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sábado, 7 de março de 2020

"A Vingança de Jennifer", de Meir Zarchi (1978) vs. "Doce Vingança", de Steven R. Monroe (2010)




Na Semana da Mulher, nada mais apropriado que um Clássico é Clássico que traz à tona uma questão seríssima e, infelizmente, ainda muito frequente no nosso dia dia: a violência e os abusos contra a mulher. Para isso teremos um duelo de times que só são rivais dentro das quatro linhas, porque quando o que está em jogo são os direitos das mulheres, as equipes jogam do mesmo lado. Quando se trata de botar estuprador no seu devido lugar, a estratégia de ambos os times é a mesma: agressividade total!
Tanto "A Vingança de Jenniffer" (1978), quanto "Doce Vingança" (2010) contam, basicamente a mesma história. Uma jovem escritora se retira no interior, em uma casa de campo, para ter um pouco tranquilidade para escrever seu livro quando alguns rapazes lá da cidadezinha interpretam que, se ela uma mulher foi para um lugar daqueles sozinha e foi simpática com eles é porque, A) é vagabunda; B) é presa fácil ; C) tá pedindo; D) quer dar; E) merece ser estuprada ; F) todas as alternativas anteriores, e assim, não hesitam em violentá-la com requintes de crueldade. O grande erro deles foi achar que o jogo estava morto, ou melhor..., que ela estava morta. Dando o jogo por ganho, eles relaxam e ficam à mercê do contra-ataque fulminante da vítima.
Em ambas as versões, a protagonista, Jennifer, recupera-se dos ferimentos e vai buscar um a um dos seus agressores, numa marcação implacável homem a homem. Aí o jogo descamba pra violência! E se o juiz já tinha permitido tudo o que fizeram com ela, perdeu a moral pra coibir o revide e aí a pancadaria comeu solta!
O antigo, filme de baixo orçamento mas considerado por muitos um cult-movie, já impressionava, na época, pela intensidade da vingança de Jennifer, mas as "maldades" da nossa heroína no remake conseguem ser ainda mais impressionantes e sangrentas. Depois de tudo pelo que passou, a Jennifers Hills do novo filme torna-se quase uma sádica, tomando um gosto especial por cada vingança, sujeitando cada um a uma tortura equivalente à que ela passara, e repetindo, inclusive, a seus algozes, na hora de suas execuções, frases que os mesmos disseram a ela no momento do estupro. É bem verdade que ela se torna, de uma hora para outra, meio "ninja" demais, bolando um plano de assassina profissional e capturando e abatendo homens fortes e pesados, mas há de se levar em conta que a personagem é uma escritora e portanto, para bem de darmos um desconto pelo exagero, podemos considerar que ela é bem mais inteligente que aqueles capiais cabeças-de-ervilha, que é muito criativa para executar planos mirabolantes e que, julgando que ela estaria morta, os pegou todos desprevenidos... Vá lá, então.

"A Vingança de Jennifer" (1978) - Mortes

"Doce Vingança" (2010) - Mortes

"A Vingança de Jennifer" sai na frente pelo fato do filme ter sido idealizado pelo diretor Meir Zarchi após ter socorrido uma vítima de estupro em Nova York, o que confere uma boa legitimidade ao caráter do filme. Ou seja, não foi hipocrisia de macho que quer jogar pra torcida. No entanto, "Doce Vingança" vira o jogo pela qualidade técnica, uma vez que o antigo era bastante tosco, praticamente um time de várzea; pela narrativa que é muito deficiente no original e neste encaminha melhor cada situação; pela intensidade, de um modo geral, e pelas cenas da vingança especificamente. Embora a cena do estupro em si, seja mais impactante no remake, a sequência dentro da casa, em determinado momento fica longa e cansativa, e levando-se em consideração a época em que cada filme foi feito, a de 1978 leva uma pequena vantagem. Mas quando a nova Jennifer pega cada um dos taradões aí é que o bicho pega! Todas as desforras dela são das boas, mas a do garotão líder do grupo e a do xerife, que é um personagem de acréscimo em relação ao filme anterior, são as que levam a torcida à loucura. No caso do personagem Johnny, ela chega na cara do gol, dá "um corte" seco e marca um golaço! Chupa, machão!!! A antiga Jennifer também havia se utilizado de uma "jogada" parecida e até estava na banheira, mas como o juiz já estava pressionado por tanta permissividade na primeira metade do jogo, o gol foi validado. Mas é com o xerife, no finalzinho do jogo, em que acontece a grande jogada da partida: como uma bala, ela entra por trás da zaga e, sem piedade, enfia pra dentro com tudo! Tá lá no fundo!!! E a galera grita, "Ei, xerife, vai tomar....".
Fim de jogo!
"Doce Vingança" faz cinco gols: um pela qualidade, outro pela narrativa, outro pelo ritmo, outro pelo falador que teve que calar a boca, e outro pelo xerife que gostava de entradas por trás. "A Vingança de Jennifer" que saiu na frente pela coerência do tema e teve um gol irregular confirmado pela arbitragem, ainda fez o terceiro pela cena do abuso, mas o placar final ficou assim: 5x3 para o remake.
Ambos não são grandes filmes, é necessário dizer, mas eis aqui um caso em que o original, por mais limitado que seja, é, curiosamente reverenciado e cultuado como um clássico. O problema é que pegou um time mais preparado pela frente, com mais qualidade e, um palavra que está na moda no futebol, intensidade. "Doce Vingança" pode não alcançar o status de clássico, mas que tem  mais bola que seu antecessor, tem.

As duas Jennifer, a de 1978 (à esq.), Camille Keaton,
e (à dir.) a de 2010, Sarah Butler, ambas depois do brutal estupro.



Um jogo em que, na verdade, não existem vencedores nem perdedores.
Salvo, é claro, o exagero da reação da protagonista, algo intolerável em qualquer situação, de tirar a vida de outro ser humano, ainda mais de forma tão cruel, o recado que ambos os filmes dão é que é inaceitável que homens continuem a abusar, violentar e matar mulheres pelo mundo afora por acharem que estas estão "pedindo para serem estupradas", por conta de sua aparência, vestimenta, modos, disposição ou vulnerabilidade.
A grande "vitoriosa", no filme, se é que se pode assim chamar, diante de tanta violência, é a dignidade da mulher.
Achou que ia passar pela marcação da nossa heroína?
Machistas não passarão!




Cly Reis