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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

"Fahrenheit 451", de François Truffaut (1966) vs. "Fahrenheit 451", de Ramin Bahrani (2018)



Gol relâmpago! O jogo mal começou e "Fahrenheit 451", de 1966, de François Truffaut, já mete o primeiro por conta da genial abertura com seus zoom nas antenas e sem créditos escritos na tela, incendiando a torcida. Poucos times resistiriam a um início tão avassalador como esse, uma das melhores aberturas de filme da história do cinema, e não foi diferente com seu adversário que sucumbiu logo no primeiro lance da partida. Daí em diante é o remake do diretor Ramin Bahrani correndo atrás e tentando recuperar o prejuízo. Mas só piora! Com algumas mudanças táticas em relação ao original, algumas ousadias, o time de 2018, se complica e só vai buscar bolas e mais bolas no fundo das redes.
Os dois times entram com a mesma formação, no 4-5-1, mas a refilmagem faz algumas variações no esquema que não lhe trazem benefício algum. Num futuro distópico (e parece que, infelizmente, não muito distante) as autoridades proíbem que os cidadãos possuam livros e os bombeiros, ironicamente, contrariando a função original que conhecemos, são os encarregados, atendendo a chamados, denúncias ou suspeitas, de queimar os objetos proibidos onde os encontrarem. Só que, no novo, a ideia de ampliar a restrição legal, originalmente limitada aos livros, também a computadores e mídias eletrônicas mostra-se uma péssima ideia. Pra quê? Pra atualizar? Para o espectador se sentir identificado com a sua realidade tecnológica? Bobagem! Bo-ba-gem!!! Mesmo hoje num mundo altamente tecnológico, com todas as opções eletrônicas possíveis à disposição, poucas coisas representam algo tão subversivo como ter, ler um livro. Nada, nenhuma ideia, nenhum outro elemento que o diretor quisesse utilizar, seria mais impactante do que o livro. E aí o cara me vem e faz uma cena com bombeiros queimando CPU's, tablets, pen-drives e laptops? Ora, faça-me o favor... Essa escolha, além de ferir o espírito original proposto pela obra de Ray Bradbury, compromete seriamente todo o filme pois mesmo depois, quando a ideia dos livros, efetivamente, é "retomada", o rumo já está irremediavelmente confuso e enfraquecido.
Na intenção de fazer o espectador identificar a censura, um processo de implantação de um modelo fascista e os métodos de fortalecimento desse sistema, o remake não deixa nada para a imaginação ou para conclusões do espectador, excluindo toda a poética reflexiva contida no romance e tão presente no filme de François Truffaut. "Isso é bom", "Isso é mau", "Oh, estão tirando nossa liberdade de pensar", "As autoridades manipulam informação e se aproveitam da ignorância", Ohhh!!! É tudo colocado de maneira tão didática e primária que o filme acaba-se tornando uma obra fria e sem alma.
Do outro lado, no entanto, o que temos é pura poesia. Futebol-arte em sua essência! Um futebol de encher os olhos, literalmente, uma vez que não faltam cenas lindíssimas capazes de emocionar o espectador e levá-lo às lágrimas. A cena do protagonista, o bombeiro Montag lendo um livro pela primeira vez, como se fosse seu segundo nascimento; a cena da idosa se autoimolando, em chamas, entre seus livros; a das pessoas-livro transitando entre si, no refúgio na floresta, como se aquilo fosse uma espécie de biblioteca em movimento; sem falar na trilha sonora de Bernanrd Hermann, o compositor das trilhas clássicas de Alfred Hitchcock.

"Fahrenheit 451" (1966/2018)

E tem a sutileza da representação de futuro de François Truffaut, com muito menos elementos, sem grandes artifícios técnicos, apenas com uma sugestão muito bem pensada para elementos como transportes, mobiliário, design, etc., contra todos os efeitos especiais e as gigantescas projeções de imagem nas fachadas dos prédios, na nova versão; tem a caracterização da rebelde Clarisse no remake, obscura, sombria e atuando como uma informante das autoridades, totalmente oposta à antiga, vivida brilhantemente por Julie Christie, uma jovem contagiante, curiosa cuja última coisa que faria na vida seria caguetar companheiros e revelar esconderijos dos livros; e ainda a atuação inexpressiva de Michael B. Jordan como o novo Montag em contraste com a perfeita de Oskar Werner, autômato e atoleimado num primeiro momento, hesitante e confuso ao descobrir os livros e, por fim fascinado e determinado em defender aqueles objetos mágicos que ele só então descobrira.
Enfim, uma aula de futebol!
"Fahrenheit 451" de 1966 simplesmente incinera "Fahrenheit 451" de 2018!
Não vamos perder as contas:
Um pela abertura; dois pela ideia de incluir eletrônicos aos itens procurados pelos bombeiros; três pela trilha de Bernard Hermann; quatro pelo "futuro" de Truffaut; cinco pelas caracterizações dos personagens Montag e Clarisse; e seis pelas cenas memoráveis de levar lágrimas aos olhos. O original se complica sozinho e faz um golzinho contra na cena em que vigilantes sobrevoam o rio com uma engenhoca futurista para tentar encontrar Montag. Um efeito especial sofrível e desnecessário. Mas não faz a menor diferença, o placar final já está definido e "Fahrenheit 451" original reduz sua refilmagem a cinzas.

