Curta no Facebook

terça-feira, 31 de maio de 2016

A Cor do Som – Teatro Bourbon Country – Porto Alegre/RS (29/05/2016)




A grande A Cor do Som em plena atividade.
Foi um acontecimento encantado que Porto Alegre presenciou na úmida noite de domingo. Afinal, a lendária banda A Cor do Som, com a formação original, resolveu reunir-se 32 anos depois da última vez e escolheu a capital gaúcha para estrear. A opção, aliás, se justificou plenamente. Num Bourbon Country lotado de fãs empolgados e emocionados, o grupo reviveu clássicos e sucessos, preenchendo uma ausência de quase todo esse tempo, haja vista que a última vez que pisaram num palco da cidade foi em 1981, no antigo Teatro Leopoldina. Aos que estavam lá àquela época, valeu a pena esperar, assim como para fãs como eu, que os somente bem depois os conheceu e passou a apreciar seu trabalho sui generis.

 O que se viu foi um verdadeiro espetáculo de musicalidade, virtuosismo e empatia de todos os integrantes com o público, o qual cantou todas as letras e soltou-se como poucas vezes vi nessas geladas terras gaúchas. Afinal, além de terem escrito a trilha sonora da adolescência de muitos dos presentes, os cinco músicos são capazes de conquistar públicos de todas as gerações. Intercalando suítes instrumentais com hits cantados, Armandinho (guitarra baiana e bandolim), Dadi (baixo), Mu Carvalho (teclados), Gustavo Schroeter (bateria) e Ary Dias (percussão),  trouxeram um repertório literalmente colorido, daqueles que se sai preenchido de alegria ao final. A mistura híbrida de funk, samba, pop, baião, reggae, choro, hard-rock, frevo, progressivo, maracatu, disco (e o que mais o ouvido conseguir detectar) faz com que criem um inclassificável tipo de jazz que somente uma banda desses trópicos como A Cor do Som – formada, entre outros, por remanescentes dos Novos Baianos e Banda do Zé Pretinho, Dadi e Mu, e descendentes diretos dos trios elétricos baianos, caso de Armandinho e Ary – pode conseguir.

E eles já saíram pondo tudo abaixo com “Saudação a Paz”, faixa que abre seu terceiro disco, de 1981. Em seguida, cantada com a voz suave do “leãozinho” Dadi, um dos grandes sucessos: “Abrir a Porta”, daquele que é talvez sua obra-prima, “Frutificar”, de 1979. Deste mesmo trabalho, mais uma maravilha instrumental na sequência: “Pororocas”, jazz-baião em que todos se esmeram, principalmente o virtuose Armandinho no bandolim, do qual ele extrai timbres de guitarra elétrica. Das cantadas, que contagiaram a plateia, ainda veio o lindo xote “Semente do Amor”, na voz de Mu (“Sim, é como a flor/ De água e ar luz e calor/ O amor precisa para viver/ De emoção, e de alegria/ E tem que regar todo dia...”), e “Beleza Pura”, do baiano e padrinho Caetano Veloso (autor do nome da banda e que lhes presenteou a música, um sucesso em 1979), que o conterrâneo Armandinho entoou.

De fato, a proximidade e o carinho que a música d’A Cor do Som tem para como os gaúchos é muito grande. Outra do mano Caetano encomendada a eles é uma que tem a cara de Porto Alegre. Aliás: é inspirada num dos bairros mais queridos da cidade, “Menino Deus”. A letra, de uma beleza incrível, claro, emocionou os que lá estavam a ouvindo na voz de Dadi: “Menino Deus, um corpo azul-dourado/ Um porto alegre é bem mais que um seguro/ Na rota das nossas viagens no escuro/ Menino Deus, quando tua luz se acenda/ A minha voz comporá tua lenda.”

Armandinho é ovacionado enquanto
sola no meio da plateia.
Vinham também sempre as instrumentais, que deixavam a plateia mais contemplativa e menos dançante, pois boquiaberta com tamanha destreza dos músicos e beleza musical. Caso de “Ticaricuriquetô”, de Armandinho, um misto de heavy-metal, frevo e rock progressivo em que o guitarrista arrasa com a pequena guitarra baiana. Dadi, Mu, Ary e Gustavo não ficam para trás nos solos, tanto quanto nas difíceis bases que as melodias exigem, remetendo muitas vezes à complexidade harmônica do jazz fusion de uma Weather Report ou Pat Matheny Group. Nessa linha, a talvez mais impressionante de toda a apresentação foi a clássica “Frutificar”, faixa-título do álbum de 1979 e de autoria de Mu. É ele quem a inicia com uma abertura quase erudita de alguns minutos conjugando piano e teclado elétrico. O baixo e a bateria entram de leve. É quando Ary, mais atrás no palco, ao lado da bateria, posiciona os bongôs à frente, pareando com o teclado e com Armandinho, que está ao centro. Ao comando do teclado, que intensifica o compasso, o percussionista deslancha uma intensa percussão típica africana, e aí quem entra é Armandinho. Cruzes! Num clima de trilha sonora de thriller de ação dos anos 70, os cinco se esbaldam nos improvisos e o tema vai num crescendo de emotividade até ganhar formas épicas. Um tema gigante.

Seguiram-se outras das melodiosas e cantaroláveis, como o reggae “Zero” e mais um hit: “Zanzibar”, em que Armandinho puxou a galera pra cantar e dançar. Houve o momento em que, durante o solo, o guitarrista, lá pelo meio do número, desce do palco e percorre os corredores da plateia. Solando! E solando MUITO bem! Fazia com a maior naturalidade o que muito guitarrista, mesmo totalmente parado e concentrado, não teria a mínima capacidade. Um monstro do instrumento. Para fechar, “Swingue Menina” pós todo o teatro pra se embalar ao som do reggae. O bis teve mais uma peça de pura habilidade e a gostosa “Dentro de Minha Cabeça”, em que Ary largou a percussão para assumir o microfone e cantar: “Dentro da minha cabeça/ Tenho um pensamento só/ Sei que não tenho juízo/ Dentro da minha cabeça/ Eu só quero amor/ Amor, amor...”. Detalhe: Ary dedicou-a a uma “amiga” das antigas que estava na plateia, a qual congelou tamanha a surpresa.

Juntamente com a saudosa Black Rio, A Cor do Som é certamente a grande banda de jazz brasileiro moderna. Porém, diferente dos autores de “Maria Fumaça”, cujas atividades se encerraram após perderem seu cabeça, Obderdan, já falecido, todos os seus integrantes estão ativos e em plena forma. Então, por que não aproveitar isso em vida, né? Foi essa celebração à vida, à música, às cores dos sons, que A Cor do Som compartilhou com todos nós esta noite. Lá fora podia já estar escuro e chuvoso, mas lá dentro estava colorido e iluminado.






Nenhum comentário:

Postar um comentário