Todos chegaram cansados da viagem. Horas dentro do avião, atraso no embarque, até turbulência pegaram. André era um dos que queria mais recolher a bagagem e ir para casa depois de dias trabalhando fora. Postou-se impaciente igual aos companheiros de voo em frente à esteira de bagagens, última etapa antes cruzar a porta de saída e rumar definitivamente para casa e cuidar, enfim, da sua vida.
"Veia" - Rodrigues, Daniel |
Os pertences ainda não circulavam na esteira ainda desligada,
imobilidade esta que gerava aqueles minutos de inquietação e desconforto. Mas
não só por causa do cansaço e da pressa; também porque este é sempre um momento
delicado, tendo em vista que, forçadamente, fica-se lado a lado com estranhos
sem poder sair, presos ali exclusivamente por causa daquilo que lhes pertence. É
uma situação em que é possível enxergar na posição vertical aquelas mesmas pessoas
que, se foram vistas dentro do avião, foi ou sentadas ou meio desconjuntadas acomodando
as malas. Naquele ínterim, André pôde ver de pé, por exemplo, um homem careca
troncudo e muito vermelho, cara de poucos amigos; uma loira carnuda de batom
avermelhado e fresco que André não entendera em que momento entre o desembarque
e a esteira ela conseguiu retocar; e um jovem bastante alto com cara de atleta,
o qual desconfiava já ter visto na tevê jogando vôlei.
Seus olhos percorriam curiosos e silenciosos os outros, vendo se
achava algo interessante a se fixar já que não tinha outra opção do que fazer.
Tinha crianças, velhas, jovens, tudo gente muito normal. Até que, enfim, a
esteira começou a se mover. Alegria geral. Fez-se aquele leve, porém irracional
alvoroço que as pessoas não conseguem conter. Neste instante, veio à cabeça de
André o recorrente pensamento de que sempre sua bagagem é das últimas a
aparecer, não sabia o porquê. Mas tentava agora contrariar o próprio pessimismo,
e torcia para que, dessa vez, fosse diferente, pois aguardava ansiosamente pelo
que vinha.
Começaram a rodar as bagagens. A primeira apontou lá longe. Depois
vieram outras, entre maletas, pacotes, bolsas, mochilas, caixas, até prancha de
surf. Giravam em carrossel diante dos olhos atentos de todos, como que
desfilando em uma vitrine de compras. A porta expulsava cada volume como um
orifício escuro que se abria e eliminava o que já não lhe cabia mais; aquilo
que, pressionando a saída, ansiava por ser expelido e ver a luz. Tal um
organismo.
As pessoas iam pegando as suas malas. Colocavam-nas nos
carrinhos e saíam; alguns felizes, outros aliviados, outros ainda mais
estressados. André via tudo esperando sua vez com os olhos fixos na saída.
Expectativa. Depois de várias passarem por ele, aumentando ainda mais a
ansiedade, enfim, a sua chegou. As abas de borracha, feito um hímen, resistiram
um pouco, mas logo foram vencidas pela força de expulsão daquele lindo bebê,
todo lambuzado de sangue e líquido amniótico, com o cordão umbilical ainda
grudado a si. Saiu do buraco movimentando os pés, as mãos e a cabeça, saudável
a olhos vistos, e seu choro estridente ecoava no salão amplo do aeroporto, vencendo
a atmosfera. André emocionou-se e encheu os olhos d’água. Ouviram-se aplausos empolgados.
Comoção de todos: passageiros, funcionários, quem passava. O senhor vermelho,
antes sisudo, surpreendeu-lhe, cumprimentou-o efusivamente. Outra senhora a quem
André nem tinha visto antes também veio lhe dar os parabéns, contando que já
tinha dois meninos e dizendo-lhe que filho é uma bênção de Deus. A loira de
bastante carne, até então desdenhosa, olhava-o agora com um sorriso tímido, mas
insinuante.
Até que os rolamentos contínuos da esteira fizeram com que a
criança chegasse à altura de onde André estava. Ele abaixou-se, agarrou
cuidadosamente o bebê e beijou-lhe a testa melada. Cessou o choro; só se
ouviam agora os grunhidinhos de conforto pelo calor do colo. André deu
meia-volta e rumou vitorioso a passos cuidadosos para o portão de desembarque
dizendo baixinho ao ouvido do filho suas primeiras palavras de pai. Saiu
ovacionado, sob mais aplausos, sumindo na distância depois de atravessar a
porta da rua, que se abriu elegantemente dando-lhes passagem, como que dizendo:
”Tenha a bondade”. Já com a bagagem na
mão, uma senhora, enxugando as lágrimas, falou muito comovida ao senhor a seu
lado:
- Ai, que coisa mais linda esse momento! Estou emocionada. Que
feliz que deve ser esse homem. Como eu queria ter o que ele tem...
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