“’Chorando’ é um disco sonhado
por mim há muito tempo [...]
por mim há muito tempo [...]
Este trabalho não é propriamente
um disco de
minhas memórias,
mas uma primeira experiência
com o gênero musical que mais me
comove
dentro da nossa música popular.”
Paulinho da Viola
Paulinho da Viola é daqueles
artistas que têm em sua base elementos da identidade brasileira. Filho de
músico, Cesar Faria, cresceu num ambiente naturalmente musical. Na sua infância
em Botafogo, bairro tradicional da zona sul do Rio de Janeiro, teve contado
constante com a música através do pai, violonista integrante do conjunto Época
de Ouro. Nos ensaios familiares do grupo, Paulinho conheceu os ídolos Jacob do
Bandolim e Pixinguinha, entre muitos outros músicos que se reuniam para fazer
choro e eventualmente cantar valsas e sambas de diferentes épocas. Mais tarde,
antes mesmo de se tornar o cantor e compositor conhecido por clássicos como
“Foi um rio que passou em minha vida” e “Para ver as meninas”, Paulinho, na
segunda metade dos anos 60, já encabeçava um retorno triunfante do mesmo Época
de Ouro, então relegado pela indústria fonográfica diante das nascentes música
pop e MPB. Pois ele sempre soube valorizar a verdadeira arte, independentemente
do seu período. Afinal, não lhe existe essa fronteira entre antigo e novo.
Assim, em 1976, dentro do mesmo projeto em que buscava retrazer a si
sentidos do passado, deu-se a ideia de um disco inteiro de temas instrumentais
de choro, um dos estilos formadores de Paulinho da Viola, tanto no modo de
compor quanto de tocar violão ou cavaquinho. “Memórias Chorando”, um velho sonho do compositor, traz esse lado “chorão”
de Paulinho, que regrava clássicos, redescobre preciosidades e, claro, cria as
suas próprias. Além de temas seus, Paulinho vai aos grandes mestres, não se
limitando aos baluartes Pixinguinha e Benedito Lacerda, mas apresentando a face
desconhecida para muitos de Ary Barroso ao regravar-lhe “Chorando”, uma obra
praticamente inédita.
Ele começa com o seu preferido, o genial Pixinguinha, em “Cinco
Companheiros”, em que destaca o “equilíbrio
formal” da melodia, “poucas vezes
alcançado por um compositor num choro”, comenta. Paulinho, ao cavaquinho,
tem o apoio de um grande time de músicos, aliás, um fator importante para a
riqueza tanto de “Chorando” quanto de “Cantando”. Chiquinho, irmão mais novo de
Paulinho, excelente no bandolim; Cristóvão Bastos, um dos maiores pianistas
populares do Brasil e exímio arranjador ainda antes da Black Rio; o pai César
Faria, incomparável acompanhador, perfeito nas harmonizações; Dininho, filho do
histórico Dino Sete Cordas e responsável pelo baixo elétrico; Jorginho,
excepcional pandeirista, irmão de Dino e tio do Dininho; Hércules Pereira, na
bateria; e Chaplin, na percussão. Isso sem contar com o maestro Copinha na
flauta e saxofone, e do parceiro inseparável Elton Medeiros manuseando diversos
instrumentos de percussão.
A faixa-título, assim como no primeiro volume, é o segundo número do
disco. Porém, desta vez não se trata de uma composição própria, mas sim do raro
choro de Ary Barroso resgatado da memória afetiva de Paulinho. Trata-se de um
tema gravado nos anos 50 em que seu pai, Cesar, fora o arranjador. Nela,
Cristóvão abre solando por quase 2 minutos, aproximando-se do valseado que o
próprio Ary forjara ao piano na versão original. Já na segunda metade, entra o
restante da banda, e aí é o cavaquinho de Paulinho que domina. Excelente
violonista que é, Paulinho mostra igualmente seu domínio do limitado mas formoso
cavaquinho, instrumento dificílimo para o trabalho de “centro” e muito mais
ainda para o de solo. “O cavaquinho
‘solado’ não é muito fácil devido aos poucos recursos que oferece”, relata
Paulinho no detalhado texto do encarte. “A
palhetada, tanto para solar quanto para centrar, é de muita importância, e seu
completo desenvolvimento requer, às vezes, anos de experiência”.
A flauta de Copinha passeia pelos acordes animados de outra de
Pixinguinha, “Cuidado, Colega”, compositor que também se faz presente no álbum
na elegante “Cochichando”, em que o cavaquinho faz duo com a flauta, e a
maxixada “Segura Ele”, outra, assim como “Cuidado...”, parceria com Benedito
Lacerda. Todas canções de grande familiaridade aos ouvidos brasileiros, pois
ouvi-las é dar-se conta do quanto seus acordes são parte do acervo imaterial da
cultura do país.
Paulinho, entretanto, não deixa por menos quando se trata de chorar. Sabedor
do desafio que se impôs, ele cria temas e recupera outros de seu repertório
igualmente dignos de parearem com tais clássicos. ”Romanceando” é uma delas.
Dedicado a seu pai, é um choro cadenciado de mais de 10 anos que Paulinho
resgatava àquela altura. Ele e seu Cesar executam um dos mais lindos duos de
violões da música brasileira de todos os tempos, em uma harmonia musical apenas
explicável pelo inquestionável laço de afeto. Cristóvão e Copinha, este último
ao sax agora, não ficam para trás quando, na segunda metade, exercitam solos
igualmente lúcidos e sentimentais. Em clima parecido, a suplicante “Oração de
Outono” é daquelas cujo arranjo faz a ponte entre chorinho e música erudita,
ainda mais pelo som solene do fagote de Airton Barbosa.
Em homenagem à grande “violeira” Rosinha de Valença, com quem Paulinho
tocara tal tema em parceria, “Rosinha, Essa Menina” traz ao choro um ar da
guitarra nordestina, em que o solo se vale das notas mais agudas. Também em
ritmo alegre, “Beliscando” retraz a atmosfera dos velhos chorões alegres e
espevitados como os de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga.
“Choro de Memórias”, de estrutura formal rigorosa, é um verdadeiro
exercício da modulação própria que tem o gênero, que vai da tonalidade maior à
menor e vice-versa, passeando por entre ambas em seu decorrer. O encerramento
do disco é romântico e intenso, como se Chopin se visse um chorista, cabendo a
Cristóvão dedilhar-lhe inteira com carinho e sensibilidade. Com esta, escrita
em homenagem a Jacob do Bandolim e não coincidentemente intitulada
“Inesquecível”, Paulinho dá a mensagem de que jamais o choro se perderá da
memória nesse vasto cancioneiro que a música do Brasil carrega como poucas
nações culturais. Não se depender dele.
FAIXAS:
1. Cinco Companheiros (Pixinguinha) - 3:16
2. Chorando (Ary Barroso) - 4:16
3. Cuidado, Colega (Benedito Lacerda, Pixinguinha) - 2:55
4. Romanceando - 4:37
5. Cochichando (Alberto Ribeiro, João De Barro, Pixinguinha) - 3:36
6. Rosinha, Essa Menina - 2:47
7. Oração de Outono - 3:55
8. Beliscando - 3:05
9. Segura Ele (Benedito Lacerda, Pixinguinha) - 2:02
10. Choro de Memórias - 2:12
11. Inesquecível - 4:10
todas composições de Paulinho da
Viola, exceto indicadas.
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Ouça:
Paulinho da Viola Memórias Chorando
por Daniel Rodrigues
Lendo e ouvindo o álbum,muito bom.
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