Belíssima arte com os dois escritores |
Eu tenho um costume de leitor que me acompanha há anos. Sempre quando vou ler um livro de Borges ou Cortázar meu ritual começa assim; escolho uma de minhas cuias e bombas de mate preferidas, aqueço a água, ajeito a erva, minha erva não é brasileira e sim a tipo exportação que vai para o Uruguai. Lá a Ilex é chamada “Yerba" e não é moída como no Brasil, mas sim "pura hoja" (pura folha), este processo acaba mantendo a maioria de suas propriedades benéficas. Depois de preparado esse mate fica mais forte e concentrado do que chimarrão tomado no sul e é capaz de deixar quem sorve desperto por horas. O mais curioso é que essa erva é plantada no Brasil e exportada para o Uruguai e também para Argentina o que faz com que eu a contrabandeie de volta como os “quileros”, personagens do filme "El Baño Del Papa". Outro fato é que nestes países a infusão se chama "mate" e não “chimarrão” como em grande parte do Rio Grande do Sul, exceto na fronteira com os países platinos. O nome mate vem da língua Guarani e no Uruguai os índios Charruas bebiam para aguentar as horas de longas cavalgadas, já os Minuanos e Guenoas acreditavam que dava força e vigor aos guerreiros.
O citado "O Aleph"
de Borges
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Jorge Luis Borges que alem de exímio ensaísta e contista, também era um dos maiores pesquisadores sobre a identidade do "gaucho" platino, admitia não ser um bom cevador de cuias, seus mates eram curtos e lavavam rápido, geralmente eram feitos com a água fervendo e na maioria das vezes refugados pelos amigos. Uma manhã enquanto o escritor mateava na fronteira Brasil-Uruguai, viu pela primeira vez a morte de um homem. Um gaucho que mais parecia saído do conto “O morto” do livro "O Aleph", matava seu oponente nas famosas peleas de bolicho. Borges assistiu tudo incrédulo e com a cuia na mão. Esta fronteira foi à mesma que o escritor desbravou de ponta a ponta e nos conta em alguns de seus livros, com passagens por Livramento no Brasil, Riveira, Tacuarembó, Cerro-Largo no Uruguai e talvez Bagé a qual ele cita no conto “Emma Zunz”.
Dois gauchos platinos mateando |
A compreensão literária de ambos é bem complexa e discutida por muitos críticos, mas em particular e sobre Jorge L. Borges, ela exige que seus leitores muitas vezes tenham um pouco dessa “platinidade” no sangue, como isso o autor se torna mais compreensível e intimo. Ambos viram-se apenas três vezes na vida, tinham estéticas, pensamentos e ideologias diferentes, mas uma admiração profunda e mutua os uniu sempre. Para nós meros mortais ficou um legado literário enorme, que vale cada releitura com um bom mate é claro.
*para aqueles que não são do Rio Grande e arredores, ou até mesmo para os nativos da região mas que não conhecem, não lembram ou não estão familiarizados com os termos, aí vai um pequeno glossário para melhor compreensão do texto.
- Quilero: Contrabandista de alimentos nas fronteiras com Uruguai
- Gaucho: Sem o uso do acento, se escreve assim no pampa sul-americano, também se acentua como “Gaúcho”.
- Mate: O mesmo que chimarrão, infusão com erva.
- Platino: Aquele que tem origem nos países do prata.
- Fronteiriço: habitante da fronteira sul, mescla de Português, Espanhol e Índio.
- Cuia: recipiente para preparar o mate.
- Bomba ou Bombilla: Objeto de metal para sorver o mate.
- Yerba: Erva Mate.
- Mateador e Vício Mateiro: Aquele mateia ou chimarreia sempre, também se diz amarguear.
- Pelea de Bolicho: Briga de Bar, as mais típicas eram a faca ou em carreiras ( corridas) de cavalo, e na Taba (Jogo do Osso – típico na fronteira do RG do Sul, Uruguai e Argentina)
por Francisco Bino
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