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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Jimmy Smith - “Back At The Chicken Shack - The Incredible Jimmy Smith” (1960)




"Smith transformou a péssima imagem do órgão com sua emocionante síntese de bebop, blues e gospel, fazendo uma música arrebatadora. Ele criou um novo estilo – o soul jazz – e seus muitos discípulos formaram bandas em torno da Hammond B3”.
Andrew Gilbert, escritor norte-americano e especialista em jazz

O som cheio e reconfortante aos ouvidos do órgão, em seus mais variados tipos, é capaz de tocar a alma. Ligado à tradição sacra, muitos cultos, seja nos templos católicos ou protestantes, foram celebrados ao longo dos séculos ao som de seus tubos comprimidores de ar. Um som que remete à libertação e ao louvor. Não era de se estranhar que sua sonoridade de adequasse à música moderna, principalmente aquela derivada dos negros, mestres em harmonizar religião e arte. Vendido para igrejas como uma alternativa de baixo custo aos órgãos convencionais, o modelo eletromecânico Hammond caiu como uma luva não apenas para a música gospel, mas, consequentemente, para o rhythm and blues, o blues, o rock, o reggae e, claro, o jazz, gênero acostumado tanto a tocar almas quanto a inovar. Grande responsável por juntar estes dois polos, tradição e modernidade, corpo e espírito, foi o tarimbado organista norte-americano Jimmy Smith. “Back At The Chicken Shack”, além de marcar a criação de um novo subgênero, a soul jazz (o que, por si só, já justificaria o adjetivo "incrível" que lhe é dado no título do álbum), também abriu portas para toda uma geração de músicos tanto no jazz quanto na música pop. 

Smith sempre teve um pé na igreja e outro nos nightclubs. Nascido em 1928, na Filadélfia, frequentou nos anos 40 a Hamilton School of Music e a Ornstein School of Music, ambas na sua cidade, onde estudou piano. O primeiro contato com um Hammond foi em 1951, mas foi três anos depois, quando conheceu a portátil versão B3 do aparelho que, desde então, não parou mais de ganhar notoriedade no meio musical, seja nas renomadas casas de Nova York Café Bohemia e o clube Birdland, seja em festivais de jazz como o de Newport. Em meados dos anos 50, Smith já era o grande nome do órgão do jazz, popularizando como ninguém o instrumento ao longo dos anos. Se antes havia alguma resistência ao instrumento, o músico desfez totalmente qualquer preconceito. “Back...”, seu 24º álbum, carrega com muita propriedade todas as vertentes assimiladas por ele até então, fundindo como jamais se havia ousado bebob, blues e gospel. E o faz com altíssima sofisticação. Tanto que os 60 anos que o disco completa em 2020 parecem torná-lo ainda mais moderno e atemporal - aliás, como todas as obras que contém essas qualidades: poderia ter sido realizado ontem que continuaria soando atual.

Jimmy Smith detonando o seu Hammond B3: o sacro
órgão agora faz parte do som da música pop
Veja-se, então, a preciosa faixa-título, um blues cheio de groove e perícia, tanto de Smith como dos companheiros de banda: Stanley Turrentine, saxofone tenor, Kenny Burrell, guitarra, e Donald Bailey, bateria. Esse time, produzido por Alfred Lion e comandados na mesa de som por Rudy Van Gelder, só podia dar num grande disco, histórico, diga-se. Outra de suingue puro é “Minor Chant”, Nesta, a astúcia fica por conta do sax de Turrentine, autor da faixa, sustentado pelas mãos seguras Smith ao órgão na base. No que prossegue, no entanto, é o próprio band leader que impressiona com o seu improviso.

A popular “When I Grow Too Old To Dream”, blues leve e melodioso, tem ares românticos na entonação de Turrentine, que dá o tom em praticamente metade dos quase 10 minutos da faixa. Vez de Smith entrar aprontando um solo mais colorido, herança das manhãs de culto na igreja em que punha os fiéis para sacolejar em nome de Deus. “When...” só perde em tonalidades e em tempo de duração para a última faixa, “Messy Bessie”, quando os músicos aproveitam seus mais de 12 minutos para explorar a sonoridade do blues mais uma vez. Todos têm a sua vez: Burrell e Turrentine, sempre hábeis; Bailey, perfeito no andamento e variações; e Smith, evidentemente, fazendo seu órgão elétrico elevar-se como é da natureza do clássico instrumento.

Mandando às favas o preconceito com o órgão, até então espécie de primo pobre do acordeão ou da autoharp, Smith tornou o instrumento cool e, de quebra, influenciou uma constelação de organistas de jazz, incluindo Jimmy McGriff, Don Patterson, Richard "Groove" Holmes, Joey DeFrancesco, Tony Monaco e Larry Goldings, além de tecladistas de rock como Jon Lord, Brian Auger e Keith Emerson. “Back...” é um disco pop por natureza, desde a descontraída capa, que contrariava as taciturnas artes da Blue Note (Smith em um galinheiro acompanhando de um cão galgo), até a sua sonoridade inovadora, que conversa com a música pop, sendo um dos grandes responsáveis por essa fusão. Para Smith, no entanto, este resultado era mais do que natural: bastava tocar seu órgão para, consequentemente, tocar a alma das pessoas. 

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FAIXAS:
1. “Back At The Chicken Shack” (Jimmy Smith) - 8:00
2. “When I Grow Too Old To Dream” (Hammerstein/Romberg) - 9:59
3. “Minor Chant” (Stanley Turrentine) - 7:30
4. “Messy Bessie” (Smith) - 12:30

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OUÇA O DISCO:
Jimmy Smith - “Back At The Chicken Shack”


Daniel Rodrigues

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