Nem só de grandes shows se faz uma trajetória de fã de rock. Às vezes alimentamos grande expectativa em torno de um evento, da vinda de um artista ao nosso país, e, no fim das contas, o que se tem é algo bem decepcionante. Foi o caso do Tim Festival, em 2005, que levava a Porto Alegre o The Strokes, uma banda que era uma agradável surpresa no, então ainda, novo século, com um som que parecia ter redescoberto o velho som de garagem, mas que, lá, no palco fez uma apresentação bem mais ou menos, burocrática e sem sangue.
Eu e minha namorada na época adorávamos a banda e vivíamos ouvindo o som deles no carro, e assim que soubemos da apresentação, nos apressamos em garantir nossos ingressos. Eu era mais rato de shows e, de certa forma, sempre que pintava alguma coisa interessante na cidade eu estava nas bocas, mas ela, embora fosse da noite, como eu, não era assim tão assídua nessas coisas, e até por isso mesmo, estava empolgada com o evento e não parava de falar naquilo. Mas por uma coisa dessas do destino, o pai da garota acabou falecendo poucos dias antes do show e aí, mesmo já refeita psicologicamente, uma vez que, dadas suas condições de saúde, sua morte não representava grande surpresa, decidiu, a muito custo não ir ao evento para se resguardar de cobranças e comentários de parentes e amigos. Assim, muito decepcionada por não poder ir, destinou o ingresso para meu amigo Samuel, a quem ela também conhecia e que volta e meia dava uns rolês com a gente pela Cidade Baixa. Fomos, inclusive, no carro do Samuel e como o evento todo aconteceria nuns galpões do aeroporto Salgado Filho, deixamos o carro no estacionamento do aeroporto e demos uma esticada, a pé até os armazéns, que ficavam bem pertinho. O local, em si, onde aconteceria o lance todo, não poderia ser mais inapropriado. Uma grande instalação industrial com pé-direito excessivamente alto e cobertura metálica, o que prejudicava sobremaneira a acústica; muito profunda e estreita, desfavorecendo uma melhor disposição e visualização dos espectadores, sem falar de pilares distribuídos no meio do espaço que criavam pontos cegos em vários pontos da pista.
O line-up do festival tinha os gaúchos do Acústicos e Valvulados, que para mim fizeram uma apresentação insignificante, os pouco badalados mas interessantíssimos Arcade Fire, uma banda numerosa e extremanete versátil, em que todo mundo tocava tudo e iam trocando de instrumentos ao longo dos números musicais e por fim, os aguardados Strokes. Cara..., show pra cumprir tabela. Tocaram basicamente as músicas de seu primeiro e exitoso álbum, "Is This It", mas não empolgaram em momento algum. É lógico que a galera foi ao delírio com os hits "Last Nite", "Someday", mas muito mais pelo que a própria canção era e representava do que pela performance de palco ou por uma relação estabalecida com a plateia. Lembro com um pouco mais de ênfase de "New York City Cops", entoada com mais vigor pelo grupo e conseguindo estabelecer um maior entrosamento com o público, mas nada muito mais do que isso.
No fim das contas, o que mais me marcou, do evento todo em si, foi a boa surpresa do Arcade Fire e o que ficou guardado na retina foi um de seus integrantes escalando as inconvenientes estruturas do galpão, batendo no tambor que levava pendurado no pescoço. Outro dos pontos positivos foi, mesmo que por linhas tortas, por conta da perda do pai da minha namorada, que tenha acabado ido ao show com meu amigo Samuel, com quem, tirando bandinhas de covers de barzinhos, nunca tinha compartilhado essa experiência. Depois ainda teve alguma Cidade Baixa, alguma Goethe e "gastamos" ao máximo possível minha permanência final em Porto Alegre antes de minha vinda para o Rio de Janeiro, mas guardo esse show com algum carinho exatamente por ter sido uma das últimas vezes que estive com o Samuel em um evento legal, desse porte, esse amigo de quem sinto muita falta.
The Strokes - "Under Control" - Porto Alegre (25/10/2005)
por Cly Reis
para Samuel Grizza