Se o filme tem uma boa direção,
um protagonista carismático e ainda traz uma forte crítica social, é obvio que
vai me cativar.
Astuto e ambicioso, o jovem
Balram (Adarsh Gourav) abre caminho para se tornar o motorista de Ashok
(Rajkummar Rao) e Pinky (Priyanka Chopra), um casal que acaba de voltar dos
EUA. A sociedade treinou Balram para ser uma coisa – um servo – então ele se
torna indispensável para seus mestres ricos. Mas, após uma noite de traição,
ele percebe o quão corrupto eles são, a ponto de sacrificá-lo para se salvarem.
À beira de perder tudo, Balram se rebela contra um sistema fraudulento e
desigual para se levantar e se tornar um novo tipo de mestre.
Baseado no romance homônimo de Aravind Adiga, "O Tigre Branco" é um longa bem competente que
cumpre sua proposta mas não vai muito além disso. Seu roteiro não é original e, com
certeza, você já viu um filme ou novela (mexicana ou da Globo) com uma
estrutura narrativa igual. Até aí nada novo. O que diferencia é a questão
cultural, o cenário da Índia e suas questões socias. O primeiro ato é muito bom e nos coloca dentro da história, mas seu segundo segmento é longo demais, há muita
repetição, o espectador já entendeu a humilhação que o pobre sofre, sua submissão, mas o diretor Ramin Bahrani insiste em mostrar mais e mais, o que acaba fazendo com que o o terceiro ato se torne corrido demais, e o final você só aceita.
Trazer essa visão do pobre, da
realidade do dia a dia, é um dos acertos do filme pois, por mais que nas questões culturais e
religiosas seja tudo muito diferente, não importa onde você vá no planeta, o
pobre vai ser sempre abandonado à margem da sociedade. Muito do sucesso do longa está
em seu protagonista, Balram, vivido por Adars Gourav, que consegue nos entregar um personagem inocente,
carismático, com uma certa pureza que até quando começa haver uma virada na história no modo de agir do personagem, por mais que ele esteja fazendo coisas erradas,
você acaba ficando do lado dele.
Apesar do roteiro não ser muito
criativo, tenha um final previsível, “O Tigre Branco” conseguiu me cativar, muito
pelo teor crítico. O longa deixa amostra para que todos possam ver as feridas
sociais e políticas que países de “Terceiro Mundo” sofrem. A falta de
oportunidades para ascender na vida das classes menores, a criminalidade, a
corrupção, a exploração da classe trabalhadora, está tudo no filme. Claro, escondido numa trama de novela das 8h que se esforça - e se conseguiu, só assistindo para saber - para dar um final feliz para seu mocinho. Clichê? Sim, mas confesso
que e torci muito para o simpático Balram.
Apesar
de todo contexto e crítica social, o brilho do filme é de Adarsh Gourav.
Gol relâmpago! O jogo mal começou e "Fahrenheit 451", de 1966, de François Truffaut, já mete o primeiro por conta da genial abertura com seus zoom nas antenas e sem créditos escritos na tela, incendiando a torcida. Poucos times resistiriam a um início tão avassalador como esse, uma das melhores aberturas de filme da história do cinema, e não foi diferente com seu adversário que sucumbiu logo no primeiro lance da partida. Daí em diante é o remake do diretor Ramin Bahrani correndo atrás e tentando recuperar o prejuízo. Mas só piora! Com algumas mudanças táticas em relação ao original, algumas ousadias, o time de 2018, se complica e só vai buscar bolas e mais bolas no fundo das redes.
