Assim como os de gângster ou que retratam a Segunda Guerra Mundial, os
filmes de prisão são bastante atrativos. Até mesmo os mais puramente
aventurescos, como “Condenação Brutal”, com Sylvester Stallone, ou “A Rocha”,
com Sean Connery, se estiverem passando na TV te puxam para que se assista pelo
menos um pouco ou mesmo daquele ponto até o final. De fato, os filmes sobre
sistema prisional guardam uma magia especial. Talvez porque, assim como os de
gângster ou Segunda Guerra, muitas vezes se baseiem em fatos reais. Quando não,
são tão passíveis de verdade quanto um verídico, haja vista a identificação que
seus personagens geram junto ao espectador ou mesmo pelas barbaridades que
geralmente denunciam, sejam ficção ou não. Não raro estão em jogo os mais
basais direitos humanos.
Desta forma, busquei listar 15 títulos bem abrangentes e interessantes
sobre o tema. De produções europeias a asiáticas, passando pelos cinemas
brasileiro (bem representado), argentino e, claro, norte-americano, que domina
largamente neste quesito. Desde clássicos do passado até os dias de hoje, os
Estados Unidos são imbatíveis em filmes de prisão. Valeu entrarem filmes não
apenas de penitenciária – embora sejam a maioria – mas também de cadeias comuns
e de prisioneiros de guerra. De presos políticos, como nos essenciais “A
Confissão” (Costa-Gavras) ou “Pra Frente, Brasil” (Roberto Farias), ficaram
para uma outra seleção. Como valeu apenas longas-metragens, merece menção
honrosa “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda”, curta-metragem de Jorge
Furtado e José Pedro Goulart, uma obra-prima que, inclusive, completa 30 anos
de seu lançamento em 2015.
Sem ordem de preferência, a condição foi a de que a história se passe,
se não inteiramente, pelo menos a maior parte do tempo dentro das celas,
sendo-lhes um elemento narrativo preponderante. Assim, ficaram de fora ótimos exemplares
como “Dançando no Escuro”, de von Trier, “O Último Imperador”, de Bertolucci, ou
“Batismo de Sangue”, de Helvécio Ratton, que têm, sim, sequências em prisões,
mas relatam muito mais do que isso em suas tramas. No nosso caso, não basta:
tem que estar encarcerado mesmo, atrás das grades, em cana, no xadrez, detido, vendo
o sol nascer quadrado. Então, “teje preso” a esses 15 títulos essenciais sobre prisão:
- “O Homem de Alcatraz”, de John
Frankenheimer (“Birdman of Alcatraz” - EUA, 1962)
Com a mão do craque John Frankenheimer, diretor que nunca se omitiu de
mostrar mazelas do sistema norte-americano e nem de aprofundar aspectos
psicológicos muitas vezes relegados à superficialidade, este filme traz a
realidade de uma penitenciária típica dos Estados Unidos a partir de um
conflito entre o pragmatismo e o humanismo. Um prisioneiro (Robert Stroud, por
Burt Lancaster) condenado pelo assassinato de dois homens passa a vida na
cadeia. Lá se torna um autodidata sobre pássaros, sendo reconhecido
mundialmente como uma grande autoridade no assunto. Mas, apesar de demonstrar
regeneração e um intelecto superior, o Estado se recusa a libertá-lo.
- “O Processo de Joana D’arc”,
de Robert Bresson (“Procès de Jeanne D´Arc” - FRA, 1962)
A austeridade e sobriedade de Robert Bresson emprestam ao filme uma
narrativa absolutamente austera, desde o uso de atores não-profissionais até o
centramento exclusivo aos documentos oficiais sobre o caso, passado no século
XV. Para muitos o grande filme do diretor, “O Processo...” mostra outro tipo de
prisão, a religiosa, uma vez que a iluminada Joana era considerada bruxa pelas
visões e percepções espirituais que tinha naturalmente. Com rigor, Reconstituiu
a prisão, o julgamento e a execução da mártir.
- “Fugindo do Inferno”, de John
Sturges (“The Great Escape” - EUA, 1963)
Clássico filme de prisão de guerra à época da Segunda Guerra e baseado
em fatos reais. Aliados tentam fugir de um campo de concentração alemão, o
Stalag Luft III, considerado como o mais seguro do gênero. Elenco impagável com Steve McQueen, James Garner, Richard Attenborough, Charles Bronson, James Coburn, entre outros feras. Globo de Ouro de Melhor Filme de Drama.
- “Rebeldia Indomável”, de Stuart Rosemberg (“Cool
Hand Luke” - EUA, 1967)
Filme impactante e com a excelente atuação de Paul Newman, que faz o
rebelde e inconsequente Luke Jackson. Preso, ele recusa-se a obedecer as regras
do local e ganha o respeito dos demais presidiários por sua valentia e
malandragem. Insiste em fugir, mas a cada nova recaptura as punições são mais
severas, aumentando constantemente o ódio entre ele e os guardas. Indicado ao
Oscar, Newman não levou este, que foi para o ator coadjuvante, George Kennedy.
