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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

30 anos de construção de uma identidade cultural extintos numa única medida provisória


Sou produtora cultural desde 1998 e, em 20 anos de atividades ininterruptas, realizei projetos em todas as áreas e segmentos. Neste tempo acompanhei a criação de associações, institutos, fundos, leis e processos colaborativos. Aprendi a escrever projetos orientada por planos públicos governamentais, a encaminhar propostas e ver o dinheiro público sendo aplicado em cultura beneficiando diversas comunidades. Muitas etnias ganharam voz. Muitos grupos discriminados começaram a ser vistos, a ser reconhecidos como emissores culturais. Muitas expressões nesse imenso país ganharam forma e ampliaram-se uns aos outros na escuta. Todo o investimento cultural foi uma conquista lapidada em anos de trabalho por muitas pessoas que desenvolveram políticas culturais para todos, vencendo obstáculos, preconceitos e autoestimas até então destinadas somente a ações estrangeiras. O Brasil se deu conta que é criativo e que mantém parte da sociedade de forma econômica via cultura. A cada passo dado para avançar positivamente nesse cenário, às vezes, sedia alguns passos para trás, pois quase sempre alguma notícia de descrença nesse processo legítimo era questionado.

Precisamos entender que existir culturalmente livre não fez parte da historia da América Latina, por causa da questão bélica militar que marca a história desse continente. Então toda essa estrutura cultural é um ato de descoberta de uma identidade e de uma força de produção antes nunca desvelada. Por isso termos um Ministério da Cultura, e demais instituições estaduais e municipais exclusivamente cuidando da cultura brasileira é um bem resultante de muita luta, muita sapiência e dedicação.

Entretanto, estávamos numa fase ainda muito inicial dessa construção e por isso essa medida expedida ontem pelo atual Presidente da Republica é um ato que terá consequências históricas graves para todos nós, trabalhadores da cultura ou simplesmente consumidores.

Nestes anos de leis e planos nacionais desenvolvidos para a promoção cultural brasileira, inúmeras propostas incentivaram e patrocinaram atividades das mais diversas, envolvendo todas as áreas culturais. Boa parte dessa construção cultural faz parte da minha história de vida. Sou parte da grande massa de produtores culturais que organizaram seus projetos culturais através das leis de incentivo à cultura, entre elas a Rouanet, criada com o objetivo de incentivar e fomentar políticas culturais pelo país.

Sem um órgão legislador que responda por essa manutenção das políticas, parte dessa estrutura virá abaixo. E fico pensando como será nos próximos anos reorganizar a cadeia produtiva cultural de forma livre.

Nesse 3 de janeiro de 2019, lamento imensamente que esse ato tenha ocorrido tão logo a posse presidencial porque só evidencia o despreparo que esse grupo de “políticos” carrega consigo. A partir de hoje todos nós perderemos boa parte do que conquistamos de maneira coletiva, suada e dialogada exaustivamente ao longo de 30 anos. Uma das fontes que mantém a vida pulsando. Hoje uma ação somada às recentes notícias quanto a exclusão de políticas para os grupos LGTBs, da demarcação das terras indígenas e sobre a importância dos alimentos orgânicos, sei que outras tantos desmanches virão. Mas desde que houve eleições eu sabia que nada seria em prol do aprimoramento e respeito humano, porque quem assumiu esse comando precisa aprender a utilizar o poder de maneira benéfica e não destrutiva. Ao destruir políticas, segmentos, etnias e mobilizações de grupos sociais variados, se criará o quê?

2019 começou, e nós vamos continuar existindo de maneira ainda mais intensa, criativa e resistente do que antes. Apesar de você!


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