Plasticidade sobre o palco. |
Como de praxe, abre-se com o espetáculo mais antigo. No caso de “Parabelo”, a escolha por esta e não outra peça de sucesso como “Corpo” (Arnaldo Antunes, 2000) ou “Onqotô” (Caetano Veloso e José Miguel Wisnik, 2005) parece bastante pontual, haja vista que, feitos quase 20 anos de sua estreia, continua dizendo muito sobre o trabalho dos Pederneiras e sua equipe. Para mim, mesmo já a tendo visto outras duas vezes anteriores nesse meio tempo, “Parabelo” é sempre uma avalanche emocional. Que belíssima montagem! Sobre músicas de Tom Zé e Wisnik, é, como disse antes, provavelmente a melhor coreografia do grupo e, igualmente, talvez a mais brilhante trilha sonora já escrita para eles – além de ser um dos grandes discos instrumentais de toda a música brasileira, certamente.
O rico e brasileiro "Parabelo" de 1997. |
Depois do arrebatamento total advindo com “Parabelo”, a estreia de fato. A nova montagem, feita sobre trilha de um velho parceiro do Corpo, o também mineiro Marco Antônio Guimarães, tem todos os quesitos de um grande espetáculo. A música, escrita para grande orquestra – a primeira feita nesses moldes para a companhia, geralmente tomada de brasilidade temática e instrumentalização idem – retraz elementos de trilhas dele para o Corpo, como em “21” (1992), “7 ou 8 Peças para Ballet” (1994) e “Bach” (1996). Igualmente, aciona células sonoras de outros trabalhos marcantes da trajetória do grupo ("Benguelê", 1998; “Santagustin”, 2002; “Sem Mim”, 2011; “Triz”, 2013) como que prestando pequenas homenagens – típicas das obras sinfônicas –, o que aqui soa como metalinguagem também.
Metalinguagem, aliás, é a chave para esta nova montagem do Corpo. A vida dedicada aos palcos e a relação vital entre artista e obra conceituam “Dança...”. A cenografia/iluminação e os figurinos dialogam o tempo todo ao usarem o vermelho encarnado do veludo, típico das cortinas dos teatros, e o preto do fundo da caixa cênica como o elemento escuro, a não-luz. Dessa forma, o conceito coreográfico de “Dança...” se baseia todo nestas cores-elementos, nesses dois estados emocionais de vida e morte, em que os dançarinos surgem e somem de “dentro” das cortinas ou do fundo infinito do palco, como se se desprendessem dali para apresentar movimentos e, em seguida, retornarem a suas origens: o imaterial, o nada.
Saltos e esticar de pernas, lembrando o balé clássico e moderno. |
Na comparação com o que se assistiu antes em “Parabelo”, entretanto, fica-se com uma sensação de “podia ser mais”. Mesmo forjando um universo mais onírico e fulgurante, acaba perdendo força diante daquela enxurrada de brasilidade, algo que marca muito a companhia nesses anos de estrada. Impossível assistir ao Corpo sem associá-los à uma tropicalidade. Isso não quer dizer que “Dança...”, enquanto proposta e realização, não tenha valido. Bem pelo contrário. É um trabalho em que se nota a simbiose entre artista e palco, vida e obra, encenação e real, luz e sombra. Uma justa homenagem que o Corpo presta ao teatro e a si mesmo enquanto artífice da arte da dança no Brasil e nas Américas. A nós, admiradores de longa data da companhia, que não só buscam não perder nenhuma estreia como ainda colecionam várias de seus CD’s (relembrando as danças a cada execução), a satisfação é completa. E com o gostinho da excitante dúvida: o que será que eles trarão daqui a dois anos na nova montagem? Isso fica para 2018.
Grupo Corpo - Dança Sinfônica
por Daniel Rodrigues
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