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quinta-feira, 12 de março de 2015

John McLaughlin & The One Truth Band - “Electric Dreams” (1979)



John McLaughlin,
este é único, é um matador.”
Miles Davis



Pessoal que acompanha meus textos andava reclamando que eu só falava de discos de música pop e deixava o jazz – em tese, minha especialidade – de lado. Hoje, resolvi resgatar um disco dos meus 19 tenros anos. Mas, pra começar, uma historinha. A década de 70 no jazz foi pródiga em manifestações das mais variadas. O selo ECM surgiu e floresceu, o jazz alemão se desenvolveu e o fusion tomou conta das paradas e das mentes do novo público que veio do rock querendo algo mais do que três acordes. A culpa toda é de Miles Davis que, em 1969, lançou os discos "In a Silent Way" e o seminal “Bitches Brew”. Em suas bandas, circulavam nomes que iriam montar seus próprios trabalhos durante a década. Entre eles, Chick Corea, com seu “Return to Forever”, Joe Zawinul e Wayne Shorter, com o Weather Report, e o guitarrista inglês John McLaughlin com a Mahavishnu Orchestra. À exceção de Zawinul, que fez dos teclados e do som elétrico a base de seus trabalhos, todos os outros mesclaram as sonoridades acústicas com as elétricas em suas criações.

No final dos anos 70, McLaughlin montou mais um de seus grupos, a One Truth Band, trazendo o violinista L.Shankar da Índia, o percussionista brasileiro Alyrio Lima e mais os americanos Stu Goldberg nos teclados, Fernando Saunders no baixo elétrico e Tony Smith na bateria. Com esta turma, gravou o disco “Electric Dreams”, com o qual excursionou pelo mundo e, por incrível que pareça aos mais jovens, esteve em Porto Alegre, no Gigantinho, dividindo o palco com Egberto Gismonti & Academia de Danças. Nesta ocasião, eu estava mergulhado totalmente no fusion e não perdi a oportunidade de ver este espetáculo. Além de mim, cinco mil testemunhas adoraram o que viram. Numa nota pessoal, em 2010, estive em Bremen, na Alemanha, para ver um festival de jazz, a convite do Instituto Goethe, e a abertura era feita por McLaughlin e seu grupo. No final, fui conversar com ele no backstage e o guitarrista acabou me confessando que foi “o pior som que jamais teve em um palco”. Que currículo, hein? Mas o que interessa é o disco “Electric Dreams”, de John McLaughlin & The One Truth Band.

A viagem inicia com “Guardian Angel”, praticamente uma vinheta de McLaughin no violão, Goldberg ao piano e Shankar no violino. Tão breve que dá vontade de ouvir novamente. Depois, vem “Miles Davis”, a homenagem de McLaughlin ao trompetista que havia lhe dado de presente uma das músicas de “Bitches Brew”. Uma faixa balançada com os teclados de Goldberg, a bateria de Smith e a percussão de Alyrio fazendo o pano de fundo para os arroubos virtuosísticos de Saunders e da guitarra de McLaughlin. Depois de uma improvisação coletiva ao estilo dos discos elétricos de MD, a música vira uma funkeira no clima dos trabalhos posteriores do trompetista. Isso que estávamos em 1979. McLaughlin já esteve prevendo o que viria na volta de Miles aos gramados.

“Electric Dreams, Electric Sighs” começa com a guitarra improvisando sob uma cama de teclados. O clima de balada se instala com o tema da canção, sob o qual Shankar faz seu solo, o tecladista usa o Fender Rhodes para as harmonias e o mini-moog para o solo e o guitarrista larga seu instrumento e faz uma tentativa no banjo, muito bem sucedida, aliás. Pena que ele não seguiu em frente com seus experimentos “banjísticos”. Depois, ele retoma a guitarra para encerrar a música.

