Computador, monitor e webcam compõe
a obra interativa de Ernest Edmonds
|
“Computadores fazem arte,
artistas fazem dinheiro.”
Uma vez li numa entrevista de Ralf Hütter, um dos cabeças da Kraftwerk,
banda alemã da krautrock que ajudou a inventar as sonoridades das máquinas e
computadores que hoje nos são antropologicamente tão naturais, o seguinte
depoimento: “Os instrumentos eletrônicos
programáveis são espelhos nos quais podemos projetar nossos pensamentos. Não
são mais do que um instrumento freudiano, um instrumento psicanalítico”.
Polígonos desenhados pelo computador |
Eis que uma das exposições que visitei no Rio de Janeiro em agosto abordou
como tema justamente isso: a linha que une tecnologia das máquinas aos estímulos
neuroemocionais humanos. Trata-se de “Códigos
Primordiais”, que vi em seus últimos dias no Oi Futuro Flamengo. Com obras
de quatro artistas europeus referência na chamada “arte computacional”, os
britânicos Paul Brown e Harold Cohen e os alemães Ernest Edmonds e Frieder Nake, a mostra vai ao encontro de uma série de percepções que
já de muito nutro no que se refere a essa simbiose entre ciência e intelecto/motricidade
humana, abrindo um campo paradigmático que atinge diversas áreas do
conhecimento, desde a Informática e a Computação até a Matemática, a Engenharia
passando, claro, pela Neurociência e pelo “filtro psicanalítico” das Humanas
(Filosofia, Semiótica, Artes Plásticas, Comunicação).
Com curadoria de Caroline Menezes e Fabrizio Poltronieri, esta pequena
mas reveladora mostra trouxe trabalhos de mais de 40 anos com ferramentas
baseadas em códigos gerados através do computador. E por “computador”
entenda-se não um avançado Mac ou Ipad, mas complexas engenhocas programáveis
de linguagem binária. Um destes é AARON, programa de computador criado por
Cohen projetado para produzir arte autônoma e que está em contínuo
desenvolvimento desde 1973. Outro destes, o inteligente ER56, inventado por
Nake, foi, em 1965, capaz de desenhar criativos polígonos (de “Eixo Paralelo” e
“Ao Acaso”) impressos a plotter. Há obras de Brown que, inclusive, são
coassinados pelo aparelho que o “ajudou” a criar a peça.
Detalhe de "Nineteen" |
A diversidade de texturas produzidas me impressionou bastante. A origem
é computacional através do manejo técnico dos artistas. Porém, as plataformas
nas quais as obras se materializam (ou seja: saem do espectro digital/virtual
para o real) são muitas possíveis. Vão desde gravuras, desenhos, pinturas,
instalações interativas e até documentos – estes (fitas, papéis impressos,
matriciais, etc.) cuja “finalidade artística” também lhe predispõe a tal,
estabelecendo um limiar interessante entre a utilidade fria do cotidiano e a
inutilidade lúdica da arte.
Igualmente interessante e pioneira é a série “Nineteen”, de Edmonds
(1968/69), pintura em madeira a partir de geração algorítmica. Outro destaque é
“Copse#18’” (2006), impactante tela de Cohen cuja liberdade de “traço”
impressiona, assim como “Works on Canvas” (Brown, 1974/79) e o acrílico sobre
tela “Quatro a partir de Construindo o Espaço” (2012), integrante de uma série
de Edmonds que inclui vídeos (composto de computador, monitor e webcam) com
semelhantes formas, os quais dialogam entre si nos suportes em que estão.
"Reworkdvale" de Brown |
Dos vídeos, ainda a surpreendente mandala hi-tech (1979) e as formas
encadeadas de Brown, como “Reworkdvale” (1975), e os criados para a própria
mostra, como o coletivo “Cidades Tangos”, projeto de Edmonds que conecta
diferentes cidades em tempo real. Artistas de duas cidades foram convidados a participar,
gerando imagens sobre cada uma delas, que alimentam o sistema interativo em
tempo (quase) real. Ou mesmo a instalação que respondia ao estímulo de quem o
tivesse à frente observando, compondo, conforme o movimento, novas combinações
geométricas. Quer dizer: redesenhando o “vídeo-quadro” de maneira
participativa, formando infinitas possibilidades de coautoria com o espectador.
Enfim, daquelas exposições que se tem bastante para falar devido à sua
riqueza de elementos. Termos como cyberespaço, modernidade, estímulos
sensoriais, motricidade e virtualidade passam a ser questionados depois de uma
ocasião destas, uma vez que seus significados se ampliam. Se a letra da música
de Fred Zero Quatro diz que “cientistas
criam louvor, artistas levam a fama”, aqui, os papéis se misturam.
Grafismos de Nake |
O magnífico quadro de Cohen |
Interagindo com a obra de Brown |
Acrílico sobre tela de Edmonds |
Pintura em madeira, "Nineteen", de Edmonds |
Admirando os desenhos de Nake |
Exposição "Códigos Primordiais"
texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeo: Leocádia Costa
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