Natal com a pequena filha e, entre luzinhas piscantes, enfeites e brinquedos, repassando brevemente os acontecimentos dos dias anteriores, Alice, interpretada pela ótima Nicole Kidman, se revela aliviada por terem passado por tudo aquilo e terem a oportunidade de dar novos significados à relação ("Acho que devemos ser gratos. Gratos por termos conseguido sobreviver a todas as nossas aventuras, sejam elas reais ou apenas um sonho. Certo como estou, a realidade de uma noite, quanto mais a de uma vida inteira, pode ser toda a verdade. E nenhum sonho é apenas um sonho. O importante é que agora estamos acordados e, com sorte, ainda por muito tempo.”). E, diante de tudo que passaram, sugere que façam algo, muito importante, imediatamente... "O que?" Pergunta ele. E ela reponde com uma única palavra: "Foder!"

Filme amplamente discutido, repleto se significados escondidos e elementos filosóficos, mas muitas vezes reduzido ao erotismo, à DR, ao impacto visual da cena do ritual ou a quase comicidade de sua fala final. Na verdade, "De Olhos Bem Fechados" foi o último ressente de Kubrick para nós fãs de cinema. Um presente de Natal. Mas um daqueles que a gente abre uma caixa e dentro encontra outra, depois outra, depois outra, e outra, e outra...

"Há uma coisa muito importante, que precisamos fazer, o mais rápido possível"
"O que?"
"Foder."



Cly Reis

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