Uma das marcas mais confiáveis da indústria cinematográfica da atualidade não é necessariamente um cineasta ou uma escola, mas, sim a Disney/Pixar. Invariavelmente, suas produções, seja em curta ou longa metragens, agradam (quando não surpreendem) tanto quem busca por entretenimento quanto por arte. “Viva – A Vida é uma Festa”, de Lee Unkrich e Adrian Molina, é um bom exemplo. Para quem como eu e Leocádia, que nos sentimos desassistidos diante da grade dos cinemas comerciais, optar por ver uma animação da Pixar ao invés de qualquer blockbuster tão “real” quanto descartável é um acerto no alvo. Afora a qualidade técnica indiscutível, os filmes da produtora estabelecem alto poder de diálogo com o público adulto (às vezes, até priorizando-o, caso de “Wall-E”) e, ao mesmo tempo, divertem a criançada.
“Viva” tem, de fato, grandes méritos, tanto que é um dos concorrentes ao Oscar de Melhor Animação e Canção Original deste ano. Na história, Miguel Rivera é um menino de 12 anos que quer muito ser um músico famoso, mas ele precisa lidar com a desaprovação de sua família de tradicionais sapateiros traumatizada com um episódio do passado em que um músico os abandonou para nunca mais voltar. Determinado a seguir os passos do seu ídolo, o cantor Ernesto de La Cruz – espécie de Roberto Carlos mexicano, mas já falecido –, ele acaba desencadeando uma série de eventos e aventuras no feriado mexicano do Dia dos Mortos, celebrado com devoção no México. Estes, por sinal, envolvem tanto a sua família – sejam os entes vivos ou não – quanto o misticismo peculiar do povo mexicano, cuja linha entre vida e morte é estreita – pelo menos, quando os sentimentos estão aflorados para o feriado de finados.
O simpático Dante: mensageiro entre os dois mundos |
Um dos aspectos folclóricos a que me refiro é exatamente a morte e como esta se dá no imaginário do povo mexicano. A sensibilidade de artista e de criança do pequeno Miguel é usada para mostrar como a antiga cultura mexicana mistifica a morte e, ao mesmo passo, a elabora melhor do que o convencionado no Ocidente. Seja no mundo dos vivos ou dos mortos, o que mantém as relações é o afeto e a energia que este emana. Sem a energia vital, capaz de manter acesa a memória afetiva, as pessoas são esquecidas e desaparecem. Este lado espiritualista do ser mexicano, advindo dos povos indígenas originários, é abordado com delicadeza e reverência. Um exemplo são os bichos, como o simpático cão Dante, naturalmente conectado com os diferentes planos de existência por sua condição de pureza animal.
O pequeno Miguel em sua aventura no mundo dos mortos |
Toda criança – ou adulto – tem a sua animação da Pixar preferida. Há os que adoram “Toy Story”, “Os Incríveis”, “Up – Altas Aventuras”, “Monstros S.A.” ou outro título. A variedade e a qualidade é grande. “Viva”, com certeza, passa a figurar nessa lista. Ao se valer como tema o México com suas tradições, folclores e história, o filme presta uma bela homenagem à cultura do país vizinho de Estados Unidos numa época em que este vem sofrendo com a política protecionista do governo Trump, principalmente no que diz respeito aos imigrantes. Resta ver se, na premiação do dia 4 de março, essa valorização vai realmente se concretizar. Qualidade para isso, “Viva” tem sem nenhuma dúvida.
Daniel Rodrigues
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