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segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

"Com As Horas Contadas", de Rudolph Maté (1950) vs. "Morto ao Chegar", de Rocky Morton e Annabel Jankel (1988)

 



Filme de morto-vivo sem ser de zumbi, "D.O.A." (Dead on Arrival), nome original das duas versões, trata basicamente de um homem que fora envenenado, sua situação é irreversível, ele sabe, a rigor, que está morto, mas antes de dar seu último suspiro, pretende, a qualquer custo, descobrir quem o matou. Premissa interessantíssima que me conquistou desde a primeira vez que topei com "Morto ao Chegar", de 1988. Um morto-detetive, um cara que investiga a própria morte. Bárbaro!!!
Só depois de muito tempo foi que vim a saber da existência de uma versão anterior, de um original do início dos anos 50 chamado por aqui de "Com as horas contadas".
Tipo do caso em que o original é bom mas o remake é melhor ainda. O próprio estado físico que o protagonista chega à delegacia pra reportar o crime do qual fora vítima, logo no início de ambos, é muito mais legal na versão mais recente. O professor Dexter Cornell chega estropiado, um bagaço, num fiozinho de vida, ao passo que, no antigo, um contador, Frank Bigelow chega ainda hirto, altivo, meio abatido, é verdade, mas num estado bem menos verossímil que o da refilmagem se considerarmos a situação que se encontra e tudo que vivera nas últimas horas.
A própria diferença de atividades dos dois, me parece, seja um ganho do remake, uma vez que a condição de professor universitário, escritor decadente, suscite bem menos interesse de que alguém quisesse matá-lo, numa improbabilidade de suspeitos e motivos que torna a trama ainda mais intrincada. Como ele mesmo diz, no filme, "Ninguém faz planos de matar um professor de Inglês. Não inspiramos esse tipo de violência". No outro lado, negócios, dinheiro, clientes, dívidas..., tudo isso já direciona as suspeitas do espectador para alguém relacionado a esse universo ou algo próximo.


