São Paulo, entre as várias delícias culturais e
gastronômicas que vivenciamos nos dias em que estivemos lá em junho, trouxe a
mim especialmente uma aproximação com um tema o qual já venho perscrutando cada vez mais: a negritude. Afora passar horas percorrendo os corredores do
Museu Afro Brasil
Emanoel Araujo, extremamente ricos em obras e referências ao
tema, outro espaço que fizemos questão de visitar foi o
Instituto Tomie Ohtake,
em Pinheiros, onde estava em cartaz a exposição
“Teatro Experimental do Negro
nas fotografias de José Medeiros”.
Projeto coletivo pioneiro iniciado em 1944 por Abdias
Nascimento, o TEN foi criado para transformar, por meio do teatro, “as
estruturas de dominação, opressão e exploração raciais implícitas na sociedade
brasileira dominante”. Ativo e militante nos palcos até a década de 1960, o
grupo desenvolveu obras de forte impacto, enfrentou o racismo e abriu caminhos
para a formação e o reconhecimento de expoentes como Ruth de Souza e Léa
Garcia.
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A magnífica arquitetura interna do Instituto recebendo a expo sobre o TEN |
A mostra, uma parceria do Instituto
Tomie Ohtake e do Instituto
de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), trouxe fotos do consagrado
fotógrafo
José Medeiros, que ao longo de anos, produziu diversos registros fotográficos
do grupo e presenteou Abdias Nascimento com um importante acervo onde convergem
fotografia, teatro e engajamento. Com poses e enquadramentos modernos
influenciados pela prática teatral, as fotos, imponentes, são um testamento do
orgulho e da força do artista negro em uma época em que isso era uma ofensa.
Presenciar essa exposição fotográfica foi um reencontro. Primeiro,
no que se refere ao Instituto Tomie Ohtake, o belíssimo prédio em homenagem à
artista visual nipo-brasileira projetado pelo seu filho, o arquiteto Ruy Ohtake
e o qual havia conhecido em 2010, em visita a São Paulo na companhia de minha
mãe. Desta vez, a parceria foi de Leocádia, que pisava neste espaço cultural
pela primeira vez como eu fazia há 15 anos. Hoje, é possível perceber que a
programação do local conta com diversas atividades e parcerias que tocam na
questão da negritude, seja por meio de cursos, debates, exposições, etc.
Mas o reencontro maior se deu, claro, pelo objeto da
exposição: o TeatroExperimental do Negro. No curso sobre cinema negro que ministro,
há cruzamentos que traço com o TEN, como a presença dos atores Aguinaldo
Camargo e Ruth de Souza em um dos filmes clássicos dessa temática no Brasil, “Também
Somos Irmãos”, de 1948, que bebe bastante na fonte da companhia teatral através
do conceito de atuação e, mais que isso, no protagonismo dado a eles e à
questão racial, bastante abafada àqueles idos.
Além de Ruth, Léa e Aguinaldo, já mencionadas, as fotos de
Medeiros trazem outras figuras emblemáticas das artes cênicas pretas
brasileiras, como Haroldo Costa, Marina Gonçalves, José Monteiro, Renée
Ferreira e, claro, o próprio Abdias, descrito pelo Ipeafro como o mais completo
intelectual e homem de cultura do mundo africano do século XX. Poeta, escritor,
dramaturgo, artista visual e ativista pan-africanista, é ele quem mobiliza as
ações do TEN, montando a pioneira peça “O imperador Jones”, em 1945, e diversas
outras, como “Todos os Filhos de Deus têm Asas” (1946), “Auto da Noiva” (1947)
e “Othello” (1949).
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| Abdias, a mente pro trás do TEN |
Na sequência, alguns registros das fotos de José Medeiros,
que carregam a força e a expressividade da arte preta brasileira nos palcos e
nos seus arredores de coxias, camarins e ensaios. As fotos mesmo falam por si,
tendo em vista que algumas foram tiradas em condições de iluminação precárias,
mas que, mesmo assim, e com muita habilidade técnica do fotógrafo, existiram. Persistiram.
Resistiram.
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| Então, vamos à exposição! |
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Ensaio da peça O filho pródigo, com Ruth de Souza, Abdias Nascimento, José Monteiro, Aguinaldo Camargo,
Marina Gonçalves e Roney da Silva
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Impressionante foto de Aguinaldo Camargo em elenco em impressionante cena de O imperador Jones |
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Ruth de Souza e Ilena Teixeira na peça "Todos os filhos de Deus têm asas" |
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| Ruth novamente, em Othello, totalmente diva negra |
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| Elenco masculino ensaiando a pioneira peça "O Imperador Jones", de 1945 |
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| Abdias e Léa Garcia em cena: que dupla |
Uma panorâmica pela exposição de
José Medeiros sobreo TEN
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| Detalhe de cena com Aguinaldo Camargo e Fernando Araújo |
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| A Orquestra Afro-Brasileira, que mantinha parceria com o TEN |
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| José Medeiros captou também o momento de pausa na aula de balé |
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| O jovem Haroldo Costa |
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Aula de alfabetização oferecida pelo TEN à comunidade preta dos anos 40. Revolucionário |
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| Em "Filhos de santo", Addias contracena com Ruth (1949) |
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| Retratos: Haroldo, Abdias, Ruth e Léa |
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| Foto imperfeita tecnicamente, mas brilhante em expressividade |
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Outro pioneirismo do TEN: o jornal Quilombo, publicação só sobre assuntos da negritude |
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| A bela Renée Ferreira em "Aruanda", de 1948 |
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Outra preciosidade de José Medeiros: Abdias e Léa encenando Shakespeare |
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