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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

cotidianas #323 - A Devoradora de Corações



- E a propósito, souberam do Rodrigo? - Cris lançou ao ar a pergunta, na mesa para as duas amigas que, assim como ela, saboreavam seus sucos naturais depois da academia.
- O que que foi? Conta o babado! - interessou-se uma delas, Amanda, quase saltando da cadeira.
- Parece que tá numa clínica para recuperação de drogas, álcool, alguma coisa do tipo – informou então.
- Culpa da Rafa, ali – comentou Amanda, incluindo então a terceira amiga que até então parecia desinteressada do ocorrido com o tal rapaz.
- Ih, eu não tenho nada a ver com isso – disse a acusada se defendendo - Me inclua fora dessa – brincou completando.
- Ah, “não tem nada a ver com isso”! Imagina!!! O coitadinho ficou assim depois que você deu um pé na bunda dele – sentenciou Cris - Ai, chegava a dar dó. Nunca mais foi o mesmo depois que vocês acabaram. Era um gato, todo saradinho. Menina,... nos últimos tempos tava irreconhecível. Um fiapo de gente.
- E agora isso... - completou Amanda.
- Mas isso não é nada perto do que aconteceu com o Thiago – lembrou a Cris.
- Ah, vai querer me culpar por aquilo também – se defendeu Rafa.
- Culpar culpar, não, mas que ele se matou pouco depois de você ter despachado ele...
- Ai, cruzes, nem gosto de lembrar – arrepiou-se Amanda.
Depois de um breve silêncio quase que me respeito pelo falecido, Cris, disposta a voltar a incendiar o assunto prosseguiu:
- Mas quem parece que não sentiu nada foi o Alex...
De súbito, Rafaela, até então fingindo uma certa indiferença pelos destinos dos ex-namorados e de certa forma com o ego inflado pela responsabilidade que as amigas lhe imputavam, saltou interessada.
- Que que tem o Alex?
Satisfeita com a curiosidade que causara, Cris fez questão de explicar:
- Vi ele com uma morena ontem. Bonita – fez uma pausa entre um gole e complementou – Corpão.
- Onde? - perguntou Rafa tentando passar um certo ar de interesse casual.
- No Veleiros, ontem de noite. E pareciam bem à vontade juntos – apimentou ainda mais a amiga.
Àquelas alturas o disfarçado descaso de Rafaela havia desaparecido e agora perguntava com verdadeira curiosidade;
- Mas... E estavam juntos, tipo, abraçados, beijando, ficou com ela?
- Ih, nem parece que foi você que acabou com ele. Tá toda interessada – entrou no assunto Amanda.
- Não é interesse, é curiosidade – deu um gole brusco no suco engolido com dificuldade e completou – Só.
- Bom, primeiro tavam bem pertinho, mas depois a coisa esquentou. Um agarramento! Até saíram cedo do bar. Com aquele fogo todo, imagino para onde foram.
E caíram na risada, à exceção de Rafaela, que, se muito, tentava esboçar um sorriso amarelo de canto de boca.
De repente, como que lembrando de algum compromisso, Rafa levantou da cadeira recolheu suas coisas e declarou:
- Gente, tenho que ir. Eu tenho que... Tenho... umas coisas pra resolver.
Saiu apressada e de um canto atrás do academia fez uma ligação.
Enquanto o telefone chamava, ajeitou o brilhante cabelo louro e ensaiou um sorriso como se a pessoa do outro lado pudesse vê-la naquele instante.
- Alô?
- Alô, Alex?
- Eu.
- Tudo bom?
- Tudo.
- Hum, um “tudo”, assim com tanta convicção. Acho que nem fez diferença pra você a gente ter acabado se tá TUDO tão bem.
- Rafa, a gente tem que seguir em frente. Gostar eu não gostei, mas tem que tocar a vida.
- Aham, sei... - Rafa fez uma pausa e prosseguiu – Mas, o que tem feito da vida?
- Nada demais – respondeu o rapaz.
- Tem saído? - perguntou a moça mesmo já sabendo a resposta.
- É, dou umas saidinhas de vez em quando. Arejar a cabeça.
- Sei...
Um breve silêncio na linha.
- Um passarinho azul me contou que te viu com uma pessoa.
- Estou sempre com pessoas.
- Uma mulher.
- Conheço muitas mulheres, minha chefe, minha irmã...
- Uma morena, num bar...
- Ah, sim, é verdade. A Luana. Quem foi o “passarinho”? Eu tava sim, com uma morena no Veleiros.
- Ah, e você confirma?
- Ué, claro! Por que não confirmaria? Não tenho nada a esconder.
- Mas assim tão rápido você já tá saindo com outra?
- E o que é que tem? A gente acabou. Aliás, você terminou.
- Ai, mas não deixou nem esfriar a cama - reclamou ela em tom choroso.
- Não é bem assim.
- E por falar em cama, pelo que eu sei vocês não ficaram no bar, né?
- É, não ficamos muito tempo, não... - mas interrompeu-se observando - Mas esse passarinho cantou muita coisa, hein.
- Pois éééé!
Parou um pouco esperando por alguma reação do ex, mas percebendo que não teria, prosseguiu com a reclamação:
 - Pôxa, nem bem terminamos e você já tá aí, assim, galinhando por aí. Você devia guardar, tipo, um luto ou algo assim. Parece que nem liga.
- Ligo. Mas até pra não ficar muito com a cabeça no que aconteceu com a gente, em tudo rolou, eu já parto pra outras.
- Pra outras?
- É modo de dizer.
- Tá bom – soltou, cansada e sentida – Que bom que tá “tudo bem”. Fico feliz por você.
- E com você, como estão às coisas? - indagou Alex, por sua vez.
- Ah, ótimo, também. Às mil maravilhas. Ainda mais sabendo que o meu namorado tá saindo com outras pra arejar a cabeça.
- Nós não somos mais namorados. Você mesmo não quis me dar uma nova chance – fez questão de lembrar o rapaz.
- Tá bom, tá bom. Tudo de bom pra ti e pra... Luana – pronunciou o nome num misto de asco com ódio e completou – Tchau, Alex.
- Tchau, Rafa. Beijo.
Desligou o celular enfurecida. Seguiu para o estacionamento, pegou o carro e saiu.
Tão imediatamente chegou em casa, dirigiu-se ao banheiro, abriu a farmacinha no armário e pegou algumas pílulas. Estava uma pilha de nervos. Tomou duas num primeiro momento. Meia-hora depois tomou mais duas. Dali a pouco mais algumas e seguiu assim nos dias que se seguiram.
As amigas estranharam sua ausência na faculdade, na academia, no clube, nas festas. Foi encontrada em casa dias depois entre pílulas, vômito, fezes e lixo. Não comia há dias e havia feito suas necessidades pelo chão. Um estado lastimável.
Não se recuperou mais depois daquele dia. Olhava apenas para o vazio e não dirigia uma palavra sequer a ninguém. Comia apenas o suficiente para continuar viva e mesmo assim só com a ajuda de alguém. Emagreceu. Tinha um aspecto quase cadavérico. Por fim, a família, não vendo reação, optou por colocá-la em uma clínica de repouso, onde por certo, dariam um tratamento mais adequado a ela.
O que teria acontecido, de uma hora para outra, com aquela garota linda, atraente, viva, cintilante, alegre, era um mistério para todos.





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