"Com as Horas contadas" (1950) - trailer


"Morto ao Chegar" (1988) - trailer

Frank Bigelow, um pequeno empresário de uma cidade do interior, repassa algumas transações, atualiza a agenda de clientes, fecha o caixa e parte para um pequeno período de férias na cidade grande, em São Francisco. Lá, participa de uma festinha no hotel, toma uns drinques no lobby, se engraça com uma dona, e depois da noitada, sentindo-se estranho, com um certo mal estar, vai a um hospital, onde descobre que ingerira uma substância venenosa, naquela noite, possivelmente, misturada com álcool, e que não viverá mais que 48 horas. Passa a buscar razões para que alguém quisesse envenená-lo e resolve levantar seus clientes em São Francisco. Na caça, descobre que um deles, um que lhe ligara poucos dias antes de suas férias, acaba de morrer. Teria se suicidado. Se jogando de uma varanda... Em suas últimas horas de vida, decide que é no rastro desse cliente que deve seguir. Topa então com o sócio do cliente, a viúva, a amante do morto, um figurão de contrabando, e aí a coisa engrena. "Com as horas contadas" até demora para esquentar mas, depois que pega o ritmo, com uma série de surpresas, quebras de expectativa, torna-se mais atraente, instigante e empolgante.
Dexter Cornell, por sua vez, é um professor de Língua Inglesa que já teve seus dias de glória na literatura mas que, em crise criativa, conjugal e pessoal, não consegue escrever mais nada e vê seu casamento desmoronar. Enquanto a vida de Cornell gira nesse turbilhão, na faculdade, um aluno aparentemente talentoso para as letras, mas que Cornell insistia em ignorar os trabalhos, se joga do terraço do prédio e, para piorar, ele descobre que o garoto era o novo namorado de sua (quase ex) esposa.
O professor vai afogar as mágoas, encontra uma aluna na night, eles bebem juntos e no outro dia, sentindo-se muito mal e desconfiando que aquilo não é só uma ressaca, consulta uma médica no ambulatório da faculdade. Ela ele ingerira, nas últimas horas, provavelmente misturado com álcool, uma toxina de ação lenta mas de efeito irreversível. Ou seja: inevitavelmente, ele vai morrer. Tempo de vida? No máximo 24 horas.
Dex, desesperado vai atrás da aluna (Meg Ryan), supondo que ela possa ter colocado algo em sua bebida, a envolve nas investigações, sem querer a põe em perigo, e, por onde passa, a cada pista que segue, vai deixando um misterioso rastro de corpos conforme sua investigação avança.
A abertura em preto e branco, a chegada aos frangalhos na delegacia e a passagem para o colorido com a palavra "COR", escrita na lousa, na aula da universidade, numa passagem de tempo bem sacada, é um golaço, já no início da partida, para o time de 1988. A agilidade do roteiro, a dinâmica, com um filme que não para a partir do envenenamento, que muda constantemente, como aquele time que muda de posição o tempo inteiro, imprevisível, a inspiração nos giallos italianos, garante outro para o remake. Dennis Quaid, que juntamente com Meg Ryan, foi contratado para sere a estrelas do time, faz a diferença e guarda o seu, com uma atuação muito consistente, ao contrario da parceira que, num papel pouco relevante, não dá grande contribuição.
Do outro lado, o filme de 1950 apronta uma certa correria ali pela metade, ganha agilidade, faz substituições, apresenta novos jogadores (ou melhor, novos suspeitos à trama), e acaba chegando ao gol. Faz mais um pelo conjunto, uma vez que, de um modo geral, é um bom filme com uma boa trama e um interesse crescente. Mas a sequência final da refilmagem, da descoberta do assassino e de sua surpreendente motivação, com a cena desbotando gradualmente até perder totalmente a cor, para voltar ao ambiente inicial da delegacia, mata definitivamente o original. Baita jogada! 4x2 para "Morto ao Chegar".


À esquerda, Frank Bigelow e, à direita, Dexter Cornell,
no alto, chegando à delegacia para comunicar o próprio assassinato;
no meio, ambos relatando a incrível história ao delegado e,
abaixo, o momento em que descobrem que foram envenenados.


"Com as horas contadas" percebeu cedo que era inferior, 
continuou lutando mas sabia que estava morto no jogo.





Cly Reis

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

"Os 300 de Esparta", de Rudolph Maté (1962) vs. "300", de Zack Snyder (2006)



Jogo de estratégia. Dois times que sabem ficar ali encolhidinhos defendendo até esperar a hora certa para atacar. A história em que, aproximadamente, apenas trezentos homens espartanos defendem a Grécia do ataque do tirano Xérxes com seu numerosíssimo exército, é basicamente igual nos dois filmes, o original de 1962, "Os 300 de Esparta", e seu remake, de 2006, chamado apenas "300". Em ambos os casos, o time, digo..., o exército comandado pelo capitão, quero dizer, general Leônidas, ciente de sua inferioridade numérica dentro de campo, posiciona-se num local limitado, estreito, por onde obrigatoriamente o exército do Rei Xérxes teria que passar, e fica ali, fechadinho, sem deixar o adversário penetrar na sua defesa e dando suas estocadas ofensivas, sempre que possível.
O time antigo não é ruim! Típico filme épico de Hollywood. Mais modesto, é verdade, com menos aparato, orçamento, menor suntuosidade, mas mesmo assim caracterizando bem aquele tipo de produções históricas, bíblicas, mitológicas que os estúdios americanos gostavam de fazer. O novo, por sua vez, é extremamente impressionante visualmente com uma fotografia digital espetacular que imita fielmente a concepção de Frank Miller, criador da graphic novel da qual o filme se baseou, e do qual é, por sinal, é uma espécie de "auxiliar técnico de luxo" do treinador Zack Snyder, homem que é especialista em dirigir times que procuram jogar no estilo HQ.

