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quinta-feira, 1 de setembro de 2022

"Violência Gratuita", de Michael Heneke (1997) vs. "Violência Gratuita", de Michael Heneke (2007)



É aquele caso do treinador que faz um trabalho muito competente em uma liga "menor", sempre com bons trabalhos, chama atenção em um grande centro futebolístico e é contratado para aplicar seu trabalho numa liga mais disputada e endinheirada. O problema para os cartolas é que o cara, cheio de personalidade, calejado de tanto enfrentar exatamente aqueles bichos-papões com o que tinha em mãos, quando chega no novo desafio, já vai avisando que não está indo pra lá pra jogar do jeito que eles querem, mas que vai fazer do seu jeito. Aí que ele faz o time dele, na liga milionária, jogar exatamente do mesmo modo que jogava na liga mais modesta, sem nenhuma concessão. É o que aconteceu com Michael Heneke: com seu "Violência Gratuita", de 1997, o diretor austríaco chamou atenção de Hollywood com um filme perturbador sobre uma família que vai passar uns dias em sua casa de temporada e passa a ser acuada e torna-se refém de uma dupla de jovens desequilibrados que submetem o casal e seu filho a torturas físicas e psicológicas brutais, sem nenhum motivo evidente, apenas por mera diversão.
Bem coisa que americano gosta, né? Chalé afastado, adolescentes sádicos, vítimas encurraladas, violência gratuita... "Bom, vamos chamar o cara pra fazer um remake pra nós desse filme aí", pensaram os yankees. Só que o lance todo é que o filme do gringo era exatamente uma crítica à abordagem da violência no cinema americano, aí que o estrangeiro até topou trabalhar pro Tio Sam mas fez um filme igualzinho ao que tinha feito antes, sem tirar nem pôr ("Violência Gratuita", 2007). Só que, mesmo tão iguais, são um pouquinho diferentes e o original é um levemente melhor.
O mecenato que o contrata até dá reforços de peso pro time dele: a bi-indicada ao Oscar Naomi Watts e o competente Tim Roth, mas mesmo os dois não fazem a diferença que se poderia imaginar. A atriz se limita, praticamente, a reproduzir a atuação da alemã Suzanne Lothar, esta sim, brilhante e muito convincente no papel. Já Tim Roth que, a bem da verdade, nunca fora de encher os olhos, claramente está deslocado e pouco à vontade no papel.
Quanto às duplas de desajustados que atormentam o casal em cada versão, ambas são revoltantes, mas o duo original é mais perturbador. Se o comparsa, o Gordo, é praticamente equivalente em ambos os filmes, Paul, o líder fica muito mais impressionante na versão primeira, interpretado pelo ator Arno Fritsch. Parece mais frio, mais indiferente, com um olhar vago, perdido no nada como quem não tem nenhuma alma.


"Violência Gratuita" (1997) vs. "Violência Gratuita" (2007) - lado a lado


Enfim, nem sempre o que parece igual, realmente o é, e, assim, o filme original, embora reproduzido cena a cena, acaba levando ligeira vantagem sobre sua refilmagem.
Os atores, de um modo geral, funcionam melhor, com mais naturalidade no original; mesmo, praticamente iguais, algumas cenas tem mais impacto à primeira vista como a morte do menino e a genial rebobinada de realidade para que os vilões não percam a vantagem. Dois pontos cruciais que fazem a diferença: 2x1, no placar final. O remake garante o seu golzinho pelo fato de também ser um ótimo filme, quase tão bom quanto o que lhe deu origem. 
Cult-movies os dois podem ser, mas clássico mesmo, só o primeiro pode se gabar desse título.

Aqui as nossas duas duplas de ataque.
Muito entrosamento e agressividade.

Jogo violento!
Dois times que bateram muito e, o pior, 
com a condescendência da arbitragem, que deixou o jogo correr.
Na bola, as estrelas do time de 2007 não fizeram fizeram a diferença
e o time de 1997 ganhou nos detalhes com um jogo mais consistente.






por Cly Reis


sábado, 5 de fevereiro de 2022

"Ringu: O Chamado", de Hideo Nakata (1988) vs. "O Chamado", de Gore Verbinski (2002)

 



Jogo de dois grandes times!