Porém, em 2003, seu personagem Luke foi escolhido pelo American Film Institute
(AFI) como o trigésimo maior herói dos filmes norte-americanos.
Dustin Hoffman e Steve McQueen
em "Pappilon"
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- “Papillon”, de Franklin Schaeffner (EUA,
1973)
Obra-prima ainda pouco valorizada, esta superprodução é dos filmes mais
realistas e impactantes do gênero. Conta a história verídica de Henri Charrière
(Steve McQueen, novamente encarcerado), conhecido como Papillon, que, apesar de
reclamar inocência da acusação de assassinato, é condenado à prisão perpétua e
enviado para cumprir a sentença na Guiana Francesa, na Ilha do Diabo, num
presídio de segurança máxima. A direção de Schaeffner não deixa nada às
escuras: as torturas, a fome, as punições, a desumanidade do presídio, está
tudo ali. McQueen, impecável, assim como Dustin Hoffman (o amigo francês Dega).
Incrivelmente, recebeu apenas indicações no Oscar e Globo de Ouro, mas não
levou nada. Das injustiças históricas.
- “O Expresso da Meia-Noite”, de
Alan Parker (“Midnight Express” - ING, 1978)
Dos mais impactantes e dramáticos filmes do gênero, passa-se, ao
contrário das jaulas superequipadas dos Estados Unidos, numa insalubre e insana
prisão da Turquia. O saudoso Brad Davis interpreta magistralmente Billy Hayes,
um estudante norte-americano que é pego traficando drogas num aeroporto de
Istambul. Não só vai parar numa prisão degradante, onde é torturado física e
psicologicamente, como ainda recebe como exemplo uma pena mais rigorosa que o
normal. Parker, em ótima fase, leva o espectador a entrar num mundo de
introspecção e loucura, dando um sentido metafórico e simbólico ao título.
Oscar de Melhor roteiro adaptado, de Oliver Stone, e de Melhor Trilha Sonora,
com os marcantes temas synth-pop de Giorgio Moroder.
- “Alcatraz – Fuga Impossível”,
de Don Siegel (“Escape from Alcatraz” - EUA, 1979)
Para muitos, o maior filme de penitenciária já realizado, o que não é
nenhum absurdo. Ápice da parceria entre Siegel e Clint Eastwood, que interpreta
Frank Morris, um condenado que tem várias tentativas de fugas em seu histórico
e é enviado para a prisão de segurança máxima da Ilha de Alcatraz, conhecida
por não deixar nenhum preso fugir ou sair vivo numa escapada. Porém, obstinado
e calculista, Frank vê os pontos vulneráveis de Alcatraz e, com a ajuda de
alguns outros internos, cria uma rota de fuga perigosa e improvável. Não tem
como não torcer pelo bandido!
- “Furyo – Em Nome da Honra”, de
Nagisa Oshima (“Merry Christmas, Mr. Lawrence” - JAP/ING/NZL, 1983)
Raro filme do sempre profundo Oshima, que reúne dois gênios da música
como atores: David Bowie (em sua melhor atuação no cinema) e Ryuichi Sakamoto,
que assina também a ótima trilha. Na Segunda Guerra, num campo de concentração
na Ilha de Java, o prisioneiro inglês Jack Celliers (Bowie) provoca um conflito
quando decide não obedecer às rígidas regras do capitão Yonoi (Sakamoto),
insolência repudiada com violência. Porém, o oficial inglês se mantém
irredutível, o que enfurece ainda mais o capitão. Interessante reflexão sobre
orgulho, honra e os limites humanos tanto físicos quanto psicológicos.
Sônia Braga nos lances oníricos
do filme.
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- “O Beijo da Mulher Aranha”, de
Hector Babenco (BRA/EUA, 1984)
Um dos cineastas mais talentosos vivos, Babenco está nesta lista com
dois filmes. Um deles é este até então raro acerto de coprodução brasileira com
os EUA, uma vez que, quando se fazia, prevalecia o poderio yankee. Com
equilíbrio, Babenco consegue fazer com que Milton Gonçalves e José Lewgoy
ficassem no mesmo nível de William Hurt (Oscar de Melhor Ator pela atuação) e
Raul Julia, sem falar, claro, na participação mais que especial de Sônia Braga.
As sequências em que Hurt e Julia contracenam na cela são históricas em
diálogos e afinação entre atores, pois, além de talentosos, nota-se que estão
muito bem dirigidos.
