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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

cotidianas #336 - No Meio do Número



O homem sentado na poltrona surpreendeu-se com a presença do inesperado visitante que sua esposa conduzira até a sala.
- O senhor? Que surpresa.
O senhor baixo, bem vestido, elegante, de cabelos totalmente brancos, ainda em pé, lançou apenas um terno sorriso para o dono da casa.
- Mas sente-se, sente-se, por favor - apressou-se o anfitrião ainda um tanto aturdido pela visita.
O velhote sentou-se no confortável sofá e como que inquirido pelo olhar curioso do outro, foi direto ao assunto:
- E então, meu capitão, pronto para voltar ao campo de batalha?
Ao contrário do que sua atitude até então demonstrara, espantado, confuso, curioso, Scott não demonstrou grande surpresa com a convocação do homem sentado em sua sala.
- Imaginei que sua presença aqui se devesse a alguma coisa desse tipo – disse pegando a lata de cerveja em cima da mesa.
O velho não respondeu, até porque a última fase não pedia resposta alguma. Apenas permaneceu encarando amavelmente aquele sujeito à sua frente como se seu olhar fizesse por insistir na pergunta.
- Você sabe que eu não posso mais, Bill. Olhe isso – disse batendo na barriga – Já não sou mais o mesmo.
- Mesmo com essa barrigota, com um braço engessado, com um pé nas costas você ainda é melhor que qualquer um daqueles garotos.
Riram os dois.
- Desculpe, Bill, não lhe ofereci uma cerveja – ofereceu o dono da casa qde certa forma tentando ganhar tempo para se refazer de uma certa emoção que o elogio lhe causara.
-Não, não, obrigado – recusou o velho Bill Oates - Parei com isso há tempos. Não ia me fazer bem. e de mais a mais, a Laura me mataria se soubesse que eu dei um gole.
Riram novamente e um breve silêncio seguiu-se à descontração.
- Eu não posso mais, Bill – voltando a adotar um tom sério - Eu adoro aquilo mas meu tempo já passou.
- Ora, Scott, não seja tolo...
- Não, não. Você sabe que não dá mais. Os caras hoje em dia são muito mais ágeis, muito mais fortes... eu... simplesmente não conseguiria jogar hoje.
- Scott – falou pausadamente – você só precisa entrar lá e fazer o que você sabe como ninguém.
- Mas e aquele novato, aquele da Universidade de Illinois, o que foi veio dos Sinners?
- Ora, o Amos? Oh, meu Deus! Ele corre muito com a bola. Se eu quisesse um corredor eu teria contratado um running back. E eu tenho um, aliás, o melhor da liga, só preciso que alguém tenha cérebro para escolher a melhor jogada, leia a defesa do adversário, faça o play-action perfeito. Eu tenho dois ótimos receivers, Scott, paguei caro por eles mas preciso de alguém que coloque a bola na mão deles, no colo, no meio do número, como só você sabia e sabe fazer.
- Eu tenho que pensar, Bill. Isso envolve tantas coisas. Eu não sei como a Jeannie iria encarar isso. Eu disse a ela que me dedicaria mais a ela, que viajaríamos. E tem o Jake também – fez uma pausa - Meu filho nasceu e, na época, eu mal pude acompanhar, não conseguia estar junto com ele, não estava perto, quantas vezes ele me pediu para ir ao teatrinho da escola e eu não pude, pra jogar com ele no pátio, acho que naquele tempo só estive em casa mesmo em um dos aniversários dele. Agora que eu estou conseguindo curtir um pouco mais o garoto... E de mais a mais, faz dois anos que estou fora.
- Mas tenho certeza que não desaprendeu – afirmou encarando fixa e convictamente o quarter-back antes de completar – E tenho certeza que os centers, os guards, os rapazes à sua frente, se souberem que é você que os estará conduzindo, lhe protegerão como às suas próprias vidas. Não deixarão ninguém tocar em você.
Notou que Scott emocionara-se novamente mas não insistiu naquele momento. Levantou-se, então, e antes de dirigir-se à saída ainda acrescentou:
- Quanto ao garoto, no fundo, ele só é mais um de nós, um de seus fãs. Um fã especial, eu sei, mas o ídolo dele não é só o pai, é o quarter-back dos Sinners, Scott Pierce. Pense com carinho nisso, Scott. Se resolver voltar, sabe onde me encontrar. Não precisa me levar até a porta - e seguiu caminhando pelo corredor.
Scott Pierce, o grande ex-quarter-back dos Sinners, o eterno comandante do “ataque madito” como ficara conhecida a linha ofensiva do time, dono de dois anéis de Superbowl, permaneceu sentado em silêncio com o olhar perdido no vazio por alguns instantes. Assim que saiu do pequeno transe, levantou-se, dirigiu-se à janela e viu o filho, o pequeno Jake, de 5 anos, treinando lançamentos solitários com a bola oval no gramado do quintal.
Desligou a TV, largou a lata de cerveja na mesa de centro e deixou a sala e saiu pela porta da cozinha para o pátio.
- Dá a bola pro papai, Jake – pedido que o filho, contente, atendeu prontamente - Olha só isso. Vou te ensinar como se lança.




Cly Reis

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