A versão norte-americana foi a que apareceu primeiro por aqui e deixou muita gente com medo de atender ao telefone, mas logo se soube que tratava-se de um remake, muita gente foi atrás do original e descobriu que era tão arrepiante quanto o outro.

Em ambos os filmes, com algumas pequenas mudanças, o enredo basicamente é o mesmo: uma jornalista, (Reiko, em "Ringu", e Rachel, em "O Chamado") depois da morte misteriosa da sobrinha, acaba investigando uma suposta fita de vídeo-cassete que, ao que parece, "mata" quem a assiste, uma vez que, uma semana depois de ver o pequeno e confuso filme, repleto de imagens desconexas, com uma misteriosa mulher, um precipício e um sinistro poço, o infeliz espectador inevitavelmente, morre.

Ainda no início das investigações e um tanto incrédula, naquele momento, a repórter assiste ao conteúdo da fita e, em pouco tempo, se convence que, assim como sua sobrinha e outras pessoas que descobrira terem visto o tal vídeo, está condenada à morte. Começa, então, uma corrida contra o tempo e contra a morte, tentando descobrir o que pode interromper o processo. Para piorar, seu filho assiste à fita a aí que o desespero bate mesmo. Resta analisar, com urgência, cada um dos elementos que aparecem no filme, a mulher, o espelho, o poço..., e tentar achar uma pista de como salvar o filho. Quem é a mulher? Onde é a casa onde ela está? Onde fica aquele poço?

Aí há diferenças entre os filmes quanto à atividade da tal mulher: no original, uma pitonisa, no outro, uma criadora de cavalos; no primeiro com uma relação conturbada com o marido, no outro mais convencional. No entanto, em ambos os casos  as investigações apontam para a filha do casal, no original Sadako, e Samara no remake, que teria tido uma morte trágica, possivelmente ligada ao poço, e agora, através da fita sobrenatural voltava para uma vingança contra todos pelo destino que teve.

Ocorre à repórter, com ajuda de seu ex-marido, que também já assistirá ao vídeo, que, somente encontrando os restos mortais da garota e dando-lhe um sepultamento digno, seu espírito torturado descansará em paz. Será?

O filme norte-americano é melhor. Desenvolve melhor a trama, coloca novos elementos sem comprometer o argumento básico, tem a ótima Naomi Watts no papel da jornalista Rachel, e uma fotografia esverdeada, esteticamente interessante, e que dá um aspecto mais sombrio e "úmido" à película. Além disso, a expressão das vítimas da fita, com suas caras retorcidas, é mais aterrorizante no novo; o curta-metragem mortal contido na VHS é muito mais perturbador; a valorização da água, remetendo ao poço, é uma bola dentro, acrescentando um elemento visual e psicológico importante para o espectador; e a parte técnica, com sua direção de arte, som e efeitos visuais, muitas vezes desperdiçados em refilmagens, dessa vez fazem diferença a favor da produção hollywoodiana, com destaque para a clássica cena em que Samara sai da tela da TV.


"O Chamado" (1988) - Sadako saindo da TV


"O Chamado" (2002) - Samara saindo da TV


Colocado assim pode parecer que o original não tenha mérito algum mas é exatamente o contrário: foi um dos raros casos em que o remake pegou exatamente o que havia de bom e melhorou ainda mais.
Um 3x1, no placar, vá lá...

Tipo aquele jogo que não é mole mas a diferença técnica é evidente de um time pro outro. Ele faz valer essa diferença, abre 2x0, até toma unzinho pela boa qualidade do adversário, mas logo faz o terceiro e fica tranquilo. Poderia até golear mas por respeito a um adversário tão digno, tira o pé, e fica nisso mesmo. 

Aqui, um pequeno comparativo de imagens:
bem no alto, a aparência da primeira vítima, a sobrinha, depois do contato com a menina maldita;
na segunda faixa, as jornalistas, Reiko, à esquerda, e Rachel à direita, assistindo ao vídeo fatal;
logo abaixo, o visual dos dois poços, primeiro o do original e depois o do remake;
e por fim, as já icônicas personagens do mundo do terror, Sadako e Samara.