Se a cena da idosa queimando com seus livros, no original é um dos momentos mais tocantes,
na refilmagem, nem todo aquele fogo, consegue deixar de ser fria.


O remake de 2018 sentiu a responsabilidade e a bola parecia estar queimando
no pé do inexperiente time de Ramin Bahrani.
Por outro lado, os comandados de François Truffaut entraram quentes no jogo desde o início
 e não deram chances para o adversário.
Uma vitória que vai para os livros de História.


 



Cly Reis

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

20 filmes essenciais do cinema francês



Resnais, cineasta com
mais de um título na lista.
Uma das missões de minha profissão, a de jornalista, é a de, a partir de meu filtro capacitado e abalizado, informar as pessoas daquilo que não lhes está evidente, ajudando-as a se elucidar e formar opinião. Quando se trata de assuntos envolvendo cultura e arte, não é diferente. Levar-lhes o “não óbvio”, aquilo que não conhecem, pois o que já conhecem não precisa, certo? Não exatamente. Há tanta confusão de informação no ar (e nas redes) que o “óbvio”, por desconhecimento ou falta de critério, mistura-se com o irrelevante ou passa até a ser relegado. Os melhores filmes franceses de todos os tempos, por exemplo: numa recente lista, vi apontados títulos queridinhos como “O Fabuloso Destino de Amélie Poulin” e “Intocáveis” como sendo indispensáveis, enquanto que não figuraram nada de Jean Vigo ou Michel Carné. Ora, convenhamos! E olha que não estou nem falando de obras de cineastas menos conhecidos, mas igualmente merecedores, como Sacha Guitry ou Julien Duvivier – mas aí, seria exigir demais.

O cinema francês é um dos mais ricos e referenciais da cinematografia mundial, desde os irmãos Lumière até as escolas e movimentos que este promoveu ao longo do tempo, como o Realismo Poético, o Cinema Vérité e a revolucionária Nouvelle Vague. Nada contra os bons “Intocáveis” ou “Amélie Poulin” – este último, aliás, se tivesse que escolher um de Jeunet, preferiria “Delicatessen” ou “Ladrão de Sonhos”. Porém, basta conhecer um pouco da história do cinema do país de Victor Hugo para enxergar o rico e numeroso universo de produções relevantes para além desses sucessos recentes. O pioneirismo, as inovações estilísticas, as contribuições técnicas e teóricas se deram em vários momentos da história da sétima arte. Definitivamente, o cinema francês não deve ser reduzido a uma amostra que nem de longe reproduza seu tamanho e importância.

Por conta disso, elaborei uma lista de 20 títulos realmente essenciais para se compreender e admirar o cinema francês. Óbvios para mim, mas a quem não conhece ou se enreda em avaliações mal ajuizadas, talvez não. Afora a criteriosa tarefa de selecionar os mais relevantes entre tantos títulos ótimos, elencá-los foi delicioso. Estão aqui mencionados, sem ordem de preferência, clássicos que determinaram épocas, obras-primas consagradas do cinema mundial e filmes que cumpriram papéis além do próprio cinema: tornaram-se ícones da arte e da cultura do século XX, como “Acossado”, “A Regra do Jogo” ou “A Nós a Liberdade. A ideia foi a de constar um de cada grande realizador, embora alguns (Truffaut e Resnais, por exemplo) inevitavelmente haja mais tendo em vista a indispensabilidade das realizações citadas. Também, dentro da lógica de informar a partir de meu filtro pessoal, se perceberão toques de meu entendimento próprio. De Carné, optei por incluir “Os Visitantes da Noite” e não o consagrado “O Boulevard do Crime”; De Buñuel, “O Discreto Charme da Burguesia” a “Bela da Tarde”; De Godard, “Je Vous Salue, Marie” a algum dos cult-movies dos anos 60, como “Pierre Le Fou” ou “Alphaville”. Crítica pessoal pura, mas que em nada prejudica a representatividade da seleção como um todo.

