- E a propósito,
souberam do Rodrigo? - Cris lançou ao ar a pergunta, na mesa para as
duas amigas que, assim como ela, saboreavam seus sucos naturais
depois da academia.
- O que que foi? Conta
o babado! - interessou-se uma delas, Amanda, quase saltando da
cadeira.
- Parece que tá numa
clínica para recuperação de drogas, álcool, alguma coisa do tipo
– informou então.
- Culpa da Rafa, ali –
comentou Amanda, incluindo então a terceira amiga que até então
parecia desinteressada do ocorrido com o tal rapaz.
- Ih, eu não tenho
nada a ver com isso – disse a acusada se defendendo - Me inclua
fora dessa – brincou completando.
- Ah, “não tem nada
a ver com isso”! Imagina!!! O coitadinho ficou assim depois que
você deu um pé na bunda dele – sentenciou Cris - Ai, chegava a
dar dó. Nunca mais foi o mesmo depois que vocês acabaram. Era um
gato, todo saradinho. Menina,... nos últimos tempos tava
irreconhecível. Um fiapo de gente.
- E agora isso... -
completou Amanda.
- Mas isso não é nada
perto do que aconteceu com o Thiago – lembrou a Cris.
- Ah, vai querer me
culpar por aquilo também – se defendeu Rafa.
- Culpar culpar, não,
mas que ele se matou pouco depois de você ter despachado ele...
- Ai, cruzes, nem gosto
de lembrar – arrepiou-se Amanda.
Depois de um breve
silêncio quase que me respeito pelo falecido, Cris, disposta a
voltar a incendiar o assunto prosseguiu:
- Mas quem parece que
não sentiu nada foi o Alex...
De súbito, Rafaela,
até então fingindo uma certa indiferença pelos destinos dos
ex-namorados e de certa forma com o ego inflado pela responsabilidade
que as amigas lhe imputavam, saltou interessada.
- Que que tem o Alex?
Satisfeita com a
curiosidade que causara, Cris fez questão de explicar:
- Vi ele com uma morena
ontem. Bonita – fez uma pausa entre um gole e complementou –
Corpão.
- Onde? - perguntou
Rafa tentando passar um certo ar de interesse casual.
- No Veleiros, ontem de
noite. E pareciam bem à vontade juntos – apimentou ainda mais a
amiga.
Àquelas alturas o
disfarçado descaso de Rafaela havia desaparecido e agora perguntava
com verdadeira curiosidade;
- Mas... E estavam
juntos, tipo, abraçados, beijando, ficou com ela?
- Ih, nem parece que
foi você que acabou com ele. Tá toda interessada – entrou no
assunto Amanda.
- Não é interesse, é
curiosidade – deu um gole brusco no suco engolido com dificuldade e
completou – Só.
- Bom, primeiro tavam
bem pertinho, mas depois a coisa esquentou. Um agarramento! Até
saíram cedo do bar. Com aquele fogo todo, imagino para onde foram.
E caíram na risada, à
exceção de Rafaela, que, se muito, tentava esboçar um sorriso
amarelo de canto de boca.
De repente, como que
lembrando de algum compromisso, Rafa levantou da cadeira recolheu
suas coisas e declarou:
- Gente, tenho que ir.
Eu tenho que... Tenho... umas coisas pra resolver.
Saiu apressada e de um
canto atrás do academia fez uma ligação.
Enquanto o telefone
chamava, ajeitou o brilhante cabelo louro e ensaiou um sorriso como
se a pessoa do outro lado pudesse vê-la naquele instante.
- Alô?
- Alô, Alex?
- Eu.
- Tudo bom?
- Tudo.
- Hum, um “tudo”,
assim com tanta convicção. Acho que nem fez diferença pra você a
gente ter acabado se tá TUDO tão bem.
- Rafa, a gente tem que
seguir em frente. Gostar eu não gostei, mas tem que tocar a vida.
- Aham, sei... - Rafa
fez uma pausa e prosseguiu – Mas, o que tem feito da vida?
- Nada demais –
respondeu o rapaz.
- Tem saído? -
perguntou a moça mesmo já sabendo a resposta.
- É, dou umas
saidinhas de vez em quando. Arejar a cabeça.
- Sei...
Um breve silêncio na
linha.
- Um passarinho azul me
contou que te viu com uma pessoa.
- Estou sempre com
pessoas.
- Uma mulher.
- Conheço muitas
mulheres, minha chefe, minha irmã...
- Uma morena, num
bar...
- Ah, sim, é verdade.
A Luana. Quem foi o “passarinho”? Eu tava sim, com uma morena no
Veleiros.
- Ah, e você confirma?
- Ué, claro! Por que
não confirmaria? Não tenho nada a esconder.
- Mas assim tão rápido
você já tá saindo com outra?
- E o que é que tem? A
gente acabou. Aliás, você terminou.
- Ai, mas não deixou nem esfriar a cama - reclamou ela em tom choroso.
- Não é bem assim.
- E por falar em cama, pelo que eu sei vocês não ficaram no bar, né?
- É, não ficamos muito tempo, não... - mas interrompeu-se observando - Mas esse passarinho cantou muita coisa, hein.
- Pois éééé!
Parou um pouco esperando por alguma reação do ex, mas percebendo que não teria, prosseguiu com a reclamação:
- Pôxa, nem bem terminamos e você já tá aí, assim, galinhando por aí. Você devia
guardar, tipo, um luto ou algo assim. Parece que nem liga.
- Ligo. Mas até pra
não ficar muito com a cabeça no que aconteceu com a gente, em tudo rolou, eu
já parto pra outras.
- Pra outras?
- É modo de dizer.
- Tá bom – soltou,
cansada e sentida – Que bom que tá “tudo bem”. Fico feliz por
você.
- E com você, como
estão às coisas? - indagou Alex, por sua vez.
- Ah, ótimo, também.
Às mil maravilhas. Ainda mais sabendo que o meu namorado tá saindo
com outras pra arejar a cabeça.
- Nós não somos mais
namorados. Você mesmo não quis me dar uma nova chance – fez
questão de lembrar o rapaz.
- Tá bom, tá bom.
Tudo de bom pra ti e pra... Luana – pronunciou o nome num misto de
asco com ódio e completou – Tchau, Alex.
- Tchau, Rafa. Beijo.
Desligou o celular
enfurecida. Seguiu para o estacionamento, pegou o carro e saiu.
Tão imediatamente
chegou em casa, dirigiu-se ao banheiro, abriu a farmacinha no armário
e pegou algumas pílulas. Estava uma pilha de nervos. Tomou duas num
primeiro momento. Meia-hora depois tomou mais duas. Dali a pouco mais
algumas e seguiu assim nos dias que se seguiram.
As amigas estranharam
sua ausência na faculdade, na academia, no clube, nas festas. Foi
encontrada em casa dias depois entre pílulas, vômito, fezes e lixo.
Não comia há dias e havia feito suas necessidades pelo chão. Um
estado lastimável.
Não se recuperou mais
depois daquele dia. Olhava apenas para o vazio e não dirigia uma
palavra sequer a ninguém. Comia apenas o suficiente para continuar
viva e mesmo assim só com a ajuda de alguém. Emagreceu. Tinha um
aspecto quase cadavérico. Por fim, a família, não vendo reação,
optou por colocá-la em uma clínica de repouso, onde por certo,
dariam um tratamento mais adequado a ela.
O que teria acontecido,
de uma hora para outra, com aquela garota linda, atraente, viva,
cintilante, alegre, era um mistério para todos.
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