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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

"Vampiros de Almas", de Don Siegel (1956) vs. "Os Invasores de Corpos", de Phillip Kaufman (1978)


Confronto dos bons! Dois grandes times. "Vampiros de Almas", de 1956, de Don Siegel, que já apareceu por aqui com "O Estranho que nós amamos", tem um estilo de jogo mais conservador e, de certa forma, mesmo com todos os méritos cinematográficos do diretor, se limita a reproduzir o romance de Jack Finney. "Os Invasores de Corpos", de Phillip Kaufman, de 1978, é mais ousado e arrisca mudar inclusive alguns elementos importantes da história. Nenhuma mudança substancial que descaracterize a trama, mas Kaufman faz algumas substituições que ajudam a lhe garantir certa vantagem no setor onde se ganha o jogo. Troca um ambiente interiorano, do original, por uma metrópole; um médico local por um inspetor de saúde, na nova versão; a ex-namoradinha do médico, por uma colega do setor de fiscalização (casada)... Alterações pontuais mas que, no todo, revelam-se ganhos no contexto geral.
Em ambos, um esporo alienígena chega à terra e, em contato com humanos, imita-lhes a forma, gerando uma cópia daquele indivíduo, "gestando-o" em uma espécie de vagem gigante, descartando, em  seguida o original, com o objetivo de substituir toda a população e assim, tomar o planeta.
Embora, a adaptação de Siegel carregue em seu argumento, um teor político maior e mais evidente, o que valoriza sua obra, o longa de Kaufman é mais filme no conjunto. Os movimentos de câmera, os zooms rápidos, as tomadas, o clima mais angustiante e claustrofóbico que o original, a abertura do filme com a "chegada" do organismo à Terra e sua adaptação às nossas condições, ainda nos créditos iniciais, o final ainda mais inquietante e pessimista que o de seu antecessor, isso tudo sem falar no elenco com o eterno Spock, Leonard Nimoy, Jeff Goldbum, ainda novinho antes de se tornar o inesquecível Brundle-Mosca, e Donald Sutherland, simplesmente espetacular no papel principal.

"Vampiros de Almas" (1956) - trailer

"Os Invasores de Corpos" (1978) - trailer


"Vampiros de Almas" é um grande filme! É inegável sua importância e referência para o cinema de terror-ficção científica, mas pegou pela frente um remake que o encarou com coragem e ousou mexer no que era sagrado. Aquele time que pegou um esquadrão de respeito, uma lenda do futebol, basicamente "copiou" modelo de jogo do adversário (sacaram? sacaram?), mas fez mudanças nos setores certos e por isso mesmo ganhou o jogo.
Placar apertado: 3x2 para o time de 1978.

Acima, o casulo "parindo" seus humanos copiados, nas duas versões.
Abaixo o final, em ambos os casos, incômodo e sombrio.


Don Siegel é um grande técnico e seu time uma referência técnica do terror-ficção científica, mas o bom técnico Phillip Kaufman, de forma inteligente, conseguiu mudar a cara do jogo e superar o dificílimo adversário.
Aqui um dos clássicos caso em que o clássico é clássico,
mas o vice-versa também vale.



Cly Reis









sábado, 14 de julho de 2018

"O Estranho Que Nós Amamos", de Don Siegel (1971) vs. "O Estranho Que Nós Amamos", de Sofia Copolla (2017)


