“Havia
muito afeto nessas relações.
O fato de que eu não poderia
permanecer nelas
por uma razão ou outra foi doloroso para mim.
por uma razão ou outra foi doloroso para mim.
Os
homens envolvidos são pessoas boas.
Eu fui apaixonada por eles neste
dia.
Temos um carinho mútuo,
mesmo que cada um tenha ido
para novos relacionamentos.
mesmo que cada um tenha ido
para novos relacionamentos.
Certamente bolsões de mágoa se formam.
Você
fica um pouco maltratada ao sair de um relacionamento
que vê não vai durar para sempre.
que vê não vai durar para sempre.
Eu não vivo em amargura.”
Joni Mitchell,
em 1979, para a Rolling Stone,
respondendo à matéria da revista
que falava sobre seus relacionamentos
Joni Mitchell,
em 1979, para a Rolling Stone,
respondendo à matéria da revista
que falava sobre seus relacionamentos
Foi
muito difícil resolver escrever sobre este disco. Ele é talvez o
disco que eu mais goste de todos os que já ouvi na minha vida. Pelo
significado das letras, pela música estranha e sombria e, ao mesmo
tempo, lírica e sensível, pela sonoridade que não se encontra em
qualquer outro trabalho. E também porque partilho este apreciar com
um dos meus melhores amigos, o Mauro Magalhães. O que eu escrever
aqui terá o julgamento dele. Bom, o disco é “Hejira” da
cantora e compositora canandense Joni Mitchell. Este disco foi
lançado em 1976 e é fruto de uma viagem de carro que Joni fez do
estado do Maine até a Califórnia, onde mora, sozinha e com seu
violão. Isto equivaleria vir do Amazonas até o Uruguai. Nesta
viagem, Joni, que estava saindo de um relacionamento, compôs o tempo
inteiro. O resultado é este disco.
Começamos
por "Coyote", talvez a música com mais jeito de hit do
disco. Um ritmo folk com aquele violão num groove, a
percussão de Bobbye Hall e, especialmente o baixo fretless de
Jaco Pastorius, ele próprio um quase coautor do disco, tamanho o
destaque e a importância que tem para o som de "Hejira". A
letra conta uma carona que Joni deu para um índio e das aventuras
que os dois viveram durante este período. O refrão diz tudo: "você
pegou um caroneiro/ um prisioneiro das faixas brancas da estrada".
A canção seguinte, "Amelia", é uma homenagem à aviadora
Amelia Erhart e uma evocação da mulher que se liberta e consegue
destaque no mundo dos homens. É bom lembrar que o disco foi gravado
na metade dos anos 70, quando as mulheres ainda lutavam por sua
independência e lugar na sociedade. Além disso, havia um
preconceito contra atuação sexual da mulher. E Joni era
namoradeira. Um ano antes, a revista Rolling Stone, num arroubo
machista como jamais visto, publicou uma "árvore genealógica"
dos amores de Joni. De certa maneira, "Amelia" – e todo o
disco – se constitui numa resposta à toda esta intolerância.
Depois de descrever todo um trecho da viagem e fazer um relatório
lírico, ela diz: "Parei num cactos Tree Motel/ Pra tirar a
poeira/ e dormi num travesseiro estranho da minha luxúria/ Sonhei
com 747/ sobre fazendas geométricas/ Sonhos, Amelia, sonhos e falsos
alarmes". Tudo isso com a guitarra de Larry Carlton como
nunca foi ouvida em outro disco. Pontuando o violão de Joni e a
guitarra de Carlton, está o vibrafone de Victor Feldman, totalmente
integrado ao clima.
Depois,
vem "Furry Sings the Blues", que conta sua visita ao
blueseiro Furry Lewis, em Memphis. Observadora, Joni mistura o relato
da visita a uma acurada descrição da decadência dos bairros pobres
da cidade. Ela levou bebida e cigarros para o lendário homem do
blues que está numa cama sem uma perna. A visita se torna tensa:
"Velho Furry canta o blues/ Ele aponta um dedo grosso pra ti/ e
diz: 'Não gosto de você'/ Todo mundo ri como se fosse uma piada/
mas é verdade/só somos bem-vindos porque trouxemos bebida e
cigarros". Nesta viagem, Joni traz dois de seus companheiros
do L.A. Express, banda que tinha tocado com ela: Max Bennett no baixo
e John Guerin na bateria, na época, seu namorado. E também Neil
Young, que faz intervenções exatas e precisas na harmônica. Como
sempre, Joni e seus violões com afinações diferentes. Mais um
relato de um amor da estrada, "A Strange Boy" conta do
relacionamento dela com um jovem skatista. Similar em tema e
sonoridade a "Coyote", a canção faz Joni admitir que
estava numa viagem a procura de si mesma e do amor: "Apenas
quando eu penso que ele é bobo e infantil/ e eu quero que ele seja
adulto/ eu resgato minha bobice e infantilidade/ precisando de amor e
compreensão". É o grito de uma mulher à procura do amor e de
alguma coisa a mais.
Este
disco dá uma série de pistas ao que se passava na cabeça de Joni
Mitchell nesta e em todas as épocas. À medida que o disco avança,
mais e mais, ela vai se desnudando, lentamente, mas nunca deixando
ver tudo. E aí vem a música mais emblemática, a faixa-título.
Novamente aquele violão strummed, o baixo de Pastorius e a
percussão de Bobbye Hall. “Héjira” foi a jornada do profeta
Maomé e seus seguidores de Meca a Medina. Joni usa o termo para
fazer um relato da viagem e da jornada para dentro de si mesma e dos
relacionamentos amorosos entre os seres humanos. A letra é toda
interessante e citável, mas destaco alguns trechos: "No
nosso relacionamento possessivo/ muita coisa não podia ser dita/
agora estou voltando pra mim mesma/ estas coisas que eu e você
suprimimos". Mais adiante, ela diz: "Na igreja, eles
acendem as velas/ e a cera corre como se fosse lágrimas/ Tem a
esperança e o desespero/ que eu presenciei 30 anos". E o
refrão – se é que se pode chamar de refrão este trecho –
afirma: "Estou viajando em um veículo/ Estou sentada em
algum café/ um desertor de guerra sem importância/ Até que o amor
me carregue de volta pra aquele caminho". Lírica e intensa,
Joni faz metáforas com prédios e sua solidez com a natureza volátil
do amor.
Entretanto,
uma das chaves para entender "Hejira" e Joni Mitchell está
na música seguinte, "Song for Sharon". Escrita como se
fosse uma carta a uma amiga que vai casar, Joni deixa transparecer
sentimentos confusos e contraditórios a respeito de sua liberdade e
da "prisão" em que sua amiga está entrando. Ela começa
descrevendo uma viagem que fez a Staten Island, onde comprou um
mandolin. Durante toda a música, Joni fala para Sharon das coisas
que vê durante esta viagem como se a estivesse provocando. Lá pelas
tantas, a descrição se torna sombria: "Uma mulher que eu
conhecia se afogou/ O poço estava lamacento e profundo/ Ela estava
se livrando da futilidade/ ou punindo alguém/ Meus amigos ligaram
ontem o dia inteiro/ todas emoções e abstrações/ Parece que todos
nós vivemos muito perto desta linha/ e tão longe da satisfação".
Joni fala do casamento como se fosse uma prisão, mas toda aquela
cerimônia e os rituais parecem lhe fascinar. As explicações virão
seis anos depois, quando ela se casa com o baixista Larry Klein e faz
um disco inteiro celebrando este casamento chamado "Wild Things
Run Fast".
Já
"Black Crow" compara o corvo que ela encontra na estrada a
si mesma. "À procura de amor e de música/ toda minha vida
foi dedicada/ Iluminação, corrupção/ e mergulho, mergulho,
mergulho, mergulho/ Mergulho pra pegar qualquer coisa brilhante/ como
aquele corvo voando/ num céu azul". A busca do corvo é a
mesma de Joni: algo que a faça feliz, mesmo que efêmero. O que é a
mesma busca que empreendemos toda nossa vida. Metaforicamente
falando. Com os violões, temos a guitarra de Carlton nunca tão
violenta e lancinante. Depois de tanta procura e frustração, vem o
momento em que as coisas dão uma trégua. "Blue Motel Room"
usa o clima de balada jazzística para contar uma história de amor
moderna. "Você ainda vai me amar/ quando eu te ligar, quando
eu voltar pra casa". Depois, ela brinca que "sabe
que você tem todas estas garotas espalhadas pela cidade... diga pra
elas que tu tens sarampo, que tu tens germes". Ou em: "Você
e eu somos como América e Rússia/ Estamos sempre tentando ganhar...
Precisamos armar uma conferência de paz/ em algum café neutro/ Você
vai continuar circulando pela cidade/ e eu vou cair na estrada".
O amor continua, mas a liberdade é mais importante para Joni.
E, pra
fechar, ela procura "Refuge of the Roads". Como em todo o
disco, o clima é confessional. Joni vai contando de figuras que
encontrou. Cada uma delas procura o refúgio nas estradas.
Andarilhos, homens e mulheres perdidos, personagens desgarrados pelo
mundo. São estas pessoas que Joni Mitchell descreve e com as quais
se sente em casa. Jaco Pastorius brilha como nunca nesta canção,
acompanhado pelos sopros de Chuck Findley e Tom Scott e pelo sempre
presente violão de Mitchell e suas afinações malucas. É muito
difícil analisar um disco que se ama tanto e que a cada ouvida se
descortina. Algumas das coisas que Mitchell diz neste disco iriam se
revelar por completo anos depois com o surgimento de uma filha adulta
que ela tinha abandonado para adoção em 1965. Bom, isso é outra
história. Recomendo a todos que mergulhem neste disco como ela
mergulhou na estrada. E eu nem falei da capa, uma das mais lindas
ever.
*******************
FAIXAS:
1.
Coyote
2.
Amelia
3.
Furry Sings the Blues
4. A
Strange Boy
5.
Hejira
6.
Song for Sharon
7.
Black Crow
8.
Blue Motel Room
9.
Refuge of the Roads
todas
as composições de Joni Mitchell
******************************
OUÇA:
Joni Mitchell Hejira
por Paulo Moreira
O maior disco dos anos 70
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