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quarta-feira, 2 de março de 2016

cotidianas #422 - Química



No início não vimos ligações entre crimes de uma série que vinha ocorrendo. Até pela diferença de tempo entre um e outro e pelos locais onde ocorriam, em alguns casos bastante afastados um dos outros. O que chamava atenção e criava uma coincidência entre eles era a natureza bizarra de suas ocorrências, como um inflado com ar até explodir ou outro pendurado na marquise de uma loja "iluminado", por assim dizer, por causa do gás neon que fora injetado em seu sistema sanguíneo. Coisas do tipo para pior. Não vou aqui descrever todos porque além de cansativo, desgastante, inútil, alguns deles poderiam causar grande desconforto e até náuseas no leitor. O que posso dizer é que depois de 47 crimes em lugares diferentes, com espaço de tempo irregular e métodos diferentes, concluímos que inegavelmente trata-se de um assassino em série e dos mais perigosos e imprevisíveis com que já lidamos.
Sim, perdemos 47 vítimas antes de chegar a esta conclusão pois não víamos evidências claras acerca das mortes e relação lógica entre uma e outra. Veja, por exemplo, a primeira ocorrência: um homem chamado (olhe só!) Lavoziê Oliveira da Silva, homem de meia idade, aqui da cidade mesmo, pequeno empresário, casado, dois filhos, trabalhador, gente de paz, sem inimigos nem ligações suspeitas é encontrado em um depósito abandonado com o corpo solidificado como se fosse uma estátua e com algumas partes do corpo quebradas (eu disse quebradas e não mutiladas). Foi esquisito mas em princípio pensamos até mesmo em algum acidente com algum produto industrial e a investigação não foi adiante. A segunda situação ocorreu no interior do estado com um homem chamado Hélio Borges, trabalhador braçal de obra. O cara não foi trabalhar por três dias e seus colegas e empregadores deram por falta. Nos avisaram, deu-se alguma pequena investigação e nada do cara, até que eis que uma semana depois ele é encontrado preso aos fios de uma rede elétrica depois de ter flutuado como se fosse uma espécie de dirigível. Seus órgãos internos haviam sido removidos e em seu interior adaptada uma espécie de lona que fora inflada com um gás. Aquilo, tirando a sofisticação do método, parecia uma vingança sádica o que não tardamos a atribuir às dividas que o rapaz tinha com agiotas. E seguiram-se os crimes: José Berílio de Almeida, Luzia Rodrigues, Telmo Diamante, Luna Bernardes, todos com execuções estranhas ou extravagantes que ultrapassavam nossas expectativas ou compreensão. Um de nossos estagiários, ainda universitário, chamou a atenção para uma pequena coincidência que até então havia nos passado despercebida: Alguns nomes eram de elementos químicos. E eram mesmo. Carlos Ferro, Arsênio Cunha, Mário Prata, Luís Vanádio de Oliveira... Outros não eram exatamente iguais mas guardavam apenas alguma pequena variação como Germano Cavalcantti, Lídio Fonseca, Selena Marquez. Mas e Carlos Shceele, Daniel  Andrade? Especulamos então que alguns pudessem estar relacionados a pesquisadores ou descobridores do elemento. Seria isso? Algo tão complexo?
Embora, se nossa hipótese estivesse correta, fôssemos perder  mais uma vítima, precisaríamos de mais um crime para confirmar nossa teoria e, não sei se felizmente ou infelizmente o crime seguinte veio a confirmar nossas piores desconfianças: Maria Argento, caixa de um mini-mercado havia sido encontrada nua sobre a cama do próprio apartamento totalmente pintada de prata ao melhor estilo James Bond. Prata ou Argento, do latim argentum, símbolo Ag, número atômico 47. Hidrogênio (Lavoziê = Lavoisier), 1; Hélio (Hélio Borges), 2; Lítio (Lídio Fonseca), 3; Berílio (José Berílio de Almeida), 4; Boro (Davy Silva por causa do químico Humprhy Davy), 5; Carbono (Telmo Diamante), 6; e assim por diante... Agora tínhamos total certeza de que estávamos diante de um dos mais difíceis serial-killers que já havíamos encontrado.
Mas por que os elementos químicos? Porque seguir a ordem dos números atômicos? Qual a sua motivação? Seu drama? Era um professor de química frustrado? Havia sido reprovado no vestibular? Trabalhava em um laboratório e havia sido demitido? Sofrera algum acidente em algum experimento? Nossas equipes estão em plena atividade, todos empenhados no caso, investigando tudo, estudando todas as hipóteses, todas as pessoas com nomes que possam de alguma forma interessar ao nosso criminoso. é tudo o que podemos fazer  no momento. Mas enquanto não descobrirmos as respostas para, ao menos, algumas das perguntas que estão no ar, este astuto, metódico e cruel assassino continuará à solta. E o pior é que ainda há 71 elementos na tabela periódica. Isso se o assassino não resolver começar a fazer ligações e compostos. Aí sim, estaremos perdidos.



Cly Reis

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