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sábado, 23 de julho de 2022

Exposição “O Meu Frágil Mundo Passageiro”., de Maria Tomaselli - Galeria Ecarta - Porto Alegre/RS

 

Em deriva pela própria cidade num curto período de férias, Leocádia e eu nos deparamos com um espaço cultural que, por incrível que pareça, nunca havíamos visitado: a Galeria Ecarta, na Cidade Baixa. Com tempo, entramos, e qual nossa surpresa? Uma bela exposição da desenhista, pintora e gravadora austro-brasileira Maria Tomaselli. Pessoa a quem Leocádia conhece e tem apreço, Tomaselli – que, inclusive, é autora de uma das obras que embeleza uma das paredes de nossa casa com uma pequena gravura em metal – está na Ecarta com a mostra “O Meu Frágil Mundo Passageiro”.

A satisfação de conhecer o simpático local se completou com a de ver esta belíssima exposição de Tomaselli, que se encerrou no último dia 10 de julho. Dona de uma expressividade forte, vê-se na sua obra visíveis traços de seus mestres: Iberê Camargo, Xico Stockinger e Vasco Prado, porém, como todo bom artista, utilizados a favor de seu próprio estilo. Há uma morbidez fantasmagórica constante, mas não necessariamente horripilante. A profusão de cores vibrantes, por exemplo, não deixa recair às sombras do inconsciente. A presença do mórbido e do fantasmático funciona quase como um elogio à natureza humana: inerente mas passível de ser transformada no belo. Uma poesia que se insinua entre o amargo e o sublime para expressar o frágil mundo material de Tomaselli, o qual é, sim, passageiro como o nome diz.

A variedade de técnicas e de plataformas surpreende e instiga, visto que vão desde pintura, a esculturas e trabalhos em lonas desenvolvidos ao longo de uma trajetória de mais de 50 anos de atividade da artista no Brasil. De figuras enormes, quase de tamanho humano, a miniaturas cuidadosamente pintadas, passando por óleo, desenho, técnica mista, serigrafia, gesso e trapos, a arte de Tomaselli expressa a “singularidade simbólica da vida”, como define o curador Nicolas Beidacki, com potência e desacomodação. Um bálsamo para uma tarde perdida por Porto Alegre.

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Exposição começa densa: técnica mista, serigrafia, pano, óleo e spray


O inspirado livro de artista "Tô na Lona", feito em... lona


Gravura em metal da série de 1998 que nos acostumamos a ter em casa


A riqueza de detalhes e simbologias das esculturas da artista



Composição de dois pequenos quadros com objeto e madeira policromada
junto ao avantajado díptico, pintura e óleo sobre tela (2003/12)


Detalhe de uma das instigantes telas de Tomaselli


Outro detalhe: dentro do altar de madeira, um pequeno e oprimido quadro de um rosto estilizado


A religião como tela, literalmente, divisor


A escultura em bronze "Jardim Papal", de 1995: forte influência de Vasco e Stockinger


Ares de Iberê na certeza da morte de "Ucrânia 3". Claro, deste ano


Os impactantes "Monstros": escultura, gesso, ferro, trapos e jornais (2014)


Detalhe de um dos monstros, que o fazem ainda mais humano


Solidão e súplica a um mundo que não lhe pertence na pintura
e acrílica sobre tela "Setembro 2003"



Impressionante tríptico seja pela temática infernal, seja pela
forma de técnica mista sobre papel


Suspensos, os "Cutucos", objetos em alumínio e spray (2004)


Se a humanidade oprime, as cores reativam a esperança


"Vira Anjo Caído", pintura a óleo sobre tela


Composição que explora vertentes da artista



Novamente o deslocamento e a solidão em "Tavares X" (2006)


Uso das cores como resgate da beleza perdida 



O encaixotado "Casal" no óleo sobre lona de 2015



Deformação inquietante da escultura de Tomaselli


Díptico com a difícil técnica mista sobre papel


Forte referencia a Iberê na intensidade do traço e da pincelada


"Veste IX". técnica mista e pintura, das mais antigas da mostra: 1979



Pintura a óleo sobre sobre lona da série "Setembro"


A riqueza da plasticidade de Tomaselli



Das mais lindas da exposição, a "Figura Azul", de 1991, acrílica sobre tela



Daniel Rodrigues

terça-feira, 5 de julho de 2022

Exposição “Antes que se apague: territórios flutuantes”, de Xadalu Tupã Jekupé - Fundação Iberê Camargo - Porto Alegre (RS)

 

É sempre um prazer voltar à Fundação Iberê Camargo. Aproveitando dias de descanso e uma tarde ensolarada na gélida Porto Alegre invernal, o passeio se completou com o convite de Leocádia a visitarmos a exposição a pouco aberta do artista visual gaúcho e indígena Xadalu Tupã Jekupé, “Antes que se apague: territórios flutuantes”. Condizente com o momento histórico que o Brasil vive atualmente, de total desrespeito à cultura indígena somados aos séculos de extermínio do povo originário americano.

