F I M DE L I N H A
RODRIGO NETTO
Não sei se anunciou o assalto. Quando o notei já não falava nada, apenas apontava a pistola e recolhia os objetos, que lhe eram entregues de imediato. Começou com as pessoas sentadas à frente, perto da roleta, depois foi avançando pra trás, onde eu estava.
Tive a impressão de que não tinha me visto. Ou talvez tivesse visto, mas não me reconhecido. Afinal, fazia muito tempo.
Lembrei do dia em que ele apareceu. Eu jogava bola com meus amigos no play. Vinícius surgiu do nada, descalço, sem camisa. Devia ter uns 12 anos. Ficou nos observando alguns minutos, retraído. Depois tomou coragem e perguntou se também podia jogar.
“Volta pra selva, macaco”, alguém respondeu, e quase todos caíram na gargalhada. Ele saiu triste, de cabeça baixa. Eu senti pena.
Descobri mais tarde que era filho do novo porteiro. Sem conseguir vaga ainda na escola pública, ficava ali pelo prédio, aguardando o término do expediente do pai.
Certa vez, ao retornar do colégio, encontro-o brincando sozinho com uma bola furada, murcha. Queria reparar a ofensa dos meus colegas. Fui até ele, tirei o videogame da mochila e perguntei se conhecia um dos jogos.
Viramos amigos. Em poucas semanas ele já frequentava minha casa. Só que seu pai não durou muito no prédio, foi logo demitido. Com isso, acabamos perdendo contato. E agora, passados quase dez anos, me deparo com ele aqui assaltando o ônibus.
Separei carteira e celular. Estendi a mão para serem recolhidos. Vinícius se aproximou... mas não levou nada.
Eu fiquei imóvel, sem reação. Apenas o acompanhei com os olhos, meio abobalhado. Ele sorriu pra mim, de forma discreta. Deu uma piscada rápida... e no momento exato em que começava a virar o rosto pra frente, uma bala penetra sua cabeça e o derruba morto no chão.
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Rodrigo Netto é jornalista e escritor.
Autor do livro de contos "Contagem Regressiva".