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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Crosby, Stills & Nash - “CSN” (1977)



“CSN&Y nunca fará uma turnê de novo, jamais... mas eu amo esses caras.” 
Neil Young


Como falei noutra ocasião sobre o disco "Zuma", do Neil Young, pra fazer justiça pros meus velhos queridos Stephen Stills, Graham Nash e David Crosby, falo agora de “CSN”, de 1977. Aquele dos três no barco do Stills. Comprei este disco no segundo semestre de 1977, quando terminava o 2º Grau no glorioso Colégio Estadual Inácio Montanha, em Porto Alegre, e fazia o IPV (Lembram? Claro que não!). Já tinha ouvido os discos deles em casa de amigos, mas nunca tinha comprado um. E acertei na mosca. O disco é maravilhoso, talvez o melhor deles, mesmo que não tenha um sucesso estrondoso da carreira do trio. Nesta época, em plena era punk, os já veteranos apostavam na música para se manter acima da superfície do mercado. Conseguiram: o disco chegou ao segundo lugar entre os mais vendidos na ocasião.

E o que se pode dizer de um disco que começa direto com uma obra-prima como “Shadow Captain”, composta por Crosby e pelo tecladista Craig Doerge. Segundo o próprio Crosby, ela foi feita no seu barco, 220 milhas longe da costa, quando acordou num dia e resolveu escrever toda a letra numa sentada. O piano de Doerge e a guitarra slide de Stills dão o tema musical que carrega as harmonias vocais. Neste disco, uma curiosidade: Crosby ainda não tinha mergulhado nas drogas de forma absoluta. Portanto, eles não precisavam de ajuda nas vozes, como no disco posterior, “Daylight Again”, de 1982, no qual ArtGarfunkel dá uma força. No refrão, “Shadow Captain” diz “Quem guia este barco/ sonhando através do mar/ Virando e procurando/ Qualquer que seja o jeito que te agradar/ Fale comigo/ Preciso ver seu rosto/ Capitão ensombreado/ num lugar escuro”.

“See the Changes” tem o violão de Stills e aqueles vocais pelas quais eles ficaram conhecidos. Na canção, Stills fala das mudanças pelas quais um homem passa e do encontro com uma mulher que, finalmente, o entende. “Ela tem me visto mudando/ não tem sido fácil rearranjar/ E fica mais difícil à medida que se envelhece/ Ficando cada vez mais longe quanto mais perto você chega”.

“Carried Away” é a primeira contribuição de Graham Nash no disco. Uma balada com direito a solo de harmônica. De acordo com o próprio Nash, sua esposa Susan não gosta desta música, pois fala de uma paixão platônica que o compositor teve na Flórida por uma mulher que viu numa cafeteria. A letra é bem explícita: “Você veio dos céus/ Sua pele e seus olhos/ As cores do bronze/ A lua em seu ouvido/ Brilhou e resplandeceu/ Em breve, você terá ido embora... mudando através das minhas mudanças/ tão rápido quanto possa/ tentando trazer o balanço entre eu e o homem/ Parte de mim está gritando para dizer/ que quero ser carregado pra longe”. É claro que Susan não gostou. Só ver esta mulher na rua fez Nash querer ir embora. A suavidade de Nash aflorando.

A faixa seguinte, “Fair Game”, tem uma levada latina, bem ao estilo caribenho do gosto de Stills, que dá um show no violão. Na época, separado da cantora francesa Dominique Sanson, ele estava pronto pro jogo e “Fair Game” conta uma história assim. “Encontre uma maneira de chegar nela, se faça de bobo/ Mas faça com um pouco de classe, não siga as regras/ porque este cara sabe que chegar ao fundo do poço não vai te conseguir uma namorada/ o patinho feio ataca novamente e ele vai decidir seu destino/ e você é um alvo/ Nunca vai saber o que ela vai decidir/ Você é o alvo/ apenas relaxe e aproveite”.

“Anything at All” traz a ironia sempre presente de Crosby em dia. Um contestador pro bem e pro mal, David Crosby sempre fez da metáfora e da linguagem figurada o mote para suas canções. Vide “Almost Cut My Hair”, do disco “Déja Vu”, onde fala da briga do establishment com os cabelos compridos no final dos anos 60. Aqui, ele vai um pouco mais longe: “Tudo que você quiser saber/ me pergunte/ eu sou o cara mais opinativo do mundo/ Te darei uma resposta se eu puder/ pegue uma que estiver passando/ se for legal pra você... tudo que você quiser saber apenas pergunte/ vale cada centavo/ mas pra você é de graça/ liquidação especial/ Tudo que você quiser saber/ você vê apenas abaixo da superfície da lama/ tem mais lama aqui/ Surpresa...”.

Já “Cathedral” conta uma experiência de Nash na Winchester Cathedral em Londres, após tomar LSD no dia do seu 32º aniversário. Esta canção e “Dark Star” são as únicas que eles mantêm no repertório de seu show. Vi eles em SP em 2012 e pirei. A viagem literal de Nash começa na catedral, passa por um túmulo de uma pessoa que morreu em 1779 e vai terminar em Stonehenge. Põe viagem nisso! “Abre as portas e me deixe sair daqui/ Muitas pessoas mentiram em nome de Cristo/ para qualquer um considerar o chamado/ muitas pessoas morreram em nome de Cristo/ que não posso acreditar de jeito nenhum/ e agora estou sobre um túmulo de um soldado que morreu em 1779/ E o dia em que ele morreu era um aniversário/ e notei que era o meu/ e na minha cabeça não sabia quem eu era/ comecei a voltar no tempo/ e estou chapado no altar/ chapado no altar, chapado”. Tudo isso com um arranjo de cordas que dá uma sensação de grandiosidade à faixa.