Com curadoria de Cauê Alves, a primeira individual do artista na instituição aborda a questão do apagamento da cultura indígena na região oeste do Rio Grande do Sul, onde diversas etnias foram dizimadas. São 19 obras, que surpreendem pelas dimensões impactantes e pela riqueza de simbologias. Elas são memórias da infância de Xadalu, bem como de sua mãe, de sua avó e de sua bisavó, na antiga Terra Indígena Ararenguá, na beira do Rio Ibirapuitã, em Alegrete. Memórias da casa de barro, sem luz elétrica, do fogo de chão e da pesca, das águas geladas que atravessavam todos os dias em busca de alimento e das infinitas noites escuras, apenas iluminadas pelas estrelas.

Para quem circula por Porto Alegre há aproximadamente uma década, é quase impossível não ter se deparado com os adesivos, cartazes, pinturas ou bandeiras de Xadalu com o escrito “área indígena”. Diferentemente da anarquia escancarada de Toniolo da Porto Alegre dos anos 80, é a reinvindicação do direito ao território, uma reocupação simbólica, uma vez que, de fato, não apenas este pedaço do Sul, mas todo o Brasil (quiçá, quase toda as Américas) já foi território indígena. 

Na exposição, contudo, o artista avança em sua crítica-manifesto e redimensiona estes significados. Um fator que impressiona, além do uso das cores e da apurada técnica no uso da tinta acrílica, é a cosmologia indígena, a qual difere radicalmente do paradigma “branco”. Planetas, satélites, espaços terrestres ou o próprio céu ganham formas quase surreais, místicas, encantadas, quando não donas de uma luminosidade tão viva, que além da realidade. 

Mais impressionante, contudo, ainda mais para porto-alegrenses como eu e Leocádia é a reapropriação/ressignificação dada à imagem das carrancas que fazem parte dos adornos da Catedral Metropolitana. No alto do da igreja, mostram rostos guaranis sofridos que representam a sucumbência do índio ao homem branco e a Igreja. Xadalu, irônico, inverte esta lógica: com os dizeres "OI pecei cetã nnande ary" (algo como “A cidade sobre os índios”) e a impactante reprodução destas mesmas carrancas, agora povoando o espaço urbano que lhe foi tirado.

Detalhe dos rostos dos guaranis que há mais de um século
 "adornam" a cidade"

Na visão de Cauê, a obra de Xadalu representa “uma espécie de reconquista que não é como a conquista colonial, que explora e destrói a terra, seja pelo garimpo, a monocultura ou a construção de cidades e monumentos, mas de modo singelo, chamando atenção para quem sempre esteve ali, sentado, resistindo, mas que foi praticamente apagado, como se os indígenas tivessem perdido sua visibilidade.”

Complementarmente à outra exposição presente no mesmo Iberê Camargo com a retrospectiva da artista visual pelotense Maria Lídia Magliani, mulher preta e de forte ativismo às questões femininas à sua época, a mostra de Xadalu fortalece a noção de ocupação a qual os diversos espaços expositivos vêm tomando consciência e, literalmente, espaço. Ver de forma tão consistente a questão indígena – assim como recentemente ocorrera no MARGS para a exposição “Coleção Sartori — A arte contemporânea habita Antônio Prado”, substituída por outra importante ocupação simbólica: “Presença Africana”, atualmente em cartaz – é um alento em tempos de intolerância e sombras. Tempos em que terras indígenas estão completamente desprotegidas e que a cultura originária corre – como talvez jamais esteve em 500 e tantos anos de descobrimento do Brasil – tamanho risco de aniquilamento.

Respeito à fauna e à clora, herança dos índios

Uso apurado da tinta acrílica 

Série "Pindovy", pintura e vídeo


Mais uma impressionante tela de Xadalu

Acrílica que parece até óleo sobre tela

A interessante instalação em que a terra se descola do planeta.
Transformação ou extinção?