Claro, ficou de fora uma enormidade de coisas, como “Lacombe Lucien”, de Malle, “Orfeu Negro”, de Camus, “Eu, um Negro”, de Rouch, “A Bele e a Fera”, de Cocteau, ou “Napoleon”, de Gance. Privilegiou-se os essencialmente franceses, por isso não aparecem co-produções como “O Último Tango em Paris” ou “A Comilança”. Também não entraram nada de Maurice Pialat, Eric Rohmer, Costa-Gavras, Jacques Demy, Jacques Rivette... Paciência. Além da impossível unanimidade de listas, uma como esta, que represente algo tão relevante e robusto, incorreria em incompletude. Uma coisa é certa: não perdemos tempo com irrelevâncias. Ah, isso não. Voilà!



- “Viagem à Lua”, de Georges Méliès (“Le Voyage dans la lune”, 1902)


- “A Nós a Liberdade”, de René Clair (“À Nous la Liberté”, 1931)

- “Zero de Conduta”, de Jean Vigo (“Zéro de conduite”, 1933)
Poster original de
"Zero de Conduta"

















- “A Regra do Jogo”, de Jean Renoir (“La Regle Du Jeu”, 1939)

- “Os Visitantes da Noite”, de Michael Carné (“Les Visiteurs du Soir“, 1942)

- “Orfeu”, de Jean Cocteau (“Orphée”, 1950)
A visão de Cocteau para a
saga de Orfeu













- “As Diabólicas” (“Les Diaboliques”), de Henri-Georges Cluzot (1955)

- “Meu Tio”, Jacques Tati (“Mon Oncle”, 1958)

- “Os Incompreendidos”, de François Truffaut (“Les 400 Coups”, 1959)
Cena do revolucionário
"Os Incompreendidos"













- “Os Primos”, de Claude Chabrol (“Les Cousins”, 1959)

- “Hiroshima, Moun Amour”, de Alain Resnais (1959)

- “Acossado”, de Jean-Luc Godard (“À bout de souffle”, 1960)


- “O Ano Passado em Marienbad”, de Alain Resnais (“L'Année dernière à Marienbad”, 1961)

- ‘Jules et Jim”, de François Truffaut (1962)

- “Cleo das 5 às 7”, de Agnès Varda (“Cléo de 5 à 7”, 1962)

- “La Jetée”, de Chris Marker (1962)
As impressionantes foos de Marker
que compõe a narrativa de "La Jetée"














- “Trinta Anos Esta Noite”, de Louis Malle (“Le feu follet”, 1963)

- “O Discreto Charme da Burguesia”, de Luis Buñuel (“Le charme discret de la bourgeoisie”, 1972)

- “Je Vous Salue, Marie”, de Jean Luc Godard (1985)
"Je Vous Salue, Marie", a produção
mais recente da lista
junto com Betty Blue












- “Betty Blue”, de Jean-Jacques Beineix (“37° le Matin”, 1986)




quarta-feira, 12 de setembro de 2012

"Fahrenheit 451", HQ de Tim Hamilton, baseada na obra de Ray Bradbury - Globo Graphics (2012)



Acabei de ler há pouco a HQ "Fahrenheit 451", baseada no livro homônimo de Ray Bradbury e fiquei bastante bem impressionado. A adaptação do norte-americano Tim Hamilton é sombria, é forte, é inquietante, em grande parte, sim, pelo conteúdo original, de um futuro onde os livros são proibidos e queimados pelas autoridades, mas muito pela maneira como vê, como interpreta cada frase, cada cena descrita pelo escritor original. A obra em graphic novel é muito mais fiel que a adaptação cinematográfica de François Truffaut, muito mais poética e com mais ênfase direta nos livros especificamente, culminando naquele belíssimo final de biblioteca viva. A versão do desenhista, avalizada e prefaciada com láureas pelo próprio Ray Bradbury recém falecido no último mês de junho, centra-se mais no cerceamento da liberdade, nos aspectos sociológicos e no empobrecimento cultural humano, trazendo-nos um Montag perturbado e confuso, e principalmente por conta de seus quadrinhos escuros, indefinidos e diáfanos, compondo um quadro geral final que soa um tanto mais pessimista.
Vale conferir!
Mais uma grande obra da literatura adaptada com brilho e competência para os quadrinhos. Que continue assim!





Cly Reis