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sexta-feira, 27 de junho de 2025

"Helraiser - Renascido do Inferno", de Clive Barker (1987) vs. "Hellraiser - Renascido do Inferno", de David Bruckner (2022)

 


Tem remakes que nunca deveriam ter sido feitos porque, simplesmente, não tem nada a acrescentar em relação ao original. Mas tem alguns que, pela precariedade de produção do original, orçamento, limitações técnicas da época, etc., teriam tudo para se justificar como refeitura de um clássico. Pois não é que a maioria desses se complica? Se perde sozinho, erra no básico, tem escolhas erradas...

É o caso da refilmagem de "Hellraiser", de 2022, que tinha a faca e o queijo na mão para fazer um filme, se não melhor, tão bom quanto o primeiro de 1987. O original é um clássico, um cult, amplamente idolatrado pelos fãs de horror e invariavelmente presente em listas de melhores do gênero, mas não há como negar que tem lá suas deficiências. Era o primeiro longa do diretor Clive Barker que era um tanto inexperiente e, mesmo atingindo um resultado bastante bom, mostrava-se ainda pouco preparado para um projeto daquele porte; por mais que a história tenha sido escrita por ele mesmo, até então mais notório como escritor, a trama é incompleta e vaga em alguns pontos, carecendo um pouco de alguma orientação, um norte, em determinados momentos; embora a maquiagem seja um ponto marcante pela caracterização dos Cenobitas, especialmente o icônico Pinhead, a parte técnica era limitada e alguns efeitos visuais são bastante fracos e até constrangedores; sem falar que, com exceção de Ashley Lawrence, no papel da filha, Kirsty, e de Doug Bradley, como Pinhead, o time de atores era bem ruinzinho, especialmente o elenco de apoio.

Ou seja, com um comandante um pouco mais rodado, com mais filmes na bagagem; alguns complementos e acréscimos na trama só para enriquecer e amarrar pontas soltas; os recursos técnicos mais avançados que os tempos atuais proporcionam; um orçamento um pouco mais confortável; e alguns atores um pouco mais competentes que os do filme original, o remake de "Hellraiser - Renscido do Inferno" seria algo realmente válido e elogiável. 

Mas não...

Os caras resolveram errar em tudo e fizeram uma porcaria de filme!

Uma uma tentativa de inserir elementos dramáticos, familiares, comoventes; elementos ainda mais vagos que no anterior, alguma intenção de explicar alguma coisa mas sem muita coerência, personagens inconsistentes, outros sem propósito, e como se não bastasse, uma mudança fatal em relação ao primeiro: Pinhead mulher. 

Não, ó... tem limite essa coisa de mudar o gênero ou cor de alguns personagens clássicos do cinema só em nome da inclusão, diversidade, barreiras, etc. Alguns são o que são e foram pensados daquela maneira por um contexto, um conceito, um propósito. E é o caso do líder do cenobitas, o Pinhead, que simbolizava exatamente os 'demônios' do próprio diretor, sua manifestação das dúvidas sobre limites, prazeres e desejos sexuais. Embora, inegavelmente, qualquer mulher possa carregar essas questões, alimentar fetiches, ter prazer na dor, no caso específico, a manutenção do gênero do personagem era algo muito relevante para um melhor diálogo com a obra original e com o que era proposto a partir dela.

Dito isso, a nova versão não tem nada a acrescentar. 

"Hellraiser (2022) - trailer


Nela, uma ex-viciada em drogas, Rilley, tenta resgatar seu irmão Matt capturado pela Configuração do Lamentos, a caixa que abre portas para os infernos de dor e prazer. No esforço de encontrá-lo, Rilley chega ao nome do possível dono da caixa quebra-cabeça que ela encontrara por acaso num armazém abandonado e que possivelmente seria a causa do desaparecimento do irmão. Ela vai então com o namorado e outros dois amigos à antiga casa de Voight, o homem que possuíra o artefato há tempos atrás, e lá se vê presa em um labirinto todo projetado em função das faces da Configuração dos Lamentos, que dependendo da disposição das aberturas da casa, podem protegê-los mas também permitir a entrada dos demônios e levá-los aos portões da dor e sofrimento.

"Hellraiser" (1987) - trailer


No antigo, um homem, Larry, resolve se mudar com a noiva Julia para a antiga casa de sua família sem saber que lá, anos antes, no sótão, o irmão, Frank, um depravado, pervertido e mau-elemento, havia aberto uma caixa quebra-cabeça misteriosa e sido lacerado por demônios. No entanto, um acidente doméstico causa um ferimento em Larry e o sangue que pinga no chão fazendo com que Frank começa a voltar das trevas onde se encontrava. Ajudado por Julia, sua ex-amante, Frank absorvendo os corpos de homens que ela levara para que ele devorasse, vai recompondo aos poucos seu corpo. Representando uma ameaça para o pai, uma vez que Frank pretende cobrir-se com a pele do irmão, a filha de Larry, Kirsty que abrira a caixa acidentalmente promete aos Cenobitas entregar o tio, o homem que os enganou e voltou do inferno, em troca de que a deixem em paz. Mas... fazer acordo com seres como estes pode ser algo muito arriscado.