Outra mensagem socioecológica pelo ponto de vista da cosmologia indígena

Obra que usa sementes sagradas como forma de expressão


Vista geral dos corredores

Nós e a gigante obra "Nheru Nhe'ry" (tinta acrílica, serigrafia e costura sobre tecido)

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exposição “Antes que se apague: territórios flutuantes”, de Xadalu Tupã Jekupé
Quando: até 31 de julho
Onde: Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2000, Porto Alegre)
Horários de visitação: Quinta-feira a domingo, das 14h às 18h/
Às quintas-feiras, entrada gratuita.
Ingressos: pelo site Sympla ou na recepção da Instituição.
Informações: iberecamargo.org.br


Texto: Daniel Rodrigues
Fotos: Daniel Rodrigues
Leocádia Costa

sábado, 21 de março de 2020

Exposição “Território Oscilante”, de José Bechara - Fundação Iberê Camargo - Porto Alegre (RS)




Bechara e suas formas básicas
reelaboradas
Aproveitando uma ensolarada tarde de férias, Leocádia e eu fomos visitar, após assombrosos 4 anos de ausência nossa, a Fundação Iberê Camargo. Motivos houve. Além da indisponibilidade de ambos por vários motivos, o Iberê, um dos carões-postais de Porto Alegre, teve, neste meio tempo sem que o víssemos, altos e baixos, a ponto de quase fechar as portas. Mas agora, retomada sua evidente importância para a cena cultural da cidade de uns 2 anos para cá, vem trazendo, como sempre se propôs, boas programações e, principalmente, exposições interessantes. Uma delas é a do artista visual carioca José Bechara, cujas obras tomam o 1º piso e o térreo do espaço, intitulada “Território Oscilante”.

Bechara, a quem havíamos tido a boa surpresa de ver de perto seu trabalho em uma exposição menor mas semelhantes no MON, em Curitiba, em 2014, tem uma obra bastante moderna em proposta, que lida diretamente com o espaço, o equilíbrio e a forma. Desta feita, com curadoria de Luiz Camillo Osório, são cerca de 30 obras, que retratam o universo estético e ideológico do artista. As formas geométricas usadas com agudez – ora o quadrado, ora o círculo – são base para toda uma construção pictórica, que visa ir ao princípio das coisas. Mesmo quando deformadas, as formas básicas estão lá. Assim são desde suas instalações (“Ok, Ok, Let’s Talk”, madeira, 2008) como os quadros “Díptico Macio” (da série Criaturas do Dia e da Noite, acrílica, oxidação de emulsões cúprica e ferrosa sobre lona usada de caminhão, 2018).

Opressão e incomunicabilidade na instalação “Ok, Ok, Let’s Talk”:
ironia que traduz tempos de autoritarismo

Como artista visual sintonizado com a modernidade, a superfície a qual materializa suas ideias é, a se ver pelos exemplos mencionados acima, bastante variável. Ele recorre desde a fotografia, a instalação com materiais diversos à pintura e até o uso de matérias-primas vulgares, como vidro, plástico e lâmpadas fluorescentes (“Nuvem para Meia Altura”, 2015-2019).
Diversidade de técnicas na obra de Bechara

Conforme o curador, a “atenção aos elementos materiais do mundo, a experiência do tempo e suas formas de inscrição na superfície das coisas, constituíram um modo de operação poética que teve a apropriação como método e a precisão como régua”.

A mostra ainda guarda um rápido mas interessante paralelo entre a obra do artista convidado, Bechara, com a do que nomeia o espaço, Iberê Camargo. Admirador da obra do artista gaúcho, Bechara - que o compara a Byron e Augusto dos Anjos pela originalidade ("gênios que possuem substâncias mentais semelhantes àquelas que deram origem ao mundo") - busca na brutalidade poética e sombria dos territórios estranhos em que este se embrenhou artisticamente para, modestamente, fazer um paralelo de suas obsessivas formas geométrica com os obsessiva composição do autor dos carretéis.

Vejam, então, algumas das obras da exposição:

Detalhe de quadro: técnica que usa oxidação e lona de caminhão
O interessante “Nuvem para Meia Altura”
Instalação "Sobre Amarelos", composta por acrílica, madeira e vidros (2019)



A tela gigante da série "Criaturas do Dia e da Noite"

Outra lindeza da mostra, "Preta com Verde": Acrílica e oxidação de
ferro sobre madeira, de 2012

Uma das esculturas que dialoga com dois quadros de Iberê

A outra escultura de Bechara que conversa conceitualmente com o artista anfitrião

Dois clássicos de Iberê escolhidos para estabelecer paralelo,
ambos da série "Desdobramentos", dos anos 70

As belas formas geométricas que tomam o térreo do centro cultural, proposta que já
havíamos conhecido em 2014


por Daniel Rodrigues