A faixa que fecha o lado 1 do LP é a preferida da casa: “Desire and the Conforter”, que inicia com o triângulo de Alyrio junto ao Rhodes de Goldberg, aos quais se juntam os pratos de Smith e o solo de baixo elétrico fretless de Saunders. Aos quase dois minutos, a música dá uma guinada e a guitarra de McLaughlin e o violino de Shankar introduzem uma batida funkeada que dá segmento a um rodízio de solos do mini-moog de Goldberg, da guitarra do líder e do violino de Shankar. E quando todo mundo achava que a composição terminaria aí, uma levada jazzística de Smith surge quase do nada para carregar mais um solo de Mac com Alyrio pontuando com seus caxixis, chocalhos, guiros e outros bichos mais. Até a funkeira recomeçar para o final da música no qual o percussionista brasileiro vai regulando dizendo: “segura, rapaziada, segura, não deixa cair...”.

O Lado 2 abre com “Love and Understanding”, uma viagem mística de McLaughlin com o violão fazendo uma base para um lindo solo de violino. Aos poucos, os teclados tomam conta, juntamente com a guitarra. E aí, a surpresa: o baterista Tony Smith começa a cantar: “Love and Understanding / Understanding love”, seguido pelo baixista Saunders entoando: “Love is hard to stand it... You can hear the secret sound / to be found / so let’s see, let’s see, let’s see..”. Pura doideira cósmica, recheada com solos em uníssono de McLaughlin e Shankar. Até o clima místico voltar. E Smith e Saunders continuarem cantando que “o amor é compreensão”. Nem todo mundo concorda...

“Singing Earth” é mais uma vinheta, agora a cargo dos teclados de Goldberg. Quando prestamos a atenção, ela terminou. Mas a pauleira jazz-rock vem com força total com “The Dark Prince”, faixa que poderia estar nos dois primeiros discos da Mahavishnu Orchestra, “The Inner Mounting Flame” ou “Birds of Fire”, sem dúvida alguma. Depois da apresentação do tema, os solos tomam conta, com McLaughlin mostrando aquelas notas rapidíssimas, bem ao seu estilo. Na sequência, Stu Goldberg faz um solo de Fender Rhodes e depois de mini-moog. Quebradeira fusion pra ninguém botar defeito.

Pra fechar o disco, uma balada com andamento de valsa chamada “The Unknown Dissident”, que começa com os policiais do governo circulando e procurando o dissidente desconhecido. Logo, McLaughlin mostra a melodia na guitarra, seguido pelo convidado David Sanborn no sax alto, que passa a solar. Quando o guitarrista voltar a tocar, faz uma variação do tema principal. Assim como Sanborn, que reaparece dividindo o espaço dos solos com o líder. No final, os dois apresentam o tema. E os efeitos especiais retornam com uma porta sendo aberta, o dissidente sendo levado pelos guardas, ouvindo-se os passos até o tiro final.

Qualquer um que vier contestar, dizendo que este não é dos melhores discos de John McLaughlin, vou devolver a contestação. Esse é um dos meus discos favoritos, ponto final. Ninguém tem de gostar. Só eu. E eu gosto muito. Você também pode gostar.

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Uma nota da época: Alyrio, entendiado no quarto de hotel, foi dar um passeio no centro de Porto Alegre. Ao chegar na atual Esquina Democrática, deparou-se com a loja Scarpini, “o joalheiro da metrópole”, como dizia a propaganda. Não teve dúvidas: entrou e pediu para ver os diamantes. Os atendentes ficaram cabreiros e botaram o olho no rapaz. Este não pensou duas vezes e engoliu um dos diamantes. Vigiado, Alyrio foi denunciado e a polícia foi chamada para resolver o caso. Que teve sua solução na delegacia com um laxante... Para quem não acredita, a saudosa Folha da Tarde publicou esta história inclusive com foto do malfadado percussionista.
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FAIXAS:
1. Guardian Angels – 0:51
2. Miles Davis – 4:54
3. Electric Dreams, Electric Sighs – 6:57
4. Desire and the Comforter – 7:34
5. Love and Understanding – 6:36
6. Singing Earth (Stu Goldberg) – 0:37
7. The Dark Prince – 5:15
8. The Unknown Dissident – 6:16
Todas as composições de McLaughlin, exceto indicada

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OUÇA O DISCO:





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