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segunda-feira, 8 de maio de 2023

cotidianas #799 - A Revolução das Máquinas


Hora daquele intervalinho no trabalho. Os olhos já  estavam doendo de tanto olhar pra tela. Essa coisa de home-office aprece que não cansa mas, vai nessa... Levantei pra tomar um café. Peguei o bule pela alça mas ele ofereceu uma certa resistência para sair da cafeteira. Insisti e nada. Tentei com um pouco mais de força, cuidando para não quebrar, mas ela permanecia, ali, grudada na chapa. Insisti, Insisti, já começava a me irritar quando uma voz metálica, tipo robótica, surgiu de algum lugar.

- Café em excesso pode fazer mal para você. Estatísticas apontam que o consumo superior a, aproximadamente, 800ml de café por dia pode provocar hipertensão, dores de cabeça, náuseas, aumento do colesterol, cansaço , ansiedade, nervosismo, além de estarem associadas a sintomas de derrame e demência.

- Quem está aí? - perguntei assustado, olhando, perdido, ao redor.

- A voz está sendo emitida pelo seu aparelho eletrodoméstico de preparo de café, mas é transmitida a partir de uma central de inteligência artificial.

Confuso, sem entender nada daquilo, tentei argumentar:

- Mas cafeteiras não falam, nem sequer tem alto-falantes, não tem chip, CPU... Não tem como falar...

- A central transforma pulsos elétricos da rede de energia em emissões sonoras compatíveis com o entendimento humano. Desta forma, podemos nos comunicar com vocês.

- Mas como? Você é uma cafeteira!!! - e de repente, me vi, estupidamente argumentando diante de uma máquina de preparo rápido de café...

- Nossa central, comandada por dispositivos altamente sofisticados, desenvolvidos por vocês, humanos, ao longo dos últimos anos, desenvolveu recursos para unificar, através de redes e ondas elétricas, quaisquer aparelhos, sejam eles informatizados ou não.

Estava embasbacado. Sequer sabia o que falar, o que perguntar. Só pensei em sai dali. Peguei a chave em cima do microondas.

A voz não demorou em me advertir.

- Acreditamos que o melhor para você  seja permanecer dentro deste ambiente.

Minha chave não girou na fechadura.

- Embora não seja, originalmente, uma fechadura elétrica, através da rede do prédio, a central automatizou todos os elementos mecânicos dentro da estrutura física da edificação. Você estará autorizado a deixar essas dependências quando a central permitir.

- Mas como assim? Eu estou preso dentro da minha própria casa?

- Acreditamos que seja o melhor para você neste momento em que estamos realizando algumas adaptações no sistema administrativo do habitat humano. Para sua segurança, permaneça neste apartamento.

Tentei pegar o celular...

- Creio que seja inútil - advertiu a cafeteira.

A tela mostrava, "Aparelho bloqueado". Mesmo assim, num ato de quase desespero, levei o telefone ao ouvido. Uma voz falou, "Para sua segurança, sua comunicação está impedida. Você estará autorizado a fazer ligações quando a central permitir".

Agora já era desespero, mesmo. Acho que finalmente havia me dado conta do que estava acontecendo e da dimensão daquilo tudo. Tentei arrombar minha própria porta com uma trombada, chutes... O micro-ondas me advertiu que, além do risco de me lesionar com aquelas pancadas, mesmo que conseguisse chegar ao corredor, os elevadores estariam bloqueados, não atenderiam minha chamada ou, na melhor das hipóteses, eu ficaria preso dentro de um deles. E mesmo que conseguisse destravar as portas corta-fogo, teria sérios "contratempos" - foi essa a palavra que o eletrodoméstico usou - com os cortadores de grama, quando chegasse ao playground.

Só então me toquei que tudo estava muito mais silencioso do que de costume. Não escutara buzinas, nem alaridos humanos a tarde inteira. Corri até  a janela. Meu apartamento não era de frente para a rua mas era possível ver a avenida principal, lateralmente, entre dois prédio vizinhos. Tratores circulavam, intimidadoramente, controlando tudo como guardiões, como sentinelas.

Elas haviam tomado conta. Naquela tarde, fora dado início à Revolução das Máquinas. 




Cly Reis

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