por Leocádia Costa
Sou produtora cultural desde 1998 e, em 20 anos de
atividades ininterruptas, realizei projetos em todas as áreas e segmentos.
Neste tempo acompanhei a criação de associações, institutos, fundos, leis e
processos colaborativos. Aprendi a escrever projetos orientada por planos
públicos governamentais, a encaminhar propostas e ver o dinheiro público sendo
aplicado em cultura beneficiando diversas comunidades. Muitas etnias ganharam
voz. Muitos grupos discriminados começaram a ser vistos, a ser reconhecidos como
emissores culturais. Muitas expressões nesse imenso país ganharam forma e
ampliaram-se uns aos outros na escuta. Todo o investimento cultural foi uma
conquista lapidada em anos de trabalho por muitas pessoas que desenvolveram políticas
culturais para todos, vencendo obstáculos, preconceitos e autoestimas até então
destinadas somente a ações estrangeiras. O Brasil se deu conta que é criativo e
que mantém parte da sociedade de forma econômica via cultura. A cada passo dado
para avançar positivamente nesse cenário, às vezes, sedia alguns passos para
trás, pois quase sempre alguma notícia de descrença nesse processo legítimo era
questionado.
Precisamos entender que existir culturalmente livre não fez
parte da historia da América Latina, por causa da questão bélica militar que
marca a história desse continente. Então toda essa estrutura cultural é um ato
de descoberta de uma identidade e de uma força de produção antes nunca
desvelada. Por isso termos um Ministério da Cultura, e demais instituições
estaduais e municipais exclusivamente cuidando da cultura brasileira é um bem
resultante de muita luta, muita sapiência e dedicação.
Entretanto, estávamos numa fase ainda muito inicial dessa
construção e por isso essa medida expedida ontem pelo atual Presidente da
Republica é um ato que terá consequências históricas graves para todos nós,
trabalhadores da cultura ou simplesmente consumidores.
Nestes anos de leis e planos nacionais desenvolvidos para a
promoção cultural brasileira, inúmeras propostas incentivaram e patrocinaram
atividades das mais diversas, envolvendo todas as áreas culturais. Boa parte
dessa construção cultural faz parte da minha história de vida. Sou parte da
grande massa de produtores culturais que organizaram seus projetos culturais
através das leis de incentivo à cultura, entre elas a Rouanet, criada com o
objetivo de incentivar e fomentar políticas culturais pelo país.
Sem um órgão legislador que responda por essa manutenção das
políticas, parte dessa estrutura virá abaixo. E fico pensando como será nos próximos
anos reorganizar a cadeia produtiva cultural de forma livre.
Nesse 3 de janeiro de 2019, lamento imensamente que esse ato
tenha ocorrido tão logo a posse presidencial porque só evidencia o despreparo
que esse grupo de “políticos” carrega consigo. A partir de hoje todos nós
perderemos boa parte do que conquistamos de maneira coletiva, suada e dialogada
exaustivamente ao longo de 30 anos. Uma das fontes que mantém a vida pulsando.
Hoje uma ação somada às recentes notícias quanto a exclusão de políticas para
os grupos LGTBs, da demarcação das terras indígenas e sobre a importância dos
alimentos orgânicos, sei que outras tantos desmanches virão. Mas desde que
houve eleições eu sabia que nada seria em prol do aprimoramento e respeito
humano, porque quem assumiu esse comando precisa aprender a utilizar o poder de
maneira benéfica e não destrutiva. Ao destruir políticas, segmentos, etnias e
mobilizações de grupos sociais variados, se criará o quê?
2019 começou, e nós vamos continuar existindo de maneira
ainda mais intensa, criativa e resistente do que antes. Apesar de você!
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