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sexta-feira, 13 de março de 2020

"Os Mortos Não Morrem", de Jim Jarmusch (2019)



Uma boa ideia, um diretor  tentando sair de zona de conforto, um grande elenco... tem tudo para dar certo, porém em “Os Mortos Não Morrem” ficou no quase.
Numa pacata cidadezinha, os mortos começam a sair dos seus túmulos e causar caos. Cabe a três policiais e uma estranha legista escocesa, unirem-se para derrotar a ameaça.
O elenco, muito inchado, não ajuda o filme. Por mais que o foco principal da história seja a dupla de policiais, o longa vai apresentando inúmeros personagens, dando espaço para eles, para no fim, não aprofundar em nenhum. Tem vários personagens que aparecem e, não só não  fazem o roteiro andar como, pelo contrário, truncam o filme. A gente até pensa, “Bom agora vai desenvolver esse personagem aí, e história vai avançar”, mas não. Foi só mais cena desnecessária que poderia ser substituída por outra com os próprios personagens principais, o que até poderia gerar empatia com eles, algo que, por sinal, acontece muito pouco.
O grande ponto positivo é que , não tira o seu principal aspecto dos filmes, trabalhar de forma reflexiva seus personagens indo mais para intrapessoal do que para o interpessoal. Existem boas críticas sociais e o longa trabalha muito com a ideia do consumismo, do quanto vivemos dedicados ao material, ao ter, e essa crítica e a reflexão dela resulta, funcionam bem no longa.
Apesar do elenco todo ser talentoso, nem todos os personagens são bem aproveitados. Tilda Swintom, por exemplo, como "legista escocesa” poderia ter mais espaço e até merecia mesmo, pois seu personagem é muito bom. Os que realmente conseguem passar algo a mais são Bill Murray e Adam Driver, formando uma dupla de policiais bem bacana, com diálogos bons, e que garantem um humor na medida certa ao filme, com destaque para as cômicas cenas de quebra da quarta parede.
Tinha tudo para ser um grande filme, grande elenco, um ótimo diretor, uma história interessante, porém algo não saiu bem. Não chegou a ser um desastre mas o longa decepciona um pouco pela grandiosidade do seu elenco. Nem todos os personagens tem seu espaço no filme e muitos acabam ficando unidimensionais, faltando, talvez trabalhá-los em camadas. Mas o humor na medida certa e o fato de assistir a um filme de zumbis onde o grande chamariz não são as mortes e cabeças explodindo mas sim a reflexão de como perseguimos algumas ideias, produtos, bens materiais tão cegamente quanto um bando de zumbis, já vale muito a pena. É uma crítica ao povo americano, a Donald Trump, mas serve perfeitamente para nós, e alguns mitos, vestirmos a carapuça aqui no Brasil.

Não custa nada elogiar de novo essa dupla que faz toda a diferença no filme.



por Vagner Rodrigues

domingo, 3 de dezembro de 2017

"Paterson", de Jim Jarmush (2016)



Nem sempre a rotina precisa ser algo negativo ao qual nos estamos presos. Ela pode ser algo positivo se você a partir de coisas que você gosta e se sente confortável. Por mais que ela possa ser repetitiva e um tanto parada, acomodada, podemos extrair coisas boas dela. Essa é a premissa de "Paterson", filme de Jim Jarmush.
Paterson é um motorista de ônibus que mora na cidade de Paterson, New Jersey - ele e a cidade dividem o mesmo nome. Diariamente, Paterson vive uma simples rotina: dirige pela rota diária, observa a cidade, ouve fragmentos de conversas, escreve poesias num caderno, passeia com o cachorro, bebe uma cerveja no bar de sempre e, finalmente, volta para casa, para a esposa Laura.
O ritmo rotineiro de “Paterson” pode ser um bom exercício de paciência para alguns. O longa se esforça bastante, para nos fixar a idéia de rotina. Logo na primeira cena já temos o enunciado na tela “segunda-feira”, quando vemos o casal acordar e seguimos acompanhando toda a semana dos dois. Paterson acordando, tomando café, indo ao trabalho, dirigindo o ônibus, voltando para casa, passeio com o cachorro, bar, dormir e acordar. O filme é basicamente isso por mais de uma hora e meia. A montagem do filme acompanha bem essa narrativa mostrando visualmente as cenas do dia a dia de Paterson pelos mesmos ângulos de câmera para reforçar que esta acompanhando a simples rotina de um homem comum.
Um dos momentos em que Paterson começa a escrever seus poemas,
cujos temas vão de questões existenciais a caixas de fósforos.
O que quebra um pouco a rotina de Paterson, o ponto fora da curva, são seus poemas. Escrever poemas parece ser aquilo que o completa. Para muitas pessoas a vida dele seria chata, preso numa repetição diária, mas ele tem seus poemas que dão sentido a essa rotina.
As atuações de um modo geral estão bem contidas e discretas. Adam Driver (Paterson) está um pouco diferente de “Star Wars”. Aqui, sua atuação está mais melancólica (sim, é possível) e está ótima assim. A melancolia lhe cai bem. O que chama bastante a atenção é a atração que Paterson tem por pessoas que, ao contrario dele, expressam suas artes e emoções, como sua esposa,  Golshifteh Farahani (Laura.), que alem de ser pintora, vendedora de cupcakes, também pretende se aventurar na carreira musical.
Os planos do filme se repetem diversas vezes, como o casal deitado na cama, o cão sendo preso no lado de fora do bar, e ônibus saindo, da garagem, etc. Essa linguagem visual do longa é incrível, a forma como fixa a suas idéias (como os diversos gêmeos que aparecem, repare nisso), para dar um destaque a elas e fazer com que um motorista de ônibus que escreve poesia seja algo FABULOSO. As cenas em que Paterson para para escrever seus poemas são bem contemplativas e de uma pureza ímpar. Sem querer dar spoiler, mas tem uma cena de Paterson com seu caderno de poesia, que eu senti a sua dor.
Um tanto melancólico, porém muito real. Assim é “Paterson”, um dos filmes mais pé-no-chão que assisti nos últimos tempos. Real até demais! No meio de sua aparente tristeza, e conformismo até, você percebe que não há mal nenhum em seguir uma rotina se for aquilo que você ama fazer e se sente bem fazendo. E isso dá um senso de controle enorme em nossas vidas. Porém que fique claro que, se tem algo que você faz para se expressar, nem que seja algo que faça para você mesmo, e não compartilhe com os outros, vá e o faça. Não se prive disso. Vai lhe aliviar e ajudar a seguir sua vida assim como Paterson faz com seus poemas. Mas se além dessa finalidade for possível compartilhar com alguém compartilhe. E outro importante aprendizado é que até a vida comum de uma pessoa medíocre pode ser bela se você souber para onde olhar e o que observar.
A rotina de passeios com o cachorro.
Num destes passeios há uma cena bastante tensa na qual Paterson
é inquirido sobre os sequestros de cães de raça na cidade



Vagner Rodrigues