Sadako, telefone pra você.
E é a Samara.
Ou seja: você está morta.
"O Chamado" coloca "Ringu" no fundo do poço!





por Cly Reis

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

"Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)", de Alejandro Ganzáles Iñárritu (2014)




Todos os filmes de Alejandro Gonzáles Iñárritu sempre foram perturbadores. De “Amores Brutos” (2000) até “Babel” (2006), ele fazia uma espécie de fé absoluta no hiper-realismo, no qual qualquer acontecimento fortuito no mundo pode trazer consequências imprevisíveis na vida do ser humano. Como o acidente de “Amores Brutos” ou o tiro de “Babel”, para Iñarritu, o simples voo de uma borboleta poderia causar um tsumani. A partir de “Biutiful” (2010), o sobrenatural começou a fazer parte do cinema do diretor mexicano. Nele, o personagem de Javier Bardem, Uxbal, consegue falar com os mortos. Após descobrir que está com câncer terminal, este contato passa a ser cada vez mais surreal. Mas “Biutiful” foi uma espécie de introdução a este mundo de fantasia. Seu filme mais recente, “Birdman” é o exemplo mais radical que Iñárritu conseguiu para este mergulho num mundo interior e de como ele se manifesta na vida real. Riggan Thomson (Michael Keaton, sensacional)é um ator atormentado (com o perdão do trocadilho) por um personagem das histórias-em-quadrinhos que interpretou em três filmes de sua carreira, o famoso Birdman.
Edward Norton e Naomi Watts, ambos em 
atuações destacadas
O filme começa com Riggan levitando em seu camarim antes de se envolver com toda a produção de uma peça de teatro na Broadway baseada nos contos do grande escritor minimalista americano Raymond Carver, “What We Talk About When We Talk About Love”.A partir daí, passamos 199 minutos oscilando entre o sonho, a realidade e a consciência de Riggan, manifestada na voz do seu personagem Birdman. Iñárritu nos leva nesta jornada por estes três estados da vida humana sem nos dar nenhuma folga ou pista de onde estamos. Com a câmera flutuante de Emmanuel Lubezki, o diretor brinca de “Pacto Sinistro”, de Alfred Hitchcock, nos dando a impressão de que estamos vendo um plano-sequência do começo ao fim. Nisso, a montagem de Stephem Mirrione e Douglas Crise é exemplar. Esta viagem pelo mundo de um astro decadente do cinema que tenta conseguir validação no mundo teatral é apenas um dos vários plots que Iñárritu cria em seu roteiro, dividido com outros três companheiros. A velha questão das diferenças de “cultura alta” e “cultura baixa” que Umberto Eco e Edgar Morin já analisaram lá nos anos 60 também está lá. Ele atualiza a discussão, usando o fascínio que Hollywood tem apresentado pelos super-heróis, o poder da crítica sobre o fato cultural, as relações de poder entre pai e filha e ator principal e coadjuvantes. Para tanto, ele conta com as atuações acima da média de Emma Stone, Edward Norton, Zack Gallifianakis, Naomi Watts e Andrea Riseborough. O grande destaque, porém, é mesmo Keaton, o ator perfeito para interpretar Riggan, especialmente depois de ter “desaparecido” dos blockbusters, após as experiências com os dois primeiros Batmans de Tim Burton. Muita gente tem reclamado do astral onírico de “Birdman”, pois não há diferenciação do que é real ou fantasia. O público médio parece ter a necessidade de que tudo seja muito bem explicadinho. Por isso, talvez, “Birdman” não tenha entrado numa espécie de inconsciente coletivo da mesma maneira que “Boyhood”, por exemplo, onde a realidade é mais do que explícita. É básica para a compreensão daquela história. Se você se permitir entrar na viagem visual de Iñárritu, tenho certeza de que não vai se arrepender. Quem não conseguir, sempre tem um filminho bonitinho e inofensivo como “A Família Bélier”em cartaz.


