"Não tenho o poder de harmonia de Paul (Simon),
nem suas lindas canções,
mas sinto que tenho muito a ver com a construção dos álbuns e
com a riqueza e sonoridade
que os tornam tão interessantes."
"Quando junto as canções e as coloco em sequência,
seja com ou sem Simon,
vejo o trabalho de uma vida todo
e fico extremamente orgulhoso.
Assim fica muito fácil dizer:
'Aí está o que fiz: cantei bem!'."
Art Garfunkel,
em 2012
Ouvi
“Breakaway”, do Art Garfunkel, pela primeira vez na indefectível
Rádio Continental 1120. Anos depois, o reencontrei na casa de
uma amiga, que me emprestou. A partir daí, surgiu uma história de
amor com os discos solo do Garfunkel para um romântico inveterado
como eu. Esse é o favorito da casa.
A
história desde disco começa em 1970, quando Paul Simon e Art
Garfunkel resolveram desfazer a dupla. Enquanto Simon lançava seu
primeiro LP solo em 1972 com muito sucesso, Garfunkel aparece com
“Angel Clare”, só em 73, depois de tentar uma carreira no
cinema. Havia então a necessidade de conseguir um sucesso. Para
tanto, foi contratado o bem-sucedido produtor Richard Perry,
recém-saído do terceiro disco solo de Ringo Starr e dos clássicos
de Carly Simon. Perry foi muito esperto ao produzir “Breakaway”.
Quando se tem uma voz límpida, afinadíssima e bonita como a de
Garfunkel, a instrumentação não deve atrapalhar e fazer apenas uma
moldura sonora aos gorjeios do canário. O disco é um dos melhores
da carreira do cantor exatamente por isso. Com vocês, “Breakaway”
de Art Garfunkel.
O
clima começa com uma regravação de Stevie Wonder, “I Believe
(When I Fall in Love It Will Be Forever)”. A partir do piano de
Larry Knetchel, Garfunkel mostra toda a extensão de sua voz na época
(1975). O arranjo de cordas de Del Newman dá aquele ar de música
pop dos anos 70. E os backing vocals de Andrew Gold
garantem o romantismo da letra que diz: “Acredito que quando me
apaixonar desta vez será pra sempre”. Uma versão digna de
Stevie, mesmo que mais melosa, por assim dizer.
“Rag
Doll” usa a metáfora da boneca de pano para falar do amor de um
homem por uma mulher. No início da música, o narrador está vendo
uma mulher num campo, colhendo flores e usando um capuz de veludo
azul e o vermelho em suas bochechas lhe dá um ar de boneca de pano.
No refrão, diz: “O vento nas árvores canta uma canção
triste, triste, triste, triste/ deitado em minha cama ouvindo a noite
inteiro/ o vento nas árvores canta uma canção só pra mim/ e traz
de volta esta boneca de pano pra mim”. Aqui é o piano elétrico
de Knetchel que percorre a música lhe dando a suavidade que a letra
requer.
A
faixa-título do disco, composta por Gallagher & Lyle, uma dupla
de muito sucesso naquela metade dos anos 70, traz Bill Payne, do
Little Feat, nos teclados, e os backing vocals de Bruce
Johnston, David Crosby, Graham Nash e de Toni Tenille (é, aquela
mesma do “Love Will Keep Us Together”). A produção de Perry é
tão sutil que mal se notam baixo e bateria nas músicas. Na ponte,
Garfunkel canta: “Não é sol que vocês está procurando/ Outra
coisa está em sua mente/ Você precisa um pouquinho de espaço e
tempo/ para se soltar/ Não é o lugar que você está indo/ É
apenas uma fase que está passando/ Não vou te parar, apenas não
quero que você/ se solte, voando através do seu oceano/ Se solte,
tempo chegou pra você...”.
“Disney
Girls”, do Beach Boys Bruce Johnston, parte da premissa que a
realidade é muito difícil de aguentar e que o mundo da fantasia
proposto por Walt Disney seria um bom substituto para as agruras do
dia a dia. Lá pelas tantas, o narrador diz: “Realidade, não é
pra mim e me faz rir/ Mas o mundo da fantasia e garotas da Disney
estou de volta”. Rola também uma trip nostálgica:
“Toda minha vida passei as noites sonhando com você/ O calor
que senti pelas coisas que desejei estão se tornando verdade/ Tenho
meu amor pra dar e um lugar pra viver, acho que vou ficar/ será uma
vida pacífica com uma esposa pra sempre e um filho algum dia/ seus
começos de noites e brigas de travesseiro e sua risada suave/ Mas o
mundo da fantasia e garotas da Disney estou de volta”. A música
é toda armada num clima Disneylândia, com os backing vocals
percorrendo a canção.
Aí,
vem o “corpo estranho” do disco: uma versão de "Águas de Março" de Tom Jobim, apropriadamente chamada “Waters of March”
e que tenta fazer uma tradução literal: “A stick, a stone,
it’s the end of the Road...”. A vantagem é que tanto o
violonista Louie Shelton, o baixista Max Bennett e o baterista John
Guerin se saem bem tentando emular a batida da música brasileira. O
interessante é que, mesmo sendo um “strange body” no
disco, esta versão funciona como uma pausa no clima romântico que
perpassa todo o álbum. Estranho mesmo é o sintetizador de Bill
Payne no lugar da flauta de Tom.
Nesta
época, tanto Garfunkel quanto Simon eram contratados da Gravadora
Columbia, que jamais aceitou a separação da dupla. E para “tentar”
uma reconciliação, acertou uma gravação que iria aparecer nos
dois discos de 1975 dos rapazes; “Breakaway” e “Still Crazy
After All These Years”, de Simon. Ainda bem que a música é mais
um clássico composto por Simon chamado “My Little Town”, outra
faixa nostálgica que fala de uma cidade pequena – no caso, Nova
Jersey – onde o narrador “cresceu acreditando que Deus cuidava
de todos nós”. A conhecida ironia de Paul Simon aparece no
verso em que diz: “Depois que chove/ tem um arco-íris/ E todas
as cores são preto/ Não é que as cores não estejam lá/ é que
elas não tem imaginação/ Tudo é igual/ lá na minha cidadezinha”.
E o refrão é matador: “Nada além dos mortos e dos moribundos/
voltam pra minha cidadezinha”. Musicalmente, “My Little Town”
excede com a turma do estúdios Muscle Shoals de Alabama composta por
Pete Carr (guitarra); Barry Beckett (piano); David Hood (baixo) e
Roger Hawkins (bateria) mais produção de Phil Ramone. Difícil
ficar melhor.
Depois
disso, só mesmo um standard: “I Only Have Eyes for You”,
de Al Warren & Harry Dubin, com direito a piano elétrico de
Nicky Hopkins e backing vocal de Stephen Bishop. Vinda de uma
tradição de música romântica da década de 30, “I Only Have
Eyes...” começa dizendo “Meu amor deve ser do tipo cego/ não
consigo ver ninguém a não ser você/ Tem estrelas no céu esta
noite?/ Não sei se o céu está limpo ou cheio de nuvens/ Apenas
tenho olhos pra você”. Garfunkel usa sua voz maravilhosa para
dar credibilidade a uma conversa romântica da antiga.
Já
que falamos em Stephen Bishop, o autor de “On and On” e de “It
Might Be You” (tema do filme “Tootsie”), ele contribui com duas
canções no disco. A primeira é a minha preferida, “Looking for
the Right One”, uma faixa ultraromântica onde Garfunkel tem sua
melhor performance de todo “Breakaway”. E a dor de Bishop
é bem traduzida pela voz de Garfunkel, que diz: “Não tenho
sido nada sortudo, não sou bom em fazer joguinhos/ lembro de seus
rostos e esqueço os nomes/ Encontrei a pessoa certa mas ela não me
encontrou/ Então eu empacoto minhas emoções e começo/ a procurar
pela pessoa certa/ algum dia ela virá?”. Depois, o narrador
sofre com o que dizem as outras pessoas: “Eles dizem que não
tem sentido correr atrás de algo que nunca se vai conseguir/ Mas meu
coração afirma: ‘não diga não’/ em algum lugar desta cidade
solitária existe uma mulher pra mim/ Mas espero outra vida para/
procurar pela pessoa certa”. Bem ao estilo de clássicos da
música pop, Perry leva toda a canção para um clímax, onde a voz
de Art Garfunkel faz arrepiar.
“99
Miles From L.A.” é uma composição de Albert Hammond (o mesmo da
também clássica canção pop “It Never Rains in Southern
California”, aquela em que os locutores de rádio da antiga
chamavam de "Carambô” devido à sua primeira frase “Got on
board...”) e o letrista de Burt Bacharach, Hal David. Nesta canção,
o produtor permite que os teclados, a bateria e o baixo apareçam
mais, reforçando a batida pop, cercada de cordas por todos os lados.
Na letra, o narrador está de carro se aproximando de Los Angeles e
espera encontrar seu amor. “Mantendo meus olhos na estrada, te
vejo/ mantendo minhas mãos na direção, te seguro/ 99 milhas de
L.A, te beijo, sinto tua falta, por favor esteja lá”. A letra
é toda construída por David neste clima: o motorista chegando à
cidade na expectativa de reencontrar a mulher amada.
No
final do disco, mais um lamento de Stephen Bishop chamado “The Same
Old Tears on a New Background”. De cara, Garfunkel vai
direto nas emoções ao som do piano de John Jarvis, secundado pelas
cordas de Del Newman. A letra é tão triste que merece ser lida
inteira: “São as mesmas velhas lágrimas num novo cenário/ Te
ver como uma fotografia desbotada/ Me dói muito sorrir nestes dias/
Estou bem, estou bem/ é a mesma canção com uma nova melodia/ mas a
velha chama está quase extinta/ te ver de novo é tudo que me
mantém/ estou bem, estou bem/ lembrando, lembrando o familiar sofrer
de amor/ ninguém a não ser você/ É mesmo velho eu chorando as
mesmas velhas lágrimas/ e eu me afasto como sempre fiz/ ainda
apaixonado por você/ mas eu estou bem”. Quando a coisa chega
neste nível, é impossível não sofrer junto com Garfunkel, Bishop
ou seja lá quem for. A canção é triste demais. Como quase todo o
disco. Não recomendável para quem está sofrendo de amor. Mas quem
gosta de boa música certamente vai gostar de “Breakaway”, um dos
melhores discos da carreira de Garfunkel, que sempre ficou alguns
degraus atrás de seu ex-parceiro, o incrível Paul Simon.
*************************
FAIXAS:
1. I Believe (When I Fall In Love It Will Be
Forever) 3:48
2. Rag Doll 3:05
3. Break Away 3:34
4. Disney Girls 4:31
5. Waters Of March 3:37
6. My Little Town 3:50
7. I Only Have Eyes For You 3:38
8. Lookin' For The Right One 3:20
9.
99 Miles From L.A. 3:31
10. The Same Old Tears On A New Background 3:43
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OUÇA
O DISCO:
por Paulo Moreira