Missão Improvável
por Daniel Rodrigues
cultuados abordaram isso: "Crepúsculo dos Deuses" (1950), “Barthon Fink” (1991) e "O Jogador" (1992) são exemplos. São esses autores das letras que dão a primeira e essencial forma a qualquer produto que venha a se tornar audiovisual. Por trás de um efeito especial há sempre alguma linha escrita. Porém, também não é novidade que, de tempos para cá, com o avanço abissal dos recursos de tecnologia, o cinemão norte-americano vem privilegiando cada vez mais a técnica e seu impacto sensorial no espectador do que o sentimento emocional ou a subjetividade da interpretação linguística. E o que acontece quando se supervaloriza o aparato técnico em detrimento do roteiro? Empobrecimento. Caso típico de “Missão Impossível: Efeito Fallout”, de Christopher McQuarrie.
O sexto longa da franquia produzida e interpretada pelo astro Tom Cruise é mais um enlatado muito bem desenhado e trucado que pode dar-se ao luxo de desmerecer a inteligência do espectador. Na história, repleta de reviravoltas e referências a filmes anteriores da série, o agente secreto Ethan Hunt (Cruise), obrigado a unir forças com outro agente da CIA, August Walker (Henry Cavill) para mais uma missão impossível, vê-se novamente cara a cara com Solomon Lane (Sean Harris) e preso numa teia que envolve velhos conhecidos movidos por interesses misteriosos e contatos de moral duvidosa. Atormentado por decisões do passado que retornam para assombrá-lo, Hunt precisa impedir que uma catastrófica explosão ocorra, no que conta com a ajuda dos parceiros de IMF.
Como sempre, seguindo o modelo narrativo do programa televisivo dos anos 60 – que o diretor Brian De Palma magistralmente versou para o cinema no primeiro da franquia, de 1996, abrindo caminho para os subsequentes –, o diretor Christopher McQuarrie (“Missão Impossível: Nação Secreta”, 2015; “Jack Reacher: O Último Tiro”, 2013, “A Sangue Frio”, 2000) não consegue dar um equilíbrio ao filme enquanto obra, perdendo-se principalmente do meio para o final. Não por acaso, a coisa começa a descambar a partir do ponto em que o espectador, já amortecido pela avalanche de imagens, sons, luzes e movimentos em profusão, está devidamente receptivo a qualquer coisa que lhe apresentarem (e o quanto mais ralo, melhor). A proposta do argumento funciona até determinado ponto, mas, justamente pelo proposital desleixo com o roteiro, passa a precisar apelar para exageros, lugares-comuns e superficialidades.
Isso fica evidente quando comparadas as sequências em Paris e em Londres. A mais empolgante delas, haja vista que ainda na primeira metade do filme, é a da perseguição pelas ruas da Cidade-Luz. Ágil mas sabendo aproveitar a paisagem e as ruas parisienses como cenário, a fuga de Hunt da polícia e dos gângsters é ótima. A resolução da cena, melhor ainda, quando ele some em uma espécie de claraboia no meio da avenida, a qual vai dar justamente nas águas do subterrâneo da cidade, onde é resgatado pelos companheiros de IMF num barco. Tirada típica de “M:I”. O tiroteio nas docas e o uso das supermáscaras, também elemento tradicional da série, funcionam, igualmente, muito bem.
A perseguição em Paris,
um dos melhores momentos do filme.
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Em compensação, no que se progride mais na trama, o roteiro mostra que fraqueja. A corrida de Hunt pelas ruas londrinas para alcançar o agente Walker – então revelado vilão – sendo mal guiado remotamente pelo GPS do parceiro Benji Dunn (Simon Pegg) é embaraçosa. Jamais qualquer agente obrigatoriamente qualificado como Dunn cometeria tantos equívocos com tecnologia (o forte do próprio personagem, aliás) como se fosse uma vovó de 90 anos que nunca viu um computador. É a obrigação do elemento “gag”, da “comédia” em filmes de “não-comédia”, fator narrativo interessante, mas vulgarizado e, não raro, muito mal utilizado não só no cinema norte-americano. E o desfecho da sequência, então? Se na primeira parte o ápice da cena mantinha relação com as ideias originais de “M:I”, aqui, sucumbe-se ao clichê de qualquer filmeco de Domingo Maior da Globo: o bandido, com uma arma apontada para o mocinho, não apenas hesita em atirar como ainda desata a expor suas frustrações pueris – as quais só servem para que, mais adiante, ele, bandido, fique com aquela raiva incontida por não ter matado quando deveria.
Diferentemente do primeiro da saga ou de “Missão Impossível: Protocolo Fantasma” (Brad Bird, 2011), ambos bem escritos, o roteiro de “Fallout” o faz ser mais um entre milhares de filmes norte-americanos de alto orçamento e grande estrutura de marketing a serviço de uma obra fraca. Não é de se estranhar, pois não é para ser diferente, uma vez que o filme funciona para aquilo que se propõe, ou seja, reafirmar o status quo belicista e intransigente dos Estados Unidos. Para isso, as repetições ideológicas de sempre: idolatria à figura do mocinho macho, intrépido e sedutor, reafirmação do capitalismo e da supremacia yankee e alerta para a ameaça daquilo que difere desse sistema e ideologia.
