"Smith transformou a péssima imagem do órgão com sua
emocionante síntese de bebop, blues e gospel, fazendo uma música arrebatadora.
Ele criou um novo estilo – o soul jazz – e seus muitos discípulos formaram
bandas em torno da Hammond B3”.
Andrew Gilbert, escritor norte-americano e especialista em
jazz
O som cheio e reconfortante aos ouvidos do órgão, em seus
mais variados tipos, é capaz de tocar a alma. Ligado à tradição sacra, muitos cultos, seja nos templos católicos ou
protestantes, foram celebrados ao longo dos séculos ao som de seus tubos comprimidores de ar. Um som
que remete à libertação e ao louvor. Não era de se estranhar que sua sonoridade de
adequasse à música moderna, principalmente aquela derivada dos negros, mestres em harmonizar religião e arte. Vendido
para igrejas como uma alternativa de baixo custo aos órgãos convencionais, o modelo
eletromecânico Hammond caiu como uma luva não apenas para a música gospel, mas,
consequentemente, para o rhythm and blues, o blues, o rock, o reggae e,
claro, o jazz, gênero acostumado tanto a tocar almas quanto a inovar. Grande
responsável por juntar estes dois polos, tradição e modernidade, corpo e
espírito, foi o tarimbado organista norte-americano Jimmy Smith. “Back At The
Chicken Shack”, além de marcar a criação de um novo subgênero, a soul jazz (o que, por si só, já justificaria o adjetivo "incrível" que lhe é dado no título do álbum),
também abriu portas para toda uma geração de músicos tanto no jazz quanto na música pop.
Smith sempre teve um pé na igreja e outro nos nightclubs. Nascido
em 1928, na Filadélfia, frequentou nos anos 40 a Hamilton School of Music e a
Ornstein School of Music, ambas na sua cidade, onde estudou piano. O primeiro
contato com um Hammond foi em 1951, mas foi três anos depois,
quando conheceu a portátil versão B3 do aparelho que, desde então, não parou mais
de ganhar notoriedade no meio musical, seja nas renomadas casas de Nova York
Café Bohemia e o clube Birdland, seja em festivais de jazz como o de Newport. Em meados
dos anos 50, Smith já era o grande nome do órgão do jazz, popularizando como
ninguém o instrumento ao longo dos anos. Se antes havia alguma resistência ao instrumento, o músico desfez totalmente qualquer preconceito. “Back...”, seu 24º álbum, carrega com
muita propriedade todas as vertentes assimiladas por ele até então, fundindo
como jamais se havia ousado bebob, blues e gospel. E o faz com altíssima
sofisticação. Tanto que os 60 anos que o disco completa em 2020 parecem
torná-lo ainda mais moderno e atemporal - aliás, como todas as obras que contém
essas qualidades: poderia ter sido realizado ontem que continuaria soando
atual.
Jimmy Smith detonando o seu Hammond B3: o sacro órgão agora faz parte do som da música pop |
A popular “When I Grow Too Old To Dream”, blues leve e
melodioso, tem ares românticos na entonação de Turrentine, que dá o tom em
praticamente metade dos quase 10 minutos da faixa. Vez de Smith entrar
aprontando um solo mais colorido, herança das manhãs de culto na igreja em que
punha os fiéis para sacolejar em nome de Deus. “When...” só perde em
tonalidades e em tempo de duração para a última faixa, “Messy Bessie”, quando
os músicos aproveitam seus mais de 12 minutos para explorar a sonoridade do
blues mais uma vez. Todos têm a sua vez: Burrell e Turrentine, sempre hábeis; Bailey,
perfeito no andamento e variações; e Smith, evidentemente, fazendo seu órgão
elétrico elevar-se como é da natureza do clássico instrumento.
Mandando às favas o preconceito com o órgão, até então
espécie de primo pobre do acordeão ou da autoharp, Smith tornou o instrumento
cool e, de quebra, influenciou uma constelação de organistas de jazz, incluindo
Jimmy McGriff, Don Patterson, Richard "Groove" Holmes, Joey
DeFrancesco, Tony Monaco e Larry Goldings, além de tecladistas de rock como Jon
Lord, Brian Auger e Keith Emerson. “Back...” é um disco pop por natureza, desde
a descontraída capa, que contrariava as taciturnas artes da Blue Note (Smith em
um galinheiro acompanhando de um cão galgo), até a sua sonoridade inovadora,
que conversa com a música pop, sendo um dos grandes responsáveis por essa fusão.
Para Smith, no entanto, este resultado era mais do que natural: bastava tocar
seu órgão para, consequentemente, tocar a alma das pessoas.
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FAIXAS:
1. “Back At The Chicken Shack” (Jimmy Smith) - 8:00
2. “When I Grow Too Old To Dream” (Hammerstein/Romberg) - 9:59
3. “Minor Chant” (Stanley Turrentine) - 7:30
4. “Messy Bessie” (Smith) - 12:30
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OUÇA O DISCO:
Daniel Rodrigues
Maravilhoso esse álbum!!!
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