Os três homens adentraram, assodados, o modesto estábulo. Lá dentro, uma mulher, gestante, segurava um bebê, ao lado de um homem, provavelmente seu marido.- Estais bem? - indagou um dos homens, claramente um nobre ou algo parecido, a julgar pelas vestes. - Vimos uma bola de fogo. Parece ter caído aqui perto. Vistes também?
O casal se entreolhou sem dar resposta.
- Vosso filho não se feriu? - perguntou outro dos nobres.
- Não é nosso filho. - apressou-se a mulher em responder, expondo o disparate do questionamento, por estar naquele estado e segurando um recém nascido.
Claramente constrangido pela incoerência da pergunta, o homem, no entanto, passou de envergonhado a curioso em saber, então, a origem daquela criança.
A mulher, entendendo os semblantes de dúvida dos visitantes, trocou um olhar com o marido, foi se movendo ao fundo do curral e, com um gesto de cabeça convidou os três homens para que a seguissem.
Contornando uma passagem ao fundo do cubículo, na parte de trás do presépio, sem que o casal precisasse mostrar, adivinharam porque os levaram ali. Havia no chão uma cratera com abertura de uns vinte passos e fundura de quase dois homens. No fundo dela, havia algo como uma casca, uma espécie de ninho feito de cristais ou algo parecido... Sem entender, no entanto, o motivo de estarem lhes mostrando aquilo, o nobre que parecia ser o representante dos três, voltou a dirigir um olhar de indagação para a mulher que segurava o pequeno.
- Ele... Ele veio nisso. - explicou a mulher.
Os três homens se olharam.
- A criança... Veio na bola de fogo. Ela caiu aqui e ele estava dentro daquela... coisa. Nós estávamos a caminho de Belém para o censo, vimos aquilo cair aqui, viemos ver o que era e a criança estava ali, enrolada nesse... manto vermelho.
- Vós tendes ideia do que estais falando? Não ouvistes falar que um rastro de estrela no céu anunciará a chegada do Messias?
- Sim, todos falam disso...
- Um profeta nos revelou que nós veríamos o caminho da estrela e, que se o seguíssemos, encontraríamos o Messias. É ele! Vós tivestes a honra de receber o filho do Senhor.
Ela olhou para o menino em seu colo como se esperasse uma confirmação dele. Foi estranho porque, por um momento, olhando fixo em seus olhos ela viu um homem numa vestimenta estranha azul, com uma capa vermelha, pairando nos ares como um pássaro. Piscou os olhos e sacudiu a cabeça como que para despertar do devaneio e, decidida, anunciou:
- Não posso ficar com ele. Não estou à altura de tal desígnio. Não, eu não! Levem consigo. Foi a vós que o profeta alertou.
- Não. Não devemos. Ele nos disse que o encontaríamos com aqueles que cuidariam dele. E além do mais, assim tão pequeno, com fome, não temos o que ele precisa em uma mãe.
- Mas... não podemos. Vede meu estado - mostrando a barriga - Espero o meu e que não tarda a nascer. Não temos como criar duas crianças. Somos pobres.
Ouvindo isso, os homens apressaram-se em mexer em suas bagagens.
- Toma... - disse um deles entregando uma algibeira - Aqui deve ter ouro o bastante para que o sustente por um bom tempo, até que cresça um pouco.
- Aqui tenho alguns bons cortes de tecido. - saltou o outro - Leva. Servirão para que providenciem vestes para vós e para os menores. Podeis vender também, se o quiserdes.
- Eu não trago muita coisa comigo - justificou-se o terceiro procurando algo em uma saca de juta que carregava a tiracolo - mas..., veja: tenho aqui algumas medicinas, beberagens e unguentos que podem vos servir em caso de enfermidade.
O marido recebeu os donativos. Olhou para a mulher e ela para ele, num silêncio de mútuo assentimento.
- Temos que ir agora. - anunciou o porta-voz do grupo - Permita que louvemos o Salvador, mais uma vez.
Ela, um pouco confusa sobre o que devia fazer, olhou em volta e encontrou uma manjedoura com um pouco de feno no fundo, e ali depositou cuidadosamente a criança para que os homens pudessem reverenciá-lo.
Eles aproximaram-se da caixa de madeira, ajoelharam-se ao redor dela e ergueram os braços aos céus, em oração. Passado quase um minuto, ergueram-se e, ainda emocionados, despediram-se do casal.
- É melhor que sigam para o Egito. Herodes mandou tirar a vida de todos os primogênitos e aqui correis perigo. Lá os soldados dele não vos poderão atingir.
Em frente ao estábulo, antes de montar no jumento que o carregaria em sua jornada, um deles voltou-se mais uma vez para o casal.
- Já sabeis com que nome o chamarão? - perguntou.
- Ao que espero em meu ventre, se for homem chamaremos João Batista, por causa do profeta, se vier fêmea, chamar-se-á Maria Madalena.
- Refiro-me ao outro... - esclareceu o nobre.
- É algo muito novo para nós. Compreende, não? Não pensamos nisso ainda.
- Naturalmente - assentiu o homem, já montado em sua mula.
Despediram-se com um aceno de mão e seguiram em direção ao horizonte até que suas silhuetas se misturassem ao breu da noite. Assim que os perdeu de vista, a mulher, ainda com a última pergunta na cabeça, baixou os olhos para o bebê e, como fazem os pais, tolamente, a crianças que, por óbvio, não poderão responder, falou com o pequeno:
- E então, que nome te daremos? - perguntou gracioisamente.
Suas feições, no entanto, mudaram e o sorriso de mãe que desenhava seu rosto, se desfez, de súbito. Parecia impossível mas ouvira com clareza uma voz dentro de sua cabeça...
Voltou-se, então, com um olhar aturdido, para o esposo.
- O que foi, mulher?
- Yeshua. Ele diz que devemos chamá-lo Yeshua.
Cly Reis
Nenhum comentário:
Postar um comentário