O renascimento de Frank - "Hellraiser (1987)


Não sabemos muito sobre a tal caixa, sua origem, a origem de seus poderes, algumas amarrações são bem deficientes, outras coisinhas são meio incoerentes, Claire Higgins como Julia é atriz fraquíssima, Sean Chapman, o Frank, não está à altura da importância de seu papel, o personagem Steve que ajuda Kirsty no final é irrelevante e caricato, os efeitos de 'raiozinhos' amarelos quando a garota aprisiona os Cenobitas é ridículo, mas mesmo assim "Hellraiser" (1987) é muito melhor que sua refilmagem e é, sim, com todos seus pequenos defeitos, um clássico absoluto do terror.

A Pinhead mulher dentro do contexto da criação do personagem é gol contra e Hellraiser '87 faz 1x0. Agora, por mérito próprio, imponente, ameaçador, amedrontador, aterrorizante, Doug Bradley, o verdadeiro Pinhead, eternizado como um dos mais marcantes personagens do terror, faz o dele: 2x0. A ambientação numa casa velha e um sótão todo vazado de madeira e não numa mansão tecnológica garante o 3x0. Mesmo com a precariedade de recursos técnicos em alguns momentos, a cena da recomposição do corpo de Frank, no chão do sótão, vale mais um. 4x0 para o time de Clive Barker. E, pra fechar, as correntes, os ganchos, pele rasgada, esticada... E pensar que o remake mal usou esse recurso... Azar é deles! O original se aproveita e lança ganchos de tudo quanto é parede, rasga a pele do remake e faz mais um: 5x0. Os novos Cenobitas até que são legais, mas os antigos também eram,aA nova Configuração dos Lamentos, a caixa mágica que abre o portal do outro lado, até tem uma movimentação mais interessante, mais natural que a antiga que era muito mecanizada, e se os efeitos especiais novos serviram para alguma coisa foi pra isso, mas nada disso é o suficiente pra dar um golzinho para o remake, e desta forma, o placar fica assim mesmo.

Dor e sofrimento merecidos para um desafiante tão medíocre.

Hellraiser '87 se deliciou de prazer.

Aqui um pouquinho de cada um:
no alto, à esquerda Kirsty do primeiro filme, e à direita, Rilley, do segundo;
na segunda linha, Pinhead e seus amiguinhos no sótão acabadão da casa,
e à direita, a Pinhead com seus companheiros no saguão central da mansão;
na terceira linha, as correntes e ganchos provocando dor e sofrimento ao traidor Frank, no original,
e o mesmo recurso subutilizado, excessivamente discreto no segundo filme, à direita;
e por último os líderes Cenobitas, Pinhead:
à esquerda o clássico Doug Bradley e à direita, a nova, Jamie Clayton. 



Uma corrente, duas correntes, três, quatro, cinco...
O time de 2022 nem viu de onde saiu tanto gancho e sentiu na pele a superioridade do adversário.
Foi sofrimento e dor até o final.
Um verdadeiro inferno!



por Cly Reis 


sexta-feira, 24 de novembro de 2023

"O Mistério de Candyman", de Bernard Rose (1989) vs. "A Lenda de Candyman, de Nia Da Costa (2019)

 



Bom jogo.

Dois bons times!

"O Mistério de Candyman", de 1989 já ocupa seu lugar entre os clássicos do terror, mas "A Lenda de Candyman", de 2019, não veio pra brincadeira e quer desbancar o favorito.

É o caso de remake que não é exatamente uma refilmagem, estaria mais para uma sequência, um reboot, uma vez que tem ligação com os fatos já acontecidos, faz referência a personagens da trama original, mas cria de tal forma um novo conceito que o termo re-fazer torna-se totalmente mais adequado.