Isso tudo, claro, apresentado de forma competente tecnicamente e em cenas altamente ágeis, tanto no que se refere a movimentos de câmera, edição ou efeitos. Neste sentido, McQuarrie mostra-se muito hábil. Tudo muito bonito, mas vazio, vazio. Os diálogos vão caindo à medida que a história avança. E o aproveitamento excessivo dos elementos peculiares da série acaba por desgastá-los. Afinal, como acreditar em um filme em que dois helicópteros colidem no ar, não explodem e, ainda por cima, os tripulantes não morrem? E pior: mal se machucam?! Não se trata de missão impossível: é missão improvável.
Afora isso, até Cruise, embora ainda bonito mas em irreversível fase de “embofamento”, parece ter perdido a naturalidade. Nada que comprometa o filme (afinal, não é a profundidade expressiva dos atores que mais conta aqui), mas ele, grande ator, mantém agora o rosto praticamente sem expressões, bem diferente do que normalmente fora enquanto tinha uma feição jovem e do próprio personagem Ethan Hunt, afeito a caras e bocas. Parece não querer desmanchar a figura do galã dos tempos áureos de “Top Gun” ou “Jerry Maguire” – o que, obviamente, já não o mais é.
Chega a ser maldoso comparar o resultado de McQuarrie com o de um mestre do cinema como Brian de Palma. Porém, o “M:I” do diretor de “Dublê de Corpo” e "Scarface", em seu roteiro, além de privilegiar os artifícios da investigação, vai até o limite do aceitável nos arroubos. Como no primeiro "Duro de Matar" – outro bom exemplo de aventura em que se valoriza o “realismo” das ações de maneira a tornar a obra mais atraente e dialogável com o público –, o longa de De Palma também “estica a corda” do cabível tal como se usa em qualquer aventura hollywoodiana. Entretanto, nunca a ponto de perder a credibilidade pela tentação do efeito mimético que o absurdo gera ao valer-se da absorção do espectador para, justamente, mascarar-se por detrás do choque sensorial que a sétima arte é capaz de provocar com tanta eficiência.
Filmes como "Efeito Fallout" parecem dar vida ao que o célebre roteirista Jean-Claude Carrière sarcasticamente chamou de "filme-monstrengo", ou seja, um "filme bem dirigido, mas mal escrito".
Filmes como "Efeito Fallout" parecem dar vida ao que o célebre roteirista Jean-Claude Carrière sarcasticamente chamou de "filme-monstrengo", ou seja, um "filme bem dirigido, mas mal escrito".
Vale assistir “Efeito Fallout”? Despindo-se de entendimentos mais profundos e abstraindo-se as barbaridades que se irá presenciar, será divertido, principalmente numa sala de cinema. Mas que dá vontade de voltar pra casa e ver Ethan Hunt pendurado por um cabo em uma sala de sensores de movimento para roubar um simples disquete, ah, dá.
por Vágner Rodrigues
Vou ser sincero, eu gostei desse tiro. |
Quando uma importante missão não sai como o planejado, Ethan Hunt (Tom Cruise) e o time do IMF unem forças em ação numa corrida contra o tempo para acertar as contas com os erros do passados.
Como a maioria dos filmes de ação modernos, "Missão: Impossível - Efeito Fallout" é uma bagunça no roteiro. Cheio de viradas e mudanças de lado entre os personagens, e vai e volta, não se sabe quem é amigo ou inimigo... É uma confusão! Devo confessar que cheguei mesmo a ficar perdido em determinado momento. O que compensa é a ação.
Tecnicamente o filme tem grandes acertos. O direto Christopher McQuarrie tem um ótimo controle de câmera, sabe filmar ação, suas sequências de perseguição seja de carro, moto ou helicóptero, são simplesmente espetaculares. A trilha também é algo que chama muito atenção no modo como dialoga bem com as cenas, fazendo realmente parte delas, o que é espetacular ainda mais que o tema da franquia aparece tocado várias vezes em ritmos diferentes.
Que Tom Cruise é louco não é nenhuma novidade, mas que é uma ótima loucura, isso é! O fato de ele fazer todas suas cenas de ação, sem dublês, faz com que o filme use menos efeitos e jogos de câmera nas seqüências de luta, tornando a ação mais frenética e também mais real. Fora Tom, que esta sempre bem nos filmes da franquia, o restante do elenco cumpre bem seus papeis, com destaque para Henry Cavill que achei que não fosse gostar de seu personagem, mas até que acabou entregando algo; e Rebecca Ferguson, que consegue desenvolver um bom papel feminino de bastante força.
"M:I 6" é cheio de homenagens e referências aos filmes anteriores da franquia repetindo, por exemplo, a cena da escalada na montanha. Se a historia está cada vez mais um fiapo, o que resta é se agarrar à ação e à adrenalina de “Missão Impossível” e às loucuras de Tom Cruise. Você não só não vai se arrepender, como ainda vai sair cansado de tanta ação.