"Os 300 de Esparta" - trailer

"300" - trailer

O time de Snyder adota a mesma estratégia do time de '62 mas é mais abusado. Fica bem agrupado, compacta as linhas, mas avança com os pontas de lança levando perigo à retaguarda adversária. Atrai o time Persa para seu próprio campo mas aí então avança em bloco e espreme o adversário contra seu próprio campo fazendo-o, literalmente, cair na armadilha. Neste ponto, há um ABISMO de diferença na parte tática entre o time do Rei Leônidas e o do Rei Xerxes. E lá atrás então, não tem jeito de furar o bloqueio! Parece time do Mourinho quando "estaciona o ônibus" na frente do gol, só que no caso dos 300 de Snyder, é uma pilha de corpos que bloqueia a entrada. "Aqui não, queridinho!", É o recado de Leônidas para Xerxes que, apesar de toda sua altura, um gigante de mais de três metros, não consegue ganhar nem na jogada aérea, com o chuveirinho de flechas lançadas sobre a área adversária.
Uma mostra do quanto o remake é fiel à HQ.
Na cena, o time espartano sai em bloco e
empurra o adversário contra seu próprio campo.
Na refilmagem, Leônidas tenta ganhar o jogo com uma bela jogada ensaiada, na qual um companheiro o ajuda a abrir o ângulo para a finalização, mas, um pouco mais distante do que gostaria, acaba desperdiçando a chance que, literalmente, passa raspando. Mas se os espartanos não conseguiram ganhar o jogo contra os persas na História e em nenhuma das duas versões cinematográficas, contra os espartanos de Rudolph Maté, o time de Zack Snyder se impõe e com muita garra e jogadas ensaiadas, triunfa sem maiores dificuldades. A fotografia, com cenários digitalizados fiéis à HQ de Frank Miiller, é o primeiro gol dos comandados de Zack Snyder. O time combativo e pegador que não desiste de nenhuma bola, marca o segundo por conta das cenas de luta. Uma jogada combinada entre as cenas do precipício, a da parede de corpos e a da chuva de flechas, garante o 3 x 0 para o "300", de 2006. E com uma jogada espetacular de seu ponta de lança, o Leônidas mais vibrante e protagonista que o da primeira versão, recebe na cara do gol, só empurra pro fundo: 4x0. O craque, conhecido como Diamante Grego, vai na frente da torcida adversária e grita, "Isso é Esparta, porra!!!". Leva um amarelinho pela provocação, mas tá valendo pela festa.

Cutucou e guardou!
Vai buscar no fundoooo.
Rodrigo Santoro como um Xerxes andrógino, agigantado digitalmente e com uma voz dublada, é tão ruim que praticamente entrega um gol para o adversário, mas o time antigo não se aproveita do vacilo e com um Xerxes tão ruim quanto, hesitante e inexpressivo, o contra-ataque não resulta em nada e nesse quesito, ficam (H)ellas por (H)ellas. No entanto, a introdução da resistência naval pelo exército grego, comandado por Temístocles, e a intervenção de Artemísia junto à Xerxes para a batalha naval, elementos históricos que só virão a aparecer com mais consistência no filme sequencia de "300", o fraco "A Ascensão do Império", garante um gol de honra para o bom time de 1964 que dá mais ênfase a esse meandro da história.
Placar final: 4 x 1 para o remake. Vitória de um time muito bem trienado, um time que não aceita a derrota, um time que não se entrega nunca, um time que, se precisar, luta até a morte.

Um líder mais vibrante e sanguíneo, um time mais compacto e organizado,
muita luta e entrega até o fim. Isso é Esparta!!!
O time de 2006 mostra mais armas que o adversário e vence  a
Batalha das Termópilas.


Fazer um filme épico, histórico, mitológico, até dá pra fazer,
 mas ganhar de um que, praticamente, revolucionou o estilo,
 são outros quinhentos,
 ou melhor, outros trezentos.






por Cly Reis