No original, de 1989, uma pesquisadora acadêmica, Helen, em busca de um bom assunto para sua tese universitária, investiga uma suposta lenda urbana de um homem negro, com um gancho no lugar de uma das mãos, que, segundo dizem, aparece sempre que invocado, cada vez que seu nome é repetido cinco vezes diante de um espelho. Ela mergulha na pesquisa e descobre que, há mais de um século atrás, o homem em questão, um negro filho de escravos, dotado de grande talento artístico, contratado para pintar um retrato da filha de um importante aristocrata, teria sido morto cruelmente por um poderoso aristocrata,  depois de se apaixonar e engravidar a moça. O negro, conta a lenda, teria sido torturado, sua mão decepada e colocado um gancho em seu lugar, além de lambuzado em favos de mel, exposto a abelhas dentro de um antigo apiário, sendo picado até a morte e depois ainda, como se não bastasse jogado em uma fogueira. Ela visita um conjunto habitacional de baixo padrão na periferia de Chicago, o Cabrini-Green, construído no local onde há tempos atrás teria ocorrido a barbaridade com o artista, e onde moradores alegam ver a entidade, atribuindo a essa assombração a autoria de vários crimes ocorridos lá.

Ainda cética e incrédula quanto à lenda, ela invoca a entidade e a partir de então sua vida torna-se um inferno. Visões, apagões, pesadelos passam a fazer parte de seus dias, e assassinatos nos quais ela estivera presente nas cenas dos crimes, a tornam a principal suspeita das mortes, sendo que, sem memórias claras, nem ela mesmo tem certeza de não tê-los cometido.

É que Candyman, depois de invocado por Helen, passa a ter com ela uma estranha ligação e a exige em sacrifício em troca da vida de um bebê que sequestrara no Cabrini-Green. E, vingativo e ressentido, não pretende parar de matar até que Helen se entregue a ele e compense, de certa forma, a mulher por quem foi sacrificado.


"O Mistério de Candyman" - trailer


No novo, essa questão da injustiça social, do julgamento racial, de um negro pobre ser morto simplesmente por ser negro e pobre, ganha muito mais força e significação. Em "A Lenda de Candyman", todos aqueles fatos já teriam acontecido e agora ecoam como um boato, um mito distante, uma lenda, que quase ninguém leva a sério. No entanto, Anthony, um artista plástico em crise criativa, em busca de uma maior expressão em sua arte, que pretende recorrer às raízes do povo negro, suas mazelas, suas dores como inspiração para sua arte e nesta busca, numa conversa casual, esbarra na tal da lenda de Candyman. Descobre que o bairro onde vive localiza-se numa área hoje revitalizada mas que outrora abrigava um bairro de classe baixa tido como "barra pesada", onde um homem negro que costumava dar doces para as crianças, fora morto injustamente, linchado pela polícia. Resolve desenterrar a história e ver até onde aquilo tudo tem algum fundo de verdade. O próprio interesse dele na história, no personagem e sua verificação dos fatos e contestação dos acontecimentos desperta a força sobrenatural adormecida. Curioso, cada vez mais intrigado e envolvido com a história, meio que na brincadeira, ele resolve invocar a entidade, só que aquilo era tudo que Candyman precisava: um homem negro, angustiado, em busca de respostas, em busca de si mesmo... Quando esse negro se olha no espelho ele vê todos os negros injustiçados, subestimados, subvalorizados, pré-julgados, espancados, linchados, mortos, e todos esses negros estão simbolizados na figura de Candyman.

Inspirado pelo personagem que pesquisara e descobrira, Anthony cria uma instalação artística, uma espécie de espelho de banheiro, repleto de símbolos, imagens e recados em seu interior, que, exposta numa galeria causa alvoroço e incita alguns brancos desavisados, céticos, descrentes, ignorantes, a ousarem dizer seu nome na frente do espelho. "Candyman, Candyman,  Candyman, Candyman, Candyman...".  Branco, você não devia ter feito isso...

Se para um negro que o chama ele surge com essa força ancestral poderosa (assustadora, é verdade, difícil de incorporar com naturalidade), para um branco que o faz, por galhofa ou curiosidade, Candyman revela toda sua fúria justiceira deixando um rastro de sangue vingativo.

Aos poucos Candyman vai se apossando de Anthony. O que vemos é desagradável, não é bonito mas... é isso: nunca foi bonito. É a vez do artista encarnar toda a injustiça e a violência sofrida pelos negros ao longo dos tempos. Mas ele aceitará essa tarefa?


"A Lenda de Candyman" - trailer


Jogo duríssimo, hein...

Propostas de jogo parecidas mas com alternativas táticas diferentes.

Se o primeiro é um filme de serial-killer sobrenatural que toca em pontos sensíveis, como machismo, desigualdade social, violência policial, gentrificação e, sobretudo, racismo; o segundo coloca essas discussões no centro da trama e, ao contrário, faz do terror um acessório importante.

