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quarta-feira, 19 de junho de 2013

cotidianas #231 - Olhos Fechados Abertos


"Olho na Boca" - RODRIGUES, Daniel
grafite sobre sulfite com manipulação digital (15,5x13cm)

 
Talvez a vida seja mais importante quando estamos de olhos fechados. Para bem e para mal. Talvez, se formos contar todos os milésimos e até segundos de piscadelas, as horas de sono e as fechadas de olho involuntárias que praticamos durante um dia inteiro, perceberemos que passamos a maior parte do tempo de olhos fechados do que abertos. Esse simples ato serve para situações tão díspares: surpresa, frustração, dor, insegurança, incredibilidade, resignação, esquecimento, choro, conquista, derrota, tristeza, cansaço, concentração. Oramos assim. Saboreamos um prato gostoso assim. Paqueramos assim, fechando um olho e deixando o outro aberto. Talvez passemos, sim, mais tempo da vida de olhos fechados do que abertos se formos ver (ver?). Quando nascemos, intercalando com os momentos de mama, dormimos quase todo o tempo, mas, diz-se que, antes disso, na barriga, passamos ali um bom tempo só de olhos fechados (fora que deve ser de um escuro tão cândido que é quase como o de não abrir os olhos).
De modo a reter as sensações, daquelas importantes, fechamos os olhos. Ouve-se música desse jeito. Quantas vezes já não o fiz, e sempre repito, ao escutar o verso: “I’m So Sorry” de Morrissey em “Suedehead”, ou o primeiro pronunciar de Lennon em “Dear Prudence”. Até em filmes, em que se supõe manter-se permanentemente de olhos abertos, há momentos em que, inevitavelmente, os fechamos, tamanha a surpresa que nos acomete. É-me assim na cena d’”A Fonte da Donzela”, do Bergman, quando ela bate com a cabeça no chão e começa a fluir a água – para ficar em apenas um exemplo do arrebatamento que nos provoca o cinema, esse exercício lúdico de luz e escuro.
Cantamos, todos, fechando os olhos. Sinatra, João, Cathy, Ibraim, Ramil, Cobain, Cássia, Elis, Ella. Isso parece que nos faz sentir melhor os sons que emitimos, não sei porque. Também dançamos, invariavelmente, desse modo: selando as vistas. Seja sozinho, no meio da pista ou em qualquer lugar, naquele ritualismo extasiante, ou acompanhado, juntinho, sentindo um corpo no outro. Para isso, fechar os olhos é fundamental, nem que seja para poder abri-los alegres depois.
E quando algo é sério, é fato: os cerramos, como para um gol feito desperdiçado ou um gol adversário na hora mais indevida do jogo. Beijamos, quando amamos, de olhos fechados. Às vezes, por longos minutos, sem abri-los. Semicerrados, talvez, mas, de forma prática, fechados. No êxtase, apertamos bem forte os olhos naquele prazer intenso. Gozo não é gozo de olho aberto! Com tesão, antes do gozo, é aquele fechar e abrir devagar, câmera lenta, curtindo a sensação que te absorve.
Olhar, portanto, torna-se a raridade, o menos comum. Por que não gastar, então, esses lapsos do tempo, entre uma piscada e outra, para enxergar? Tem o sol, o raio do sol, o verde da grama, o vermelho do sangue, o movimento das gentes, os filmes bons e ruins, os telhados, as letras dos livros, o traço do pintor, as bobagens coloridas da tevê, os bichos, o rosto de quem se ama. O céu. Tanta coisa... Ver tudo que é visível ou nem tanto. Ver o invisível. Digo-lhes: dá.
Pois, por vários motivos que não só esses (talvez precise me concentrar, achando o que quero na escuridão, para lembrar-me de mais), creio que a vida toda seja mais importante quando estamos de olhos fechados. Refleti sobre isso ontem quando, de olhos fechados, fui beijado sobre minha pálpebra, num beijo dado de olho fechado em um olho fechado, o meu. Meu globo ocular, faceiro de tanta emoção, agitava-se por debaixo daquele beijo. Acho que os olhos têm um canal direto com o coração (há de se estudar mais nossa anatomia).
Tomo-me de paz ao pensar que esta pessoa que me beija tão solenemente de olho fechado em meu olho fechado acompanhará todos os momentos de olhos abertos (e fechados) da minha vida até o fim dela, quando, enfim, os fecharei para sempre. A morte, penso, calando neste instante os olhos levemente, é a confirmação de que, por todo o tempo anterior a esta, recebemos luz. Mas que, no agora de quando for, simplesmente, não mais. Escuro. A morte, essa não-luz, talvez seja, por isso, a síntese.
Talvez os cegos sejam os verdadeiros abençoados por Deus. Talvez.
Meu último fechar de olhos, quando silenciá-los de vez, quero, por isso tudo, seja com ela, absorvido na beleza do escuro que sempre me acompanhou.


3 comentários:

  1. que assunto lindo, que palavras delicadas. Parabéns!

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  2. Diz um adágio que "os olhos são as janelas da alma",talvez por isso que buscamos saber de nossa alma o significado para cada um desses momentos em que os fechamos, quando o fizemos de forma voluntária, e quando não, como no piscar, estamos buscando nos manter em estreito contato com ela (a alma). E então pode se concluir que a morte pode ser um encontro com o nosso "EU". E se, em vida, para varios momentos o fechar dos olhos, nos revela mais prazer, mais emoção, fazendo-nos buscar o sentimento, o que podemos esperar do cerrear definitivo dos olhos, senão a plenitude. Iara.

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