O homem sentado na poltrona
surpreendeu-se com a presença do inesperado visitante que sua esposa
conduzira até a sala.
- O senhor? Que surpresa.
O senhor baixo, bem vestido, elegante,
de cabelos totalmente brancos, ainda em pé, lançou apenas um terno
sorriso para o dono da casa.
- Mas sente-se, sente-se, por favor -
apressou-se o anfitrião ainda um tanto aturdido pela visita.
O velhote sentou-se no confortável
sofá e como que inquirido pelo olhar curioso do outro, foi direto ao
assunto:
- E então, meu capitão, pronto para
voltar ao campo de batalha?
Ao contrário do que sua atitude até
então demonstrara, espantado, confuso, curioso, Scott não demonstrou
grande surpresa com a convocação do homem sentado em sua sala.
- Imaginei que sua presença aqui se
devesse a alguma coisa desse tipo – disse pegando a lata de cerveja
em cima da mesa.
O velho não respondeu, até porque a
última fase não pedia resposta alguma. Apenas permaneceu encarando
amavelmente aquele sujeito à sua frente como se seu olhar fizesse
por insistir na pergunta.
- Você sabe que eu não posso mais,
Bill. Olhe isso – disse batendo na barriga – Já não sou mais o
mesmo.
- Mesmo com essa barrigota, com um
braço engessado, com um pé nas costas você ainda é melhor que
qualquer um daqueles garotos.
Riram os dois.
- Desculpe, Bill, não lhe ofereci uma
cerveja – ofereceu o dono da casa qde certa forma tentando ganhar
tempo para se refazer de uma certa emoção que o elogio lhe causara.
-Não, não, obrigado – recusou o
velho Bill Oates - Parei com isso há tempos. Não ia me fazer bem. e
de mais a mais, a Laura me mataria se soubesse que eu dei um gole.
Riram novamente e um breve silêncio
seguiu-se à descontração.
- Eu não posso mais, Bill – voltando
a adotar um tom sério - Eu adoro aquilo mas meu tempo já passou.
- Ora, Scott, não seja tolo...
- Não, não. Você sabe que não dá
mais. Os caras hoje em dia são muito mais ágeis, muito mais
fortes... eu... simplesmente não conseguiria jogar hoje.
- Scott – falou pausadamente – você
só precisa entrar lá e fazer o que você sabe como ninguém.
- Mas e aquele novato, aquele da
Universidade de Illinois, o que foi veio dos Sinners?
- Ora, o Amos? Oh, meu Deus! Ele corre
muito com a bola. Se eu quisesse um corredor eu teria contratado um
running back. E eu tenho um, aliás, o melhor da liga, só preciso
que alguém tenha cérebro para escolher a melhor jogada, leia a
defesa do adversário, faça o play-action perfeito. Eu tenho dois
ótimos receivers, Scott, paguei caro por eles mas preciso de alguém
que coloque a bola na mão deles, no colo, no meio do número, como só você
sabia e sabe fazer.
- Eu tenho que pensar, Bill. Isso
envolve tantas coisas. Eu não sei como a Jeannie iria encarar isso.
Eu disse a ela que me dedicaria mais a ela, que viajaríamos. E tem o
Jake também – fez uma pausa - Meu filho nasceu e, na época, eu
mal pude acompanhar, não conseguia estar junto com ele, não estava
perto, quantas vezes ele me pediu para ir ao teatrinho da escola e eu
não pude, pra jogar com ele no pátio, acho que naquele tempo só
estive em casa mesmo em um dos aniversários dele. Agora que eu estou
conseguindo curtir um pouco mais o garoto... E de mais a mais, faz
dois anos que estou fora.
- Mas tenho certeza que não
desaprendeu – afirmou encarando fixa e convictamente o quarter-back
antes de completar – E tenho certeza que os centers, os guards, os
rapazes à sua frente, se souberem que é você que os estará
conduzindo, lhe protegerão como às suas próprias vidas. Não
deixarão ninguém tocar em você.
Notou que Scott emocionara-se novamente
mas não insistiu naquele momento. Levantou-se, então, e antes de
dirigir-se à saída ainda acrescentou:
- Quanto ao garoto, no fundo, ele só é
mais um de nós, um de seus fãs. Um fã especial, eu sei, mas o
ídolo dele não é só o pai, é o quarter-back dos Sinners, Scott
Pierce. Pense com carinho nisso, Scott. Se resolver voltar, sabe onde
me encontrar. Não precisa me levar até a porta - e seguiu
caminhando pelo corredor.
Scott Pierce, o grande ex-quarter-back
dos Sinners, o eterno comandante do “ataque madito” como ficara
conhecida a linha ofensiva do time, dono de dois anéis de Superbowl,
permaneceu sentado em silêncio com o olhar perdido no vazio por
alguns instantes. Assim que saiu do pequeno transe, levantou-se,
dirigiu-se à janela e viu o filho, o pequeno Jake, de 5 anos,
treinando lançamentos solitários com a bola oval no gramado do
quintal.
Desligou a TV, largou a lata de cerveja
na mesa de centro e deixou a sala e saiu pela porta da cozinha para o
pátio.
- Dá a bola pro papai, Jake – pedido
que o filho, contente, atendeu prontamente - Olha só isso. Vou te
ensinar como se lança.
Cly Reis
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