É o duelo dos técnicos! De um lado o britânico Bernard Rose que não brilhou muito em trabalhos posteriores mas que aqui mostra muita competência, e do outro a jovem treinadora Nia da Costa, cheia de novas ideias e já mostrando um ótimo trabalho em seu segundo longa. Mas com tramas tão bem desenvolvidas, mais do que um duelo de treinadores, a batalha dos Candyman revela-se uma guerra dos roteiristas. De um lado, nada menos que o mestre do terror Clive Barker, idealizador e roteirista do filme de 1989, e do outro um dos grandes nomes do gênero na atualidade, o excelente Jordan Peele.  Como dá pra notar, comissões técnicas de peso. 

E dentro de campo a coisa não é diferente. O antigo aposta nas individualidades com Virginia Madsen, do primeiro "Duna", numa ótima atuação, no papel da pesquisadora Helen, e o lendário Tony Todd, do remake de "Noite dos Mortos-Vivos", espetacular como o personagem que dá nome ao filme. O novo, sem nenhuma grande estrela, aposta no conjunto e como ponto a seu favor traz um  um elenco predominantemente preto num filme sobre questões negras.

Partida equilibradíssima!!!

Quem leva?

Tony Todd é um Candyman muito melhor, mais assustador, mais impressionante com aquele rosto crivado de abelhas, do que o inexpressivo Michael Hargorve que é o Candyman que aparece na maior parte das vezes na nova versão. Embora sejam utilizados outros atores também no papel ao longo do filme em diferentes situações, Hargrove é quase aquele jogador que joga 'no nome'. Impressiona porque é O CANDYMAN, pois qualquer ator podia estar ali que faria o mesmo efeito, tanto que, grande parte das vezes, sequer vemos seu rosto com nitidez. Candyman 89 abre o placar.

Nia da Costa mostra-se mais diretora que Bernard Rose com um produto final mais bem acabado. Cor, iluminação, direção de arte, opções estéticas... tudo depõe a favor da norte-americana que conduz seu time com fluidez para o gol. Candyman 2019 empata o jogo. Jogada com o dedo da treinadora.

Mas o time de 1989 tinha uma arma secreta. A trilha sonora ficara a cargo de ninguém menos que o gênio Philip Glass. E ele não decepciona, entregando uma atmosfera tensa mas ainda assim extremamente elegante e sofisticada. É Candyman 89, novamente à frente no placar. 2x1.

Num time sem grandes estrelas, a diferença está na casamata. A treinadora Nia da Costa desequilibra de novo, com três momentos incríveis: o flashback recontando a origem do Candyman e os acontecimentos em Cabrini-Green, contado com muita sensibilidade estética num teatro de sombras; a morte da crítica de arte, Rebecca, sendo erguida e arrastada por uma força invisível, no interior de seu apartamento, filmada numa tomada afastada, quase como um vizinho observando; e a evocação final de Brianna, a namorada de Anthony, dentro da viatura entendendo o verdadeiro significado do Candyman. Cena fantástica, linda mas brutal, violenta mas emocionante. Golaço! Candyman 2019 deixa tudo igual novamente, 2x2.

Michael Brown, Jesse Washington, Sarah Bland, Geroge Floyd...
Todos eles são Candyman.
Diga o nome deles.

Difícil dar a vitória para algum dos dois aqui mas... a denúncia social, o recado anti-racista, a incisividade do discurso, a reinvenção de um clássico, dão a vitória para "A Lenda de Candyman". 

A evocação de Candyman na frente do espelho é um convite a que cada negro olhe seu reflexo e entenda que a imagem que vê guarda consigo cada um dos outros tantos que foram escravizados, espancados, pendurados em árvores, injustiçados, vistos com desconfiança só por serem negros, presos só por serem negros, mortos por serem negros. Quando Nia da Costa propõe que seus personagens falem o nome de Candyman, remete ao "Say Her Name", movimento que defende mulheres vítimas de agressão policial. Uma provocação inteligente colocada de forma brilhante. Chamar o Candyman é um desafio para que evoquemos nomes como Jesse Washington, Michael Brown, George Floyd e outros tantos. Você, irmão, negro, não esqueça dos nomes deles e delas. Você, branco, você tem coragem de dizer o nome deles? É golaço! Sabe de quem? Candyman é o nome da emoção! 

Vitória da Lenda de Candyman. Mas não foi fácil. Dois times de respeito num jogo, daqueles, para não esquecer.


No alto, à esquerda, Helen, e à direita, Anthony, ambos em busca de respostas sobre Candyman.
Abaixo, os dois Candyman, à esquerda, o da primeira versão e, à direita, o (ou um dos) da refilmagem.



Parafraseando a letra daquela música que a galera canta no estádio:
"Porque esse time bota pra ferver
E o nome dele são vocês que vão dizer"

(Digam vocês porque eu tô fora!
Vai que ele apareça mesmo...)








por Cly Reis