A atração foi promovida no Museu Julio de Castilhos (Duque de Caxias - Centro), pela produtora Curta o Circuito, que já programou outro encontro sobre a montagem fílmica de Jean-Luc Godard, dia 6 de novembro. (Mais informação aos interessados em: http://www.curtaocircuito.art.br/)
Museu Júlio de Castilhos em Porto Alegre |
É sempre surpreendente rever “Blow-Up”, meu Antonioni preferido, coisa que não fazia há uns três anos. Um verdadeiro caldeirão de elementos pop, desde a moda (época do auge do nascimento do Prét-à-Porter), passando pela arquitetura, design e música, aqui, especialmente composta pelo mestre Herbie Hancock.
Em meio à efervescência da Swingin’ London, o filme narra o envolvimento de um fotógrafo em um possível crime, o qual suspeita ter acontecido ao ampliar fotos feitas por ele em um enigmático parque. Obcecado por aquele acontecimento, ele começa a investigar e tenta elucidar o caso cercado de mistérios, sem, no entanto, chegar a uma conclusão concreta. Nem ele e nem o espectador, graças à genial condução de Antonioni, que levanta propositalmente mais dúvidas do que certezas.
A exposição de Fabiano e as intervenções do público me fizeram reforçar alguns conceitos e elucidar outros sobre o filme, às vezes perceptíveis só inconscientemente, mas que, postos assim, ficam muito mais claros e reveladores.
Fora as sequências incríveis da montagem/desmontagem do possível crime através das fotos impressas, ou a famosa cena do “braço da guitarra” de Jeff Beck no show dos Yardbirds,
dois aspectos me chamaram bastante atenção desta vez. Um deles é que “Blow-Up” parece, nas palavras de Fabiano, um “filme de portais”. A sensação labiríntica tanto das ruas de Londres quanto do próprio estúdio do fotógrafo-protagonista é constantemente reforçada por imagens em profundidade, pessoas cumprindo a função de objetos dentro do espaço, superenquadramentos (plano onde se enquadra, por exemplo, uma porta, que, por sua vez, “enquadra” outro elemento) e, principalmente, pela presença marcante – ao longo das aproximadamente 24 horas em que a história se desenrola – de portas, janelas, portões, basculantes – muitas vezes entreabertos, como se avisando que algo não está “fechado”; que ainda há algo a se descobrir.
Moda, estética, comportamento: O fotógrafo (Cummings) em atividade em seu estúdio. |
O final, com o grupo de mímicos fingindo jogar tênis no mesmo parque onde ele “presenciou” o assassinato é tão emblemática quanto múltipla em sentidos, rendendo até hoje teses e mais teses do que de fato aconteceu e o que a cena significa. Antonioni é genial neste desfecho, pois coloca ao mesmo tempo diversos olhares em confronto: o dos mímicos, o do fotógrafo, o do espectador e o próprio olho da câmera, o olhar do filme, O que é real e o que é imaginação ali? Será que aquela bolinha de tênis existia e só nós espectadores que não vemos? O que a tal bolinha simboliza ideologicamente? Seria, talvez, a realidade mais abstrata do que a julgamos?
Afora o marco estético e comportamental que “Blow-Up” certamente é, a fragmentação dos personagens, dos objetos e da própria realidade fazem da obra-prima de Antonioni um divisor de águas também no campo dos questionamentos sociais e psicológicos do final do século 20, pondo em discussão o valor da sociedade de consumo em que vivemos desde aqueles idos de 66.
trailer "BLOW-UP" de Michelangelo Antonioni (1966)