É interessante, nos dias de hoje, uma obra cuja refilmagem, atual, seja mais "comportada" do que uma versão original antiga. Limitada por todo o comportamento e padrões morais de sua época, "O Estranho que nós amamos" de Don Siegel, de 1971, é muito mais contundente que a morna versão de Sofia Copolla, de 2017. A sensação que passa é a de que, propondo-se a filmar a novela de Thomas Cullinan, de 1966, e rever o clássico dos anos '70, a diretora encontrou-se diante de algo que não tinha muito a acrescentar e assim, acabou optando pela sutileza. Só que essa pretensa simplicidade acaba, em sua obra, traduzindo-se quase como pobreza diante da imponente filmagem de Don Siegel, que curiosamente não era dado a esse tipo de drama mas que foi extremamente bem-sucedido em sua incursão.
Ambos saem do mesmo ponto de partida: durante a guerra civil americana, em algum lugar no estado do Mississipi, no sul dos Estados Unidos, um soldado yankee, John McBurney, é encontrado por uma menina em um bosque e é levado ao internato do qual ela faz parte, com outras cinco garotas, uma professora e a diretora. Todas se mostram um tanto receosas em acolher um inimigo mas, de certa forma atraídas pelo sujeito, entendem que devem socorrê-lo e não entregá-lo aos regimentos locais até que se recupere de seus ferimentos. No entanto, nesse meio tempo, de convalescênça, os sentimentos das mulheres da casa vão se manifestando de maneiras diferentes em relação ao estranho e, acho que é aí que as leituras dos diretores se diferenciam.
Enquanto o original toca, de maneira direta, em temas como sexualidade, pedofilia, religião, racismo e feminismo, o último restringe-se quase que a um exame comportamental das mulheres do internato e a uma investigação de suas sensações e impressões pessoais acerca de um "corpo estranho" dentro daquele ambiente exclusivamente feminino, escondendo-se atrás de uma suposta "sutileza" para assegurar suas qualidades. Se o filme de Siegel não se furta a colocar seu personagem, Clint Eastwood, como um grande filho-da-puta, Sofia Copolla, por incrível que pareça, alivia o sujeito, quase fazendo-o uma vítima e por pouco não levando-nos mesmo a ter pena dele, condicionado, seduzido, submetido por aquelas perversas mulheres. Sim, o filme da garota Copolla parece um pequeno filme de terror em que um conciliábulo de bruxas dominam uma pobre vítima que tem o azar de ir par ali. Já o surpreendentemente ousado filme de Siegel, traz mulheres que não se intimidam mesmo diante de um canalha que está pronto para mentir para elas, comer quantas conseguir, se estabelecer, tomar o que puder e, em último caso, se nada der certo, sair com alguma vantagem. Qual é o mais feminista?
O filme de Sofia Copolla é bom! Não se engane. Minhas impressões não pretendem desvalorizá-lo. "O Estranho que Nós Amamos" de 2017 ganhou o  prêmio de melhor direção no Festival de Cannes de 2018 e isso não é pouca coisa. O problema é que o outro, o antigo, é muito melhor.

trailer "O Estranho Que Nós Amamos" (1971)



trailer "O Estranho Que Nós Amamos" (2017)

A abordagem é muito melhor (1x0). As interpretações são melhores (2x0). Clint Eastwood por Colin Farrel... (3x0). As intensidades das cenas chave são, no geral, muito mais impactantes (4x0). A fotografia é um muito superior, um show O que dizer da entrada do soldado na casa carregado pelas garotas? De McBurney observando a garota pelas venezianas? E tem a queda da escada, McBurney sendo levado para fora no final (ih, foi spoiler?) (5x0... já virou goleada!). Mas a favor do filme atual pesa que não é um filme ruim, muito longe disso e tem, sim, sues méritos e suas qualidades. Nicole Kidmann, embora não superior à ótima Geraldine Page no papel da diretora Martha, está muito bem  e isso conta a favor do filme. Além de, é claro, o prêmio em Cannes, que não é pra qualquer um e dá mais um golzinho na conta do filme de Sofia Copolla. Assim, o placar de 5x3 fica de bom tamanho e traduz melhor o que foi o jogo entre estas duas boas equipes.
A cena do jantar, momento crucial em ambas as versões.

Nós até gostamos do estranho da Sofia, mas o estranho que nós amamos mesmo é Clint Eastwood.



Cly Reis