- “Memórias do Cárcere”, de
Nelson Pereira dos Santos (BRA, 1984)
Prêmio da crítica em Cannes e Melhor Filme em Moscou (quando o evento
ainda era importante), este épico do cinema brasileiro é uma aula de construção
narrativa, a qual dialoga metalinguisticamente o tempo todo com a obra de
memórias escrita por Graciliano Ramos, quando este fora preso na vida real pelo
governo Getúlio Vargas. Ainda, atuações impecáveis de Carlos Vereda, José
Dumont, Tonico Pereira, os saudosos Jofre Soares e Wilson Grey e da jovem
Glória Pires. Cenas memoráveis, como a “transmissão” da Rádio Libertadora
dentro do quartel, o momento da deportação de Olga Benário e a ajuda dos presos
a esconderem os escritos do suposto
livro, entre outras várias.
- “Barrela: Escola de Crimes”,
de Marco Antonio Cury (BRA, 1990)
Daqueles filmes que tem tudo para ser monótono, mas o roteiro, as
atuações e a direção são tão bons que formam uma obra coesa. O texto teatral de
Plínio Marcos se encaixa com densidade à adaptação cinematográfica, sustentada
no jogo certo de distribuição das falas de cada personagem (todos MUITO nem
construídos) e nas atuações intensas de cada um dos atores. São seis presos
condenados a longas penas e confinados numa cela onde cada qual disputa seu
espaço. A situação se torna mais angustiante quando junta-se a eles um jovem de
classe média preso durante briga. Frustração, tristeza, humilhação, autoproteção.
Plínio Marcos tece tudo isso numa teia em que coabitam o amor mais profundo e inalcançável
ao abandono concreto e degradante.
- “Um Sonho de Liberdade”, de
Frank Darabont (“The Shawshank Redemption” - EUA, 1994)
Junto com “Alcatraz”, disputa o posto de grande filme de prisão da
história. Emocionante, toca em temas fortes como morte, amizade, religião,
injustiça e desejos essenciais do ser humano. Em 1946, Andy Dufresne (Tim
Robbins), um bem sucedido banqueiro, tem a sua vida radicalmente modificada ao
ser condenado por um crime que nunca cometeu, o homicídio de sua esposa e do
amante dela. É mandado para a Penitenciária Estadual de Shawshank, para cumprir
pena perpétua. Lá, conhece muita gente, desde o corrupto e cruel agente
penitenciário, o prisioneiro Ellis Boyd Redding (Morgan Freeman), com que faz
amizade, e até Al Capone, que cumpria sua pena lá depois de ser pego por Elliot
Ness. Figura na lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos pelo AFI.
- “Carandiru”, de Hector Babenco
(BRA, 2003)
Outro de Babenco, este ainda mais imerso na questão prisional. Ao
contrário de “O Beijo...”, entretanto, faz o movimento narrativo inverso: parte
do ambiente social para o da prisão, estabelecendo uma permanente comotivação
entre os dois espaços – física e psicologicamente. De narrativa moderna, faz
com estes paralelismos um dos melhores filmes nacionais da primeira década dos
anos 2000, estabelecendo diversos atores que se tornariam astros nos anos
seguintes, como Rodrigo Santoro, Lázaro Ramos, Wagner Moura e Caio Blat. A
história, baseada no best seller do médico e escritor Dráuzio Varella, culmina
no fatídico Massacre de 1992. Filmaço.
Os próprios presos constroem a
narrativa no documentário.
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- “O Prisioneiro da Grade de
Ferro”, de Paulo Sacramento (BRA, 2003)
Brilhante documentário de Sacramento em que ele coloca os próprios
presos a construir com ele o filme, numa cocriação que reforça o realismo
documental da proposta. Utilizando as técnicas aprendidas em um curso de
filmagem ministrado dentro do presídio, os detentos encarcerados no maior
centro de detenção da América Latina, o Carandiru, documentam seu cotidiano,
registrando as condições precárias nas quais sobrevivem. Filmado 10 anos após o
Massacre do Carandiru, que custou a vida de mais de uma centena de detentos,
mostra o quanto uma tragédia como esta promovida pelo Estado não se apaga com
facilidade, haja vista as marcas inapagáveis nas pessoas e na sociedade.
- “Leonera”, de Pablo Trapero
(ARG – 2008)
Do grande cineasta argentino Pablo Trapero, um dos maiores da
atualidade, tem a peculiaridade de contar a vida dentro de uma penitenciária
feminina, no caso uma para mães e grávidas sentenciadas. No caso de Julia (a
bela e talentosa Martina Gusman), acusada de um crime sem provas, o filme
mostra sua adaptação à nova realidade social, o que a transforma intimamente.
Porém, seu desejo de fugir dali nunca esmorece, e é isso que a move. Não é o
melhor de Trapero, mas guarda várias qualidades de seu cinema.
por Daniel Rodrigues
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