Aqui não tratamos exatamente de um remake mas de duas adaptações a partir da mesma peça. "Noite de Reis", originalmente "A décima segunda noite", é uma divertidíssima comédia de Shakespeare na qual uma garota, Viola, tem que se passar por homem, assumindo a identidade de seu irmão gêmeo Sebastian, causando uma série de confusões e contratempos, entre romances, paixões e amores não correspondidos. Embora o filme de 1996, "Noite de Reis", de Trevor Nunn, seja mais fiel à peça original de William Shakespeare, "Ela é o Cara", de 2006, mesmo se arriscando em adaptar um texto tão clássico e tradicional, ainda mais para um tema tão popular como futebol, é mais competente e executa melhor a proposta de jogo, ou seja: divertir.
O original inglês é chato, modorrento. Até mantém toda a situação do naufrágio que ocasiona a separação dos irmãos, mas essa fidelidade não joga a seu favor. Faz uso do texto clássico, com falas empoladas e vocabulário rebuscado, mas a opção não só não representa ganho nenhum, como mostra-se questionável, especialmente pelo fato da ação do filme não se passar no período do livro original e sim, quase um século depois. Embora inegavelmente genial e impecável, utilizada daquela forma, integralmente, a peça, literal como é apresentada, torna o todo cansativo e maçante. O diretor não consegue extrair de um texto naturalmente cativante e hilário, humor o suficiente para fazer o espectador rir, só o conseguindo em cenas 'pastelão' como em um duelo desastrado ou em perseguições esdrúxulas. Além do mais, desperdiça muito tempo em situações secundárias, especialmente na tramoia de Sir Toby, Sir Andrew e Maria, para iludir Malvólio, ponto que até tem sua relevância na trama, mas que se estende demasiadamente, chateando o espectador para, no fim, das contas, ter pouco efeito sobre o desfecho. Por conta da opção pelas falas textuais da peça, as visitas de Cesário (Viola vestida de rapaz) a Olívia, que seriam pontos-chave para o encantamento da bela pelo mensageiro, tornam-se torturantes e, ao contrário do objetivo da comédia, não têm graça nenhuma. William Shakespeare não tem culpa nenhuma nisso, e sim, a diferença de dinâmicas entre peça escrita e cinema, cuja noção e sensibilidade é obrigação de um diretor ao se propor a transpor uma história para a tela.
"Noite de Reis" (1996) - trailer
Para piorar, os personagens são mal-caracterizados: Feste, originalmente o bobo de Olívia, apesar de todo o esforço do ótimo Ben Kingsley, está mais para um conselheiro angustiado, um filósofo atormentado e confuso, do que para um bufão; Orsino é pouquíssimo carismático e em momento algum nos vemos torcendo para que ele atinja seus objetivos amorosos com Olívia ou, tampouco, pela aproximação com Viola, esta que, por sua vez, embora até bem interpretada pela boa Imogen Stubbs, vê seu personagem sacrificado pela direção de arte que lhe entregou um figurino inadequado, uma maquiagem muito sutil e um corte de cabelo com um corte muito delicado e feminino.
Do outro lado temos um time solto, um roteiro atualizado, atores carismáticos, caracterizações adequadas e risadas o tempo todo. Os realizadores arriscaram em omitir situações, personagens supérfluos, focando nas confusões geradas pela troca de identidades e acertaram em cheio.
Em "Ela é o Cara", diante da extinção do time feminino da escola, e com sua alta qualidade para a prática do esporte, a adolescente Viola aproveita-se de uma viagem do irmão gêmeo, Sebastian, para, com uma transformação e alguns "ajustes", assumir sua identidade e entrar para o time de futebol da escola dele. Lá, conhece Duke, um colega de time e se apaixona por ele, mas não podendo dar bandeira e estragar o disfarce, mesmo contra a vontade, o ajuda a se aproximar de Olívia, uma das garotas mais cobiçadas do colégio, que por sua vez, acaba atraída pelo Sebastian falso, que não imagina ser uma garota como ela.
"Ela é o Cara" (2006) - trailer
Amanda Bynes, como Viola, é espetacular! Engraçada, cativante, bonita, faz a gente rir com suas constantes transformações e torcer por sua relação com o colega de time, Channing Tatum, que por sua vez, é bonitão, engraçado e perfeitamente adequado para o papel, dentro da proposta.
A cena do bar, quando Viola pede às melhores amigas para se passarem por suas namoradas para provar para os novos colegas de time, que é 'machão', que é pegador, que é O CARA, é engraçadíssima; a sequência da quermesse e sua frenética troca de identidades é hilária; e a da revelação da verdadeira identidade de Viola, dentro de campo, para provar que é verdadeiramente uma garota, é de chorar de rir.
Show de bola do time de 2006!
O primeiro gol é pela sacada de transformar uma peça clássica numa comédia romântica sobre futebol (1x0, no placar); o segundo é por fazer o expectador rir, rir de verdade (2x0); o terceiro é pela memorável cena em que o Sabastian abaixa as calças, Viola levanta a blusa e o pai diz, "É impressão minha ou esse jogo de futebol está tendo mais nudez do que o normal?". Golaço! Daqueles de sair do estádio e pagar o ingresso de novo. E o quarto fica por conta da promessa de craque, Amanda Bynes, que, como muitos meteu os pés pelas mãos e jogou a carreira fora, mas que aqui, destruiu com a defesa adversária e numa tabelinha espetacular com Chaning Tatum, guardou o seu com categoria. Depois tirou a camiseta na comemoração, levou amarelo, coisa e tal... mas o cartãozinho valeu a pena. Festa mais que merecida.
O time de 1996 ainda descontou com a craque de bola Helena Bohan Carter, de excelente atuação como Olivia mas que não consegue salvar o filme sozinha. Nem o brilhante Ben Kingsley, fora de posição conseguiu dar alguma contribuição e, desta forma, as coisas ficaram assim mesmo: 4x1 para o time de futebol.
Ao que parece, ela é mesmo o cara, hein!
Parece coisa daqueles técnicos malucos que escalam o lateral direito na ponta esquerda, o volante de goleiro, o goleiro de zagueiro... Aqui, ninguém sabe quem é quem, de verdade. |