“Nessa madrugada, Alice Caymmi me
deu um toque em seu Facebook: o novo disco do Tono, intitulado ‘Aquário’,
finalmente entrou no ar para audição no Soundcloud. Pronto. Era tudo que eu
precisava para... não dormir. Que coisa linda, que disco maravilhoso.”
DJ Zé
Pedro
As coisas até que não andam tão mal em termos de música brasileira
ultimamente. Se noutros segmentos o Brasil insiste no atraso, na música uma
galera nova, cheia de referências e de cabeça aberta, vem surpreendendo positivamente
esse que vos fala. Primeiro, a descoberta de Lucas Arruda, que já relatei recentemente
num urgente ÁLBUM FUNDAMENTAL, jovem da soul-samba
dono de uma criatividade e técnica diferenciadas. Agora, recomendado por minha
antenada amiga Luciana Danielli, de Niterói (RJ), conheci a Tono. E que bela surpresa!
A banda é do filho de Gilberto Gil, Bem Gil, violonista/guitarrista de
mão cheia – e, ao que se nota, ótimo compositor também a exemplo do pai –,
conta ainda com a doce voz de Ana Claudia Lomelino, o baixista Bruno Di Lullo – que já
tocou com Gal Costa –, e Rafael Rocha na bateria e programação
eletrônica. Com forte inspiração na turma Maravilha 8 (Moreno Veloso, Berna
Ceppas, Kassim, Domenico, Daniel Carvalho, Pedro Sá e agregados), que vem ditando
a MPB desde o final dos anos 90, a Tono, no entanto, não apenas repete uma
fórmula. Aliás, até repete, mas a faz com personalidade e uma elegância ímpares.
Se for comparar a sonoridade da Tono a um look
de vestuário de moda, caberia muito bem dizer que eles são um “chic despojado”.
No seu terceiro disco da carreira (lançaram “Auge”, em 2009, e “Tono”,
em 2010), “Aquário”, de 2013, a
rapaziada apresenta uma sonoridade que mistura Tropicalismo, Clube da Esquna,
jazz e eletrônica a uma serena psicodelia rock, quase hippie. Alternativo, indie,
experimental, pós-rock: várias acepções podem ser dadas a eles que já foram
classificados de “charme desarrumado” e até de “Indefinível”.
Belíssima, “Murmúrios” abre o disco numa bossa-dub com ares jazzísticos (um tanto Incognito e Stereolab), numa
revisita à atmosfera melancólica de “Gestos”, de Amado Maita (do “gesto” ao
“murmúrio”). A voz de Ana Cláudia é despretensiosa, leve, porém não desnutrida
como a de uma Mallu Magalhães. Sem rebuscamentos, embora afinada e precisa. Os
sons eletrônicos, bem retrô, se mantém o tempo todo junto aos instrumentos
acústicos, interagindo-se, mesclando-se.
As letras, igualmente, bastante bonitas: “Como Vês” (“Como vês o amor vai desbotar/ As cores nas
fotos que ele tocar...”), “Tu Cá, Tu Lá” (“Nem sempre é possível/ Perceber o infinito/ Como algo em que se/
Possa tocar/ Mas talvez acessível/ Seja a busca do profundo/ Precipício
imprevisível que há...”) e “A Cada Segundo” (“A Cada Segundo no mundo/
Dorme-se um sono profundo...”) são exemplos.
Destaque para a versão de “Chora Coração”, de Tom e Vinicius, num
arranjo cadenciado, quebrado e dissonante; a citada “Como vês”, música de
Domenico e Di
Lullo já muito bem gravada por Alice Caymmi e que aqui ganha um arranjo
espacial e delicado, lembrando coisas de Rita Lee nos Mutantes ou o
experimentalismo da obscura banda norte-americana The United States of America;
“Do Futuro”, em que Ana Cláudia encarna uma moderna Nara Leão para entoar um
samba-marcha hi-tech; e “Da
Bahia”, em que o violão encantado do mestre Gil presenteia o grupo com seu
toque, além do backing vocal e da
própria melodia, de sua autoria, que carrega a assinatura do velho
tropicalista.
É muito gostosa a sensação de ouvir a Tono. Parece que se está dentro
d’água, no ritmo das ondas aquáticas e sonoras. Tudo muito audível, bem tocado,
bem equalizado. A produção do craque
Arto Lindsay, há mais de três décadas conectado com a modernidade estética da
MPB, amarra tudo num som pequeno e inteiro. Em termos musicais, lembra, de fato,
a sina aberta pelo Tropicalismo desde Mautner, mas ainda mais fortemente a
sonoridade do revolucionário "Recanto", de Gal (2012), o qual, por sinal, já se
nutria de elementos explorados por Moreno/Kassim/Domenico desde “Máquina de
Escrever Música”, de 2000 (vide a faixa “Assim”, que as semelhanças ficam bem
evidentes). Um aquário de peixes bem alimentados e em evidente fase de
crescimento.
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FAIXAS:
01. Murmúrios
02. Sonho com Som
03. Como Vês
04. Tu Cá Tu Lá
05. Chora Coração
06. Leve
07. Do Futuro (Dom)
08. UFO
09. Pistas de Luz
10. Da Bahia
11. A Cada Segundo
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OUÇA O DISCO
por Daniel Rodrigues
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