O lado 2 começa com “Dark Star”, mais uma música latina de Stills com Ray Barretto nas congas e Russ Kunkel na bateria, tirando um mezzo samba de americano dos couros e pratos. A canção tem ainda os solos de piano elétrico de Doerge e do violão de Stills que valem o ingresso. Na letra, ele fala de um amor que rolou. Como namorou Judy Collins, Joni Mitchell e Rita Coolidge, não se sabe quem é a “vítima”, mas a música é ótima e os vocais vêm com tudo. “Estrela negra, te vejo pela manhã/ Estrela negra, dormindo perto de mim/ estrela negra, deixe a memória da tarde/ ser a primeira coisa que você pensa/ quando abre seus olhos e me vê, estrela negra”. A convivência, às vezes, não é pacífica, mas Stills tem esperança que as coisas se ajeitem.

”Just a Song before I Go” foi o sucesso radiofônico da época, mais uma daquelas baladas românticas de Nash. Mais uma vez, Nash se envolve com uma mulher, agora no aeroporto, depois de uma turnê. “Ela me ajudou com minha mala/ Ela parou em frente aos meus olhos/ me carregando ao aeroporto/ e pelos céus amigáveis/ passando pela segurança/ eu a segurei por muito tempo/ ela finalmente olhou pra mim com amor/ e se foi”. Um daqueles amores efêmeros que rolam durante uma turnê. Rendeu o 7º lugar na parada dos compactos da Billboard na época.

“Run From Tears” é o momento roqueiro de Stephen Stills. Mais uma vez, os amores desfeitos são o mote da canção: “Não fujo das lágrimas/ esta é a minha fraqueza/ E sei que você ainda me ama/ apesar de não acreditar nisso..você está me punindo/ pela minha fraqueza/ quando souber a meu respeito/ não vai poder bater tão forte/ e não quis te subestimar/ apenas sabia que me sentia bem em casa/ mas você me deixou tão desencantado/ estava cego é claro até que você foi embora”. A guitarra de Stills sola furiosamente sob uma base do órgão de Mike Finnigan, ex-músico de Jimi Hendrix e que integrou a banda de CS&N no final dos 70 e começo dos 80.

“Cold Rain” é mais uma música de Nash composta lembrando seus tempos de Inglaterra, quando fazia parte do grupo The Hollies. Ele fala em terceira pessoa de si mesmo. “Chuva fria cai sobre meu rosto/ ônibus se apressam/ Trabalho terminou, aí vem a turba/ Pessoas indo pra casa/ Não te conheço?/ Não te vi antes?/ Você parece com alguém que eu conheço/ ele viveu aqui, e se foi/ quando achou que tinha mais”.

A penúltima música, “In My Dreams” traz Crosby e um clima jazzístico acústico, com direito a vibrafone de Joe Vitale. Como Crosby sempre foi apaixonado por músicas com vocalize, esta realmente ter sido composta sem letra e o autor resolveu contar um pouco da história de camaradagem e desavenças do trio (ou quarteto, se lembrarmos que Neil Young entrou e saiu deste grupo milhões de vezes, ou ainda da dupla que mantém com Nash há anos). “Duas ou três pessoas entrando e saindo do ar/ como uma emissora de rádio que fico pensando/ mas não consigo ouvir/ quem traz o café da manhã?/ Quem traz o almoço?/ Quem é o líder desta turma?/ Quem vai conduzir?”

Pra encerrar a fatura, Stills volta com sua guitarra enlouquecida solando sobre uma cama de cordas arranjadas por Mike Lewis em “I Give You Give Blind”. Ele também toca o piano, que carrega a melodia. Como em todo o disco, a busca do amor não é fácil e Stepehn Stills reclama: “Ei, você gosta de ficar sozinha?/ E me diga quando vai voltar pra casa/ Por que me deixou abandonado/ Você me fez pirar... Então o amor não pode se perder tão fácil/ e viver não vai ser tão tranquilo e sereno/ olhe em meus olhos e veja o que estou falando”.

Um belo disco, com vocais maravilhosos e atuações musicais perfeitas. O que se pode querer mais? Quem não conhece, tá aqui. E pra quem já ouviu, mais uma chance de se deliciar com os três.

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FAIXAS

1. "Shadow Captain" (David Crosby, Craig Doerge) - 4:32
2. "See the Changes" (Stephen Stills) - 2:56
3. "Carried Away" (Graham Nash) - 2:29
4. "Fair Game" (Stills) - 3:30
5. "Anything at All" (Crosby) - 3:01
6. "Cathedral" (Nash) - 5:15
7. "Dark Star" (Stills) - 4:43
8. "Just A Song Before I Go" (Nash) - 2:12
9. "Run from Tears" (Stills) - 4:09
10. "Cold Rain" (Nash) - 2:32
11. "In My Dreams" (Crosby) - 5:10
12. "I Give You Give Blind" (Stills) - 3:21

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OUÇA O DISCO

por Paulo Moreira

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