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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

“O Último Poema”, de Mirela Kruel (2015)




O documentário “O Último Poema” (2015), dirigido por Mirela Kruel, encontra na contenção sua beleza e sua força poética. O filme aborda a longa relação epistolar entre a professora gaúcha Helena Maria Balbinot Vicari e o grande poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. Ambos se corresponderam por mais de vinte anos, sem nunca terem se conhecido pessoalmente. As cartas trocadas registram esta amizade cordial, este feliz encontro. As próprias histórias de vida vão ali se entrelaçando, em meio aos comentários sobre poesia, votos de felicidade e outras generalidades afetivas.
Hoje, é impressionante pensar na natureza desta relação, destacando-se aí, principalmente, sua extensão e sua gratuidade. Como poucos, o filme joga luz sobre a qualidade e o cultivo dos vínculos, sobre solidão e real intimidade. O que se mostra, na tela, é o avesso completo daquilo que encontramos à exaustão em nossas redes sociais, em nosso cotidiano hipermediado, aceleradíssimo e hiperexposto. Uma pergunta, neste cenário, fica no ar: entre as décadas de 1950 e 1960, eram comuns e frequentes tais práticas (tais práticas de interação entre escritor e leitor, entre público e artista)? Drummond, particularmente, era um missivista destacado? Ou surgiu, de fato, ali, um exercício singularíssimo, uma prática espantosa, na sua regularidade, na sua motivação espontânea?
Helena Maria Balbinot Vicari não era a fã chata ou a groupie inconveniente, forçando intimidade, não era o jornalista cultural, catando pauta e confidências publicáveis, não era o aprendiz de poeta, atrás de dicas e lições informais de poesia, também não era o pseudo-poeta pretensamente concorrente, não era a professora primária deslumbrada ou o crítico acadêmico, o resenhista profissional. Não cabia, exatamente, em nenhum destes papéis. Excedia cada um destes perfis. Talvez tivesse mesmo se tornado, para Drummond, o leitor ideal, motivado unicamente pelo produto e pela vivência da poesia, as emoções que guarda e encobre.
O filme de Mirela Kruel dialoga com outras produções recentes: “Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes” (2013), de Bruno Polidoro e Cacá Nazário, dedicado à vida e à obra de Caio Fernando Abreu; “Só Dez por Cento é Mentira” (2009), “desbiografia” do poeta Manoel de Barros, dirigida por Pedro Cezar; e “Pan-Cinema Permanente” (2008), retrato visceral do poeta baiano Waly Salomão, assinado por Carlos Nader. Todos são ótimos documentários poéticos sobre poesia brasileira, moderna e contemporânea.

Mas observá-los em conjunto, reconhecer as afinidades que têm, as características que compartilham, nos permite formular uma suspeita: se, na década de 1960, a música popular se tornou um canal para a poesia brasileira, uma espécie de câmara de amplificação de nossa sensibilidade poética, dando-lhe maior trânsito e visibilidade, como tem argumentado o professor Luiz Augusto Fischer, citando o exemplo muito emblemático de Chico Buarque de Holanda, talvez hoje, por hipótese, o cinema documentário esteja assumindo este legado, esteja cumprindo não só a função de divulgar o trabalho literário de nossos poetas e de produzir os registros históricos que eles merecem, mas, acima de tudo, a função de dar vazão à inquietação poética, tornar-se poesia, num momento em que a canção popular e a vida cultural, de modo geral, no Brasil, definham.

trailer de "O Último Poema"