No
início deste ano, numa das vezes que fui à Bahia a trabalho, peguei
um táxi do aeroporto de Salvador com destino a Feira de Santana com
um taxista incomum. Um senhor de uns 50 anos, Sr. Gelson, que adorava
e conhecia muito bem música africana (e de vários países: Angola,
Congo, Mali, Nigéria, entre outros). Papo vai, papo vem e, além de
aprender com ele, fiquei sabendo que em Salvador havia lojas de
música que o supriam de parte deste exótico material fonográfico.
Guardei a informação para quando retornasse à capital baiana.
Pois,
desta vez viajando a passeio por Salvador, descobri uma cidade que
respira música – o que, vocês devem imaginar, gerou uma forte
identificação a alguém que, como eu, anda ininterruptamente com
várias músicas na cabeça durante o dia. E não demorou muito para
que o cheiro de loja de discos me atraísse. Em plana Praça da Sé,
centrão da cidade, está lá a Planet Music, comandada pelo
diletante Ademar, sujeito boa-praça que não poupava em deslacrar
qualquer CD e colocá-lo para o cliente escutar, mesmo que fosse pra
passar rapidamente cada faixa (atitude quase inimaginável no
comércio de Porto Alegre). Pois, seguindo o bom gosto do dono, a
Planet Music é rica em títulos e muito bem selecionada, além de os
preços serem bem aceitáveis.
Entrei,
percorri algumas fileiras enquanto tocava (alto) um axé-music
qualquer, corriqueiro por lá. Leocádia entrou em seguida. Até que
Ademar, de dedo nervoso, para a música pela metade e troca por nada menos que “Saci Pererê”, da Black Rio. Conquistou-me de vez.
Levei junto com esses outros CD’s que aqui comento:
“Saci
Pererê” – Banda Black Rio (1980): Clássico segundo álbum
deste que é dos meus grupos brasileiros preferidos. Além da gostosa
faixa-título, presente de Gilberto Gil, tem Aldir e João Bosco (“Profissionalismo
É Isso Aí”), Zé Rodrix (“Amor Natural”) e composições dos
integrantes da banda. Nem a ausência de Cristovão Bastos nos
teclados fez Oberdan e Cia. baixarem a qualidade, que, depois do
célebre instrumental "Maria Fumaça", se aventuram nos vocais e
mandam muito bem.
“Marinheiro
Só” – Clementina de Jesus (1973): Produzido por Caetano Veloso e Milton Miranda, é talvez o mais bem acabado trabalho desta
negra que alçou ao mundo da música já idosa por providencia de
Hermínio Bello de Carvalho, que a descobriu cantando num bar. Toda a
ancestralidade antropológica africana pode ser sentida em sambas
(“Essa nêga pede mais”, “Madrugada”), maxixes (“Marinheiro
Só”) e cantos religiosos (“Taratá”, “5 Cantos Religiosos”).
“Nada
Como um Dia Após o Outro Dia” – Racionais MC’s (2002): O
sucessor de “Sobrevivendo no Inferno” é um disco longo demais
(pecado dos duplos), por isso é irregular. Mas inquestionavelmente a
banda avançou em estilo e discurso, o que faz com que seus dois
volumes, “Chora Agora” e “Ri Depois”, tragam verdadeiras
joias do rap e da música nacional no início dos 2000. Espetaculares
“Vida Loka” 1 e 2, “Jesus Chorou” e “Vivão e vivendo”.
Figura entre os 100 maiores discos da música brasileira da história
segundo a Rolling Stone.
“Negro
é Lindo” – Jorge Ben (1971): Embora o Babulina tenha outros
VÁRIOS discos preferidos da discoteca, pois produziu absurdamente
bem principalmente do final dos anos 60 até meados de 70, este não
fica pra trás, até porque a “cozinha” é do espetacular Trio
Mocotó. Traz a poética e sensível "Porque é proibido pisar na grama", a bela canção-homenagem “Cassius Marcellus Clay”,
parceria com Toquinho, e aqueles sambas-rock sempre inspirados
(“Cigana”, “Comanche” e “Zula”) como só Ben sabe fazer.
“Força
Bruta” – Jorge Ben (1970): Também com o Trio Mocotó, é o
mais experimental trabalho de Ben. Ele, Parahyba, Nereu e Fritz estão
soltos e se divertindo ao executar os temas ao vivo no estúdio. Não
é dos meus preferidos, até porque Ben tem muito mais discos
maravilhosos, mas só por “O telefone tocou novamente” (meu toque
de celular!), “Charles Jr.” e “Mulher brasileira” já valia.
Ainda por cima, inicia arrasando com “Oba, lá Vem Ela",
daqueles começos de disco empolgantes.
“O q Faço é Música” – Jards Macalé (1998): Se Cristovão
Bastos não estava mais com a Black Rio, aqui seu papel é
fundamental. Talvez o grande disco de Macalé – ao menos, o seu
mais maduro –, "O Q Faço é Música" já mereceu ÁLBUNS FUNDAMENTAIS aqui do Clyblog, feita por Cly Reis. Eu, que gosto um monte também,
não me contive e comentei no próprio blog, que está logo abaixo da
resenha.
por Daniel Rodrigues
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