Os dois times entram com a mesma formação, no 4-5-1, mas a refilmagem faz algumas variações no esquema que não lhe trazem benefício algum. Num futuro distópico (e parece que, infelizmente, não muito distante) as autoridades proíbem que os cidadãos possuam livros e os bombeiros, ironicamente, contrariando a função original que conhecemos, são os encarregados, atendendo a chamados, denúncias ou suspeitas, de queimar os objetos proibidos onde os encontrarem. Só que, no novo, a ideia de ampliar a restrição legal, originalmente limitada aos livros, também a computadores e mídias eletrônicas mostra-se uma péssima ideia. Pra quê? Pra atualizar? Para o espectador se sentir identificado com a sua realidade tecnológica? Bobagem! Bo-ba-gem!!! Mesmo hoje num mundo altamente tecnológico, com todas as opções eletrônicas possíveis à disposição, poucas coisas representam algo tão subversivo como ter, ler um livro. Nada, nenhuma ideia, nenhum outro elemento que o diretor quisesse utilizar, seria mais impactante do que o livro. E aí o cara me vem e faz uma cena com bombeiros queimando CPU's, tablets, pen-drives e laptops? Ora, faça-me o favor... Essa escolha, além de ferir o espírito original proposto pela obra de Ray Bradbury, compromete seriamente todo o filme pois mesmo depois, quando a ideia dos livros, efetivamente, é "retomada", o rumo já está irremediavelmente confuso e enfraquecido.
Na intenção de fazer o espectador identificar a censura, um processo de implantação de um modelo fascista e os métodos de fortalecimento desse sistema, o remake não deixa nada para a imaginação ou para conclusões do espectador, excluindo toda a poética reflexiva contida no romance e tão presente no filme de François Truffaut. "Isso é bom", "Isso é mau", "Oh, estão tirando nossa liberdade de pensar", "As autoridades manipulam informação e se aproveitam da ignorância", Ohhh!!! É tudo colocado de maneira tão didática e primária que o filme acaba-se tornando uma obra fria e sem alma.
Do outro lado, no entanto, o que temos é pura poesia. Futebol-arte em sua essência! Um futebol de encher os olhos, literalmente, uma vez que não faltam cenas lindíssimas capazes de emocionar o espectador e levá-lo às lágrimas. A cena do protagonista, o bombeiro Montag lendo um livro pela primeira vez, como se fosse seu segundo nascimento; a cena da idosa se autoimolando, em chamas, entre seus livros; a das pessoas-livro transitando entre si, no refúgio na floresta, como se aquilo fosse uma espécie de biblioteca em movimento; sem falar na trilha sonora de Bernanrd Hermann, o compositor das trilhas clássicas de Alfred Hitchcock.
"Fahrenheit 451" (1966/2018)
E tem a sutileza da representação de futuro de François Truffaut, com muito menos elementos, sem grandes artifícios técnicos, apenas com uma sugestão muito bem pensada para elementos como transportes, mobiliário, design, etc., contra todos os efeitos especiais e as gigantescas projeções de imagem nas fachadas dos prédios, na nova versão; tem a caracterização da rebelde Clarisse no remake, obscura, sombria e atuando como uma informante das autoridades, totalmente oposta à antiga, vivida brilhantemente por Julie Christie, uma jovem contagiante, curiosa cuja última coisa que faria na vida seria caguetar companheiros e revelar esconderijos dos livros; e ainda a atuação inexpressiva de Michael B. Jordan como o novo Montag em contraste com a perfeita de Oskar Werner, autômato e atoleimado num primeiro momento, hesitante e confuso ao descobrir os livros e, por fim fascinado e determinado em defender aqueles objetos mágicos que ele só então descobrira.
Enfim, uma aula de futebol!
"Fahrenheit 451" de 1966 simplesmente incinera "Fahrenheit 451" de 2018!
Não vamos perder as contas:
Um pela abertura; dois pela ideia de incluir eletrônicos aos itens procurados pelos bombeiros; três pela trilha de Bernard Hermann; quatro pelo "futuro" de Truffaut; cinco pelas caracterizações dos personagens Montag e Clarisse; e seis pelas cenas memoráveis de levar lágrimas aos olhos. O original se complica sozinho e faz um golzinho contra na cena em que vigilantes sobrevoam o rio com uma engenhoca futurista para tentar encontrar Montag. Um efeito especial sofrível e desnecessário. Mas não faz a menor diferença, o placar final já está definido e "Fahrenheit 451" original reduz sua refilmagem a cinzas.
Se a cena da idosa queimando com seus livros, no original é um dos momentos mais tocantes, na refilmagem, nem todo aquele fogo, consegue deixar de ser fria.
O remake de 2018 sentiu a responsabilidade e a bola parecia estar queimando
no pé do inexperiente time de Ramin Bahrani.
Por outro lado, os comandados de François Truffaut entraram quentes no jogo desde o início