Quando assistir a um grande filme dos anos 60 e 70, agradeça a Warren Beatty
por Francisco Bino
Poster original de
"Bonnie e Clyde"
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Depois do período turbulento e da quebra de alguns dos
grandes estúdios nos anos 50, o cinema yanquee
enfrentava uma péssima fase. Ninguém queria saber mais de Rock Hudson, épicos e
filmes bíblicos. As salas de cinema esvaziaram e as brilhantes produções
europeias e japonesas eram cada vez mais tratadas como salvação do cinema
mundial. Os baby boom, a geração dos
anos 60, queriam coisas novas e voltaram rapidamente seus olhos para o outro
lado do Atlântico. Esse foi o primeiro sinal vermelho. Os grandes chefões
tinham perdido muito dinheiro com produções catastróficas e estavam dispostos a
baixar um pouco a guarda para ter seus públicos de volta e recuperar suas
cifras. Mas ainda não tinham entendido bem o recado de que agora as coisas não
seriam do jeito deles.
Faye e Beatty antevendo a revolução sexual
e social da sociedade moderna
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Uma geração renegada da TV, teatro e cinema independente
estava se preparando para assumir o controle nas produções. Diretores,
produtores e atores iam dar início a um movimento chamado "New
Hollywood" a mais autoral e criativa da história do cinema daquele país.
Mas, obviamente, ainda enfrentariam uma dura resistência. O filme “Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas”,
de Arthur Penn, de 1967, seria o marco inicial de toda essa geração. Tudo
graças a Warren Beatty, que brigou com os estúdios para ter seu projeto
financiado e sob seu controle, longe do pitaco dos chefões. “Bonnie & Clyde”
acabou sendo um sucesso em público, prêmios e crítica. A toda poderosa Pauline
Kael fez enormes elogios ao filme de Beatty, Robert Towne e Arthur Penn e, de
quebra, chamou a Warner de conservadora demais, pois eles subestimaram a
produção. Esse foi o segundo sinal vermelho. Mais tarde os executivos
entenderiam o recado.
Mesmo assim, o filme gerou enormes polêmicas e não foi tão
bem aceito por parte da comunidade de Hollywood, que ainda não estava preparada
para este tipo de produção. Pois “Bonnie & Clyde” era freudiano,
revolucionário e trazia consigo a mensagem da liberação sexual de uma era que
estava chegando. E ao mesmo tempo debochava dos filmes de gângsteres dos
antigos estúdios – suas tomadas de tiroteios em Keystone Kops ao estilo das
comédias mudas eram uma provocação dizendo: "nos
podemos fazer melhor seus ultrapassados". A violência do filme era uma
outra metáfora: o Vietnã inflamava com o "cheiro
de Napalm pela manhã" e corpos de US Marines crivados de bala na TV. E
Beatty, pela primeira vez na história, mostrava os efeitos dos tiros em um
corpo e o sangue jorrando nas telas de cinema. Vários diretores beberam dessa
fonte estética violenta. Sam Peckinpah seria um deles e a usaria em seu grande
filme, "Meu Ódio Será Sua Herança". O crítico Peter Biskind disse: "Se os filmes de James Bond legitimavam
a violência dos governos, e os de Sergio Leone legitimavam a violência dos
vingadores solitários, ‘Bonnie & Clyde’ legitimava a violência contra o
sistema, a mesma que ardia nos corações e mentes de centenas de milhares de
oponentes frustrados da Guerra do Vietnã."
Gene Hackman, Blanche Parson,
Beatty, Faye e Michael Pollard
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Depois de “Bonnie & Clyde” a porta estava mais aberta, “Sem
Destino” seria concebido por hippies
doidões; renegados e nerds se
juntariam a eles para exteriorizar em criação aquilo que tinham na alma e eram
reprimidos pelo sistema conservador dos estúdios que, agora de guarda baixa,
tinha sua porta arrombada. A New Hollywood estremeceria os anos 60 e 70 ao som
de rock, drogas, sexo, brigas e na produção dos melhores filmes da história do
cinema norte-americano. Muitos deles de forma "we made", cinema puro, visceral e sem efeitos especiais.
O fenômeno teria um fim, é claro, no início dos anos 80, com “Touro Indomável”,
que encerraria tudo. Ciclo que pouco antes já era decretado como morto por
causa de “O Portal do Paraíso”, considerado o filme que matou o gênero Western
e ainda quebrou a United Artists, a grande companhia independente e
financiadora dos projetos da New Hollywood.
Nos anos 80, os estúdios assumiriam o controle outra vez,
com normas e uma série de regras para as produções e orçamentos. Os diretores
seriam meros instrumentos nas mãos de chefões e estúdios, que somente visavam
quantias bilionárias e despejavam superproduções cheias de efeitos especiais e
roteiros "step by step"
vazios. Aquilo que ainda é visto no "cinema" nos dias de hoje. A
geração New Hollywood morreu e os estúdios por hora venceram a batalha. Sepultada,
não sei, mas nada foi em vão, já que eles deixaram uma marca criativa jamais
superada por outras gerações que as sucederam. Por isso tudo, quando você
assistir a um grande filme destas duas décadas, 60 e 70, agradeça a um sujeito
chamado Warren Beatty e a um time de párias, errantes e loucos que construíram
com inteligência e autoria o melhor momento do cinema mundial.