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por Cly Reis



Dia desses, na casa de serra do meu cunhado, meu sobrinho emprestado assitia a um filme que tinha gravado enquanto eu, na mesma sala, apenas brincava com a minha filha. Só que de repente, numa olhada que outra para a tela, aquele filme me começou a chamar a atenção. Porque não cortava. Não tinha cortes. Um plano sequência longo, longo, longo, com várias cenas e situações se desenvolvendo, câmera viajando, mudando de ambientes, personagens entrando e saindo de cena. O que era aquilo? Era "Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)" (2014), um dos concorrentes a melhor filme para o Oscar deste ano e por sinal, um dos filmes com maior número de indicações.
Me prendeu. Não parei mais de ver. Parei de brincar com a minha filha, passei a tarefa pra minha esposa pelas 2 horas seguintes e mergulhei na telinha. Como havia perdido o início, assim que acabou, voltei para ver desde o começo e quase acabo assistindo todo ele novamente.
Riggan perseguido pelo seu próprio personagem.
Estou (ainda) meio por fora dos concorrentes do Oscar deste ano, estava de férias quando saíram as indicações e não fixei bem os principais destaques, mas desde já, tendo visto apenas outros 2 concorrentes a melhor filme ("Boyhood" e "O Grande Hotel Budapeste"), entrego de cara os prêmios de direção, roteiro original para "Birdman", até deixo em aberto o prêmio de ator coadjuvante, mas considero a atuação de Edward Norton simplesmente extraordinária, isso sem falar na edição primorosa prêmio para o qual curiosamente o longa sequer foi indicado.
No que diz respeito a direção, só o fato de conduzir o filme praticamente todo em planos sequência (sutilmente interrompidos, é verdade), entrelaçando as situações de maneira tão hábil, fazendo de forma muito competente com que elementos da vida dos personagens confundam-se com o roteiro da peça encenada por eles dentro do filme, já são motivos muito fortes para que o bom, cada vez melhor, Alejandro Gonzáles Iñárritu, de "21 Gramas", "Babel" e "Biutiful", saia da cerimônia do próximo dia 22 de fevereiro com a sua estatueta na mão.
Por razões parecidas, por essa integração que ao mesmo tempo é um conflito do andamento da história com o da peça, com o desenvolvimento dos personagens, em especial com a vida do personagem Riggan Thomson, vivido por Michael Keaton, é que acho que, também, é impossível ignorar a qualidade de um roteiro assim, simplesmente brilhante e deixar de premiá-lo com o Oscar da categoria. E aí que me intriga que a edição não tenha sido indicada, uma vez que para fazer funcionar uma direção sem cortes e um roteiro tão bem concatenado, a montagem, preciosa e crucial para o filme, se destaca como ponto alto e inevitavelmente ligada às duas outras indicações que qualificam o filme.
Conflito de bastidores entre diretor e ator.
O bem desenvolvido roteiro, no caso, trata de um ator, famoso por um personagem de super-heroi no cinema, o Birdman, que tendo se negando a fazer mais uma sequência da franquia fica meio "escanteado" pelos grandes estúdios e pretendendo reerguer a carreira, ser levado a sério como ator e ter seu talento reconhecido não apenas como um personagem popularesco, resolve adaptar e dirigir uma peça para a Broadway. Entre temperamentos difíceis de atores, pressão de produtores, problemas pessoais, dificuldades de montagem, de roteiro, etc., os ensaios vão se desenvolvendo enquanto Riggan continua de certa forma convivendo com a sombra do personagem que o tornara grande.
O filme de Iñárritu é a mesmo tempo uma crítica e uma homenagem ao mainstream, à fama, à voracidade da indústria do entretenimento que é capaz de elevar alguém a uma condição de idolatria desmedida, quanto tem o poder de devorar esta mesma pessoa.
Inteligente, dinâmico, mordaz, engraçado, lúdico, poético, reflexivo, na minha opinião, "Birdman" só não leva o prêmio principal por aquelas coisas da Academia que a gente sabe como são. O tal "Doze Anos de Escravidão", um bom filme, porém bem comunzinho, levou o grande prêmio no ano passado, né? Pois é. Diretor estrangeiro, andamento atípico, humor negro... Fatores que podem contar a favor ou contra. Nunca se sabe quais os critérios que o pessoal de Holywood vai adotar.
Mas independente de premiações, fiquei muito satisfeito por, assim, quase sem querer, ter topado com um filme como esse. Daqueles que deixam quem gosta de cinema, em  todos os seus detalhes, plenamente satisfeito. Daqueles